Gregório Duvivier escreveu, na apresentação do livro de Breno Serafini, que o autor melhora tudo o que toca. Sim, o nosso doutor em humor brasileiro é o fino Breno Serafini, autor do livro que está sendo lançado, Humor em tempos de cólera – a crônica de Gregório Duvivier e o (des)governo Bolsonaro. Com ele, completa sua trilogia composta por Millôres dias virão e Colloríssimo, em que Millôr e Verissimo são estudados.

O famoso humor brasileiro tem sua história marcada pela alegria dos negros nas danças, no carnaval e por Machado de Assis nas Letras, também negro, ao escrever seu famoso livro Memórias Póstumas de Brás Cubas. Na apresentação desse livro, ele define o estilo com que escreveu: “Com a pena da galhofa e a tinta da melancolia”. Eis uma boa definição do humor, que reúne a alegria e a tristeza, o sorriso e a lágrima, a graça e a desgraça. O humor é mais que uma virtude, um sentido, ele pode ser pensado como uma visão de mundo, como escreveu o filósofo Ludwig Wittgenstein.

Frente às dificuldades da vida, há duas coisas que compensam: uma é o sono, e a outra é a esperança, escreveu Voltaire. Já o romantismo alemão acrescentaria o humor, witzig — o espirituoso. Já os filósofos ingleses escreveram, no século XIX, sobre os vários sentidos: beleza, moral, e depois foi criada a expressão sentido de humor. Há uma longa história do humor, desde a antiguidade até hoje, mas é um tema que foi relegado nas universidades, no mundo da filosofia e da psicanálise. O humor, por sua rebeldia, tem uma história marginal diante da cultura. Os humoristas são festejados, aplaudidos, mas os poucos estudos sobre humor tendem a ser quase esquecidos. Como escreveu Gregório Duvivier na apresentação do livro: “Raramente perde-se tempo conosco. E acho que o humor é a tecnologia de ponta desse país, junto com a música e a farra”.

Conheci Serafini devido ao humor e aos humoristas. Tive a honra de escrever o prefácio do livro sobre Verissimo, e agora, a cada agosto, organizamos o Millôr Day, que, neste ano, será no dia 14. Em um mundo onde a crueldade e a injustiça social dominam, abrir espaço para o humor é um ato de rebeldia. Aliás, Duvivier, emocionado na leitura do livro sobre suas crônicas no jornal Folha de São Paulo, escreveu: “Nunca sofri tamanha homenagem quanto este livro que você tem em mãos”. Ora, coube ao amigo do humor escrever mais uma vez sobre o quanto o humor revela verdades, o quanto ele é essencial na crítica ao autoritarismo e às injustiças.

Breno é fino quando exalta a fineza do humor e agradece ao professor Paulo Coimbra Guedes, autor do prefácio, e a mim, pelo entusiasmo na sua pesquisa. O que não escreveu, mas sempre demonstrou, foi o seu entusiasmo pelos humoristas, sua gratidão pelo quanto eles aliviam nossa vida. Breno é companheiro de solidão tanto dos humoristas quanto dos que estudam o humor, e aí sou sempre grato a ele, um dos raros estudiosos desse sentido essencial: o sentido do humor. O livro, após o preâmbulo, começa com o capítulo Entrando pela porta de frente e conclui com o Saindo pela porta dos fundos — e assim homenageia o grupo Porta dos Fundos, do qual Duvivier é um dos fundadores.

O que é mesmo o humor? Quando a gente vai pegar uma panela quente, é preciso uma toalha para não se queimar. O humor é a toalha para pegar, para viver diante da traumática realidade. O mundo é um absurdo como tanto insistiu Albert Camus, por exemplo; a humanidade está destruindo a Mãe Terra, e parece normal essa loucura. O humor ridiculariza os poderosos, os milicianos, os armados e, nesse livro sobre as crônicas do Duvivier, desnuda o Brasil, revelando o quanto o desgoverno Bolsonaro, por exemplo, abriu as portas da morte na pandemia.

Gregório Duvivier não é só um humorista crítico, mas também tem uma receita para os males de nosso país. Leiam na página 225 do livro: “A Costa Rica aboliu seu Exército há 70 anos e investiu todo o orçamento da defesa em saúde e educação. Hoje tem um dos maiores IDHs da América Latina”. Nessa receita e em quase tudo que Duvivier escreve, revela não só graça, mas uma coragem indispensável aos humoristas, pois o autoritarismo sempre perseguiu os humoristas. No final da apresentação do livro de Serafini, Gregório escreveu que Breno fez com que ele percebesse que estavam juntos e que, em seus textos, aglomerou uma multidão, sendo, assim, todos companheiros da solidão. (Publicado por Matinal)

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Ilustração: Mihai Cauli
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