Nota Técnica da Associação Brasileira de Economistas pela Democracia-RJ
GT: Adhemar Mineiro (coordenador), Antonio Melki Jr, Clician Oliveira, Gustavo Vieira Martins, Inês Patrício, Nelma Tavares, Nélson Victor Le Cocq, Orlando Moreira.
A condição crítica em que se encontra o Estado do Rio de Janeiro é resultante de uma constelação de fatores que foram sendo gestados em diferentes momentos. Podemos elencar a longa duração do esvaziamento econômico regional articulada a simbiótica convergência entre a evolução do desempenho estadual e o contexto nacional no qual estamos inseridos de forma singular. O Rio foi a sede do Império e a primeira capital da República. Foi até o início do século XX a principal cidade do Brasil em termos políticos, administrativos e culturais. São perceptíveis as estreitas vinculações entre as diferentes fases da economia carioca e fluminense com as inflexões do quadro nacional.
Ao mesmo tempo, políticas destinadas a esvaziar o projeto de um desenvolvimento nacional nos campos da indústria, ciência e tecnologia se abateram fortemente sobre o Rio de Janeiro. De forma mais imediata e emergencial, é necessário diagnosticar o período recente, no qual a incidência de políticas econômicas de cunho fiscalista e desnacionalizantes vem tendo fortíssimo impacto sobre o Rio de Janeiro.
Além disso, especificidade da evolução do mercado de trabalho no Estado do Rio de Janeiro está relacionada à especialização de sua economia à cadeia de petróleo e gás. Assim, com a Lava Jato e a desarticulação dessa cadeia de produção, relacionada, sobretudo às decisões de investimento da Petrobras e à mudança do quadro internacional do setor de petróleo, promoveram profunda desindustrialização e redução do efeito multiplicador da renda.
Na série divulgada na PNAD-C pelo IBGE, entre 1º trimestre de 2012 a 1º trimestre de 2020, a taxa de desocupação no Estado do Rio apresentou trajetória de crescimento mais rápido entre 4º trimestre de 2014 (5,8%) até 1º trimestre de 2017 (19,4%). A partir de então manteve tendência de aumento, porém em ritmo mais lento, atingindo 21,0% no 1º trimestre de 2020.
Com relação ao Brasil, a desocupação permaneceu abaixo da taxa brasileira até 1º trimestre de 2016. No período, o Brasil registrou 10,9% de desocupação e o Rio, 10,0%. A partir do 2º trimestre de 2016, há uma inversão e a taxa de desocupação no Rio passa a ser maior do que a média nacional. Nesse período, além disso, se esgota o ciclo de grandes obras associado entre outros à Copa do Mundo e Olimpíadas. Assim, no primeiro trimestre de 2020, o Rio registrou desocupação de 14,5% e o Brasil, 12,2%. Claro está que o crescimento da subutilização da força de trabalho no Rio de Janeiro está impactado pela perda da ocupação e busca de novo emprego.
No curto prazo, a melhora do mercado de trabalho está vinculado ao aumento do preço do petróleo com manutenção em patamares altos de tal maneira que ocorra manutenção dos planos de investimento no setor de petróleo. Nesse contexto, um projeto de desenvolvimento por meio da ação do Estado, complexificando a cadeia de petróleo e gás, é fundamental para a retomada do emprego e do crescimento no Rio de Janeiro.
Assim, embora com importantes especificidades, não se pode pura e simplesmente separar o desempenho recente do Estado do Rio de Janeiro de suas dimensões históricas (quer esse ponto seja compreendido desde o final do século XIX, quer seja compreendido a partir da mudança da capital para Brasília, ou do processo de fusão dos antigos Estado do Rio de Janeiro e Guanabara).
O Rio de Janeiro tem sua trajetória historicamente associada ao país, e o ciclo recente mais uma vez mostrou isso. Assim, em que pese as possibilidades de ter seus problemas tratados de um ponto de vista local, é evidente que a associação entre medidas locais e um bom desempenho nacional facilitam uma economia estruturalmente imbricada com o desenvolvimento nacional.
Finalmente, um ponto importante é observar que, por isso mesmo, dificilmente se poderá pensar em uma estratégia para a solução da crise fiscal do Rio de Janeiro, quanto mais sua implementação, sem que isso possa estar associado a uma estratégia de desenvolvimento do estado (tomando em consideração que só a elevação da arrecadação dentro de uma estratégia de longo prazo pode viabilizar o desafogo fiscal de curto prazo).
Nesse sentido, não cabe restringir a discussão da continuidade do Regime de Recuperação Fiscal a este em si mesmo, mas essa discussão deve ser colocada nos marcos da discussão de uma estratégia de desenvolvimento para o futuro do Rio de Janeiro, alicerçada em algumas novas possibilidades (aumento de conteúdos tecnológicos e arranjos produtivos locais), e no adensamento das cadeias produtivas existentes (petróleo e gás, metalurgia, química e outras), além de especializações na agricultura (hortifrutis, agricultura orgânica) e serviços (gastronomia, turismo e outros). E que seja colocada dentro de uma estratégia de desenvolvimento nacional com o qual, como dito antes, o Rio de Janeiro está profundamente conectado.
Dentre os elementos responsáveis pela bonança anterior podem ser citados a elevação dos preços internacionais do petróleo (responsável pelas receitas de royalties e participações especiais do Estado e de uma série grande de municípios do ERJ) e o ciclo de obras associadas a grandes eventos (os últimos deles relativos a Copa do Mundo e Olimpíadas).
Como impactos negativos, a forte crise econômica nacional e seus efeitos sobre a arrecadação tributária e os repasses ao ERJ (situação agravada no caso do Rio de Janeiro pela mais do que generosa – se poderia dizer irresponsável – política de benefícios fiscais dos governos Sérgio Cabral e Pezão, que segue vigente, por decisão do Governo Witzel, apesar do Regime de Recuperação Fiscal), a paralisia das obras públicas em curso pela escassez dos recursos e a política de restrições orçamentárias da gestão Meirelles/Temer e os efeitos da chamada Operação Lava-Jato sobre o funcionamento e os investimentos da Petrobras, impactando toda a cadeia de petróleo à jusante (Comperj, por exemplo) e a montante (fornecedores em geral, prestadores de serviços, indústria naval, etc.).
O estancamento econômico, sem que alternativas produtivas tenham sido generosas, leva à dramática crise fiscal do Estado, agravada por manobras temerárias do ponto de vista dos governos estaduais (a já referida política de incentivos fiscais e a gestão sob investigação do RioPrevidência, fundo de pensão dos funcionários estaduais).
De acordo com as considerações acima, a análise das condições estaduais nos impõe uma disjuntiva. De imediato, é flagrante a inviabilidade financeira que o pretendido acordo de recuperação fiscal quer impor ao Estado do Rio de Janeiro. O cancelamento desta dívida é imperioso. Já um projeto de retomada da economia fluminense pressupõe a elaboração de um conjunto de diretrizes que tem interfaces com o poder público federal em diversos âmbitos, mas demanda um planejamento a nível estadual que clarifique os rumos por onde esta retomada de curto, médio e longo prazo deverá buscar sua realização. Fazer esse novo desenho de um projeto de futuro é fundamental.
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NR: Nota Técnica da ABED-RJ No. 1. Texto original dos autores.