Uma antiga piada que ouvi enquanto fui militar dizia que para fazer sucesso na carreira bastavam três coisas: roupas sempre impecavelmente passadas e sapatos brilhantes; pintar de branco o que é cinza e de cinza o que é branco; prestar continência para qualquer coisa que ande ou rasteje.

Como todo chiste é a sombra deformada de uma verdade, esta diz que sucesso não tem a ver com quem se é ou o que se faz, mas com a maneira pela qual se é visto. Sucesso está nos olhos de quem consagra e não no espírito do consagrado.

Isto quer dizer que uma pessoa completamente corrupta, incompetente e ambiciosa pode ser aclamada como honesta, competente e humilde, desde que consiga camuflar com eficácia seus vícios.

Camuflagem é a arte de esconder coisas que não estão escondidas. É diferente de enterrar um tesouro. É deixa-lo ali, bem na cara de todo mundo, sem que ninguém o reconheça. As pessoas o enxergam, mas veem outra coisa.

Quando a ditadura terminou, a imagem dos militares estava péssima. Era sinônimo de autoritarismo, corrupção, incompetência, burrice, tortura e por aí vai. Como somos todos diferentes uns dos outros, achar que alguém carrega em seu espírito todos os vícios do mundo só por ser militar é algo tão injusto e sem sentido quanto achar que só por ser religioso carrega todas as virtudes.

Toda classificação social é injusta quando utilizada como critério de julgamento de um indivíduo. Mais injusta ainda se for para prejulgá-lo. Funciona pela mesma lógica da camuflagem, mas com propósitos morais inversos.

Os militares trabalharam duro nos últimos 40 anos para se livrarem desses rótulos. Com sucesso, passaram de categoria desprezada a respeitada e amada. Mas como o sucesso cobra seu preço, a farda que era usada para rotular, tornou-se artifício de camuflagem moral.

Nas eleições, testemunhamos o espetáculo da camuflagem moral. Meio comédia, meio tragédia. Civis – alguns deles ex-militares, outros, nem ex – procuraram de uma maneira ou outra camuflarem-se de honestos porque militares. Valeu de tudo. Continências desajeitas. Flexões de braço acochambradas. Discursos com frases curtas e capricho no volume das últimas sílabas. E muito patriotismo onde é fácil tê-lo: nas roupas e palavras.

Hoje, para camuflar a incompetência, militares de verdade tomam à frente da administração. Experientes nas artes militares, são pré-aplaudidos como gestores de qualquer coisa. Não precisa projeto, basta a farda presumida. Garantia hipotética de competência. Da saúde à economia, militar virou pau pra toda obra.

Como toda camuflagem deixa o objeto à vista, quem prestou atenção, os viu. Estavam ali nas eleições a incompetência, a corrupção, a insensibilidade social. Tão visíveis como todas as fragilidades administrativas e morais de nossa República.

Quando o efeito ludibriador da camuflagem passar, os ludibriados de hoje não farão mea-culpa pelo olhar desatento de quem não quis ver. Antes, culparão as fardas pelas suas próprias ilusões. Camuflagens escondem as injustiças, mas não tornam o mundo menos injusto.