Resenha: “Carlos Lessa: O passado e o futuro do Brasil”, de Nelson Le Cocq de Oliveira et alli (org.)

Acaba de ser lançado um livro, em versão impressa e digital, sobre a vida e a obra do professor Carlos Lessa – infelizmente falecido no dia sete de junho de 2020. Tal livro reúne artigos sobre dois recortes geográficos, a saber: o Brasil como um todo e, em especial, o Rio de Janeiro.

Quem conheceu, leu ou ouviu suas muitas palestras, sabe que ele era um apaixonado, quer pelo país, quer pela capital do estado fluminense. No que se trata desta última, considerava-a extremamente importante para a construção de uma nação próspera e civilizada nos trópicos, dado o papel que essa cidade desempenhara em um largo período do século XX: a de signo das possibilidades da construção de uma nação próspera, mais justa, alegre e civilizada nos trópicos. Não obstante, sem prejuízo dos seus ricos e instigantes aportes sobre o Rio de Janeiro, é sobre o Brasil e suas potencialidades civilizacionais que o livro dedica a maior parte das suas muitas páginas (quase 400).

Vale mencionar nesses prolegômenos, para melhor compreensão da importância do homenageado no livro que ora apresento, seja quando foca no Rio de Janeiro seja quando analisa o país como um todo, que resulta evidente das análises dos variados analistas convidados a participar dessa obra as múltiplas faces, transcendentes, do professor Lessa, posto ele também ter feito incursões como empresário imobiliário, executivo no setor público e privado, dirigente universitário (decano e reitor na/da UFRJ), ativista social etc.

Não obstante, entendo correto dizer que nessa sua atuação diversificada havia uma unidade: a de sistematicamente valorizar a cultura e o povo brasileiros, daí a centralidade que ele atribuía em sua práxis à conquista da autonomia das políticas públicas em geral e, em especial, das econômicas, para fins do alcance de um efetivo projeto de desenvolvimento (sem nenhum traço de xenofobia, pelo contrário), bem como, para tal, do resgate da importância do Rio para a alavancagem, digamos, do desiderato que menciono.

Assim sendo, com total tranquilidade, considero trivial asseverar que ele se inscrevia no rol dos grandes intelectuais que inventaram o Brasil Pensado – que, aliás, constitui marca indelével das obras pioneiras e imprescindíveis acerca da realidade brasileira anteriores às de Lessa (como são as de Sergio Buarque de Holanda, Gilberto Freyre, Caio Prado Júnior, Celso Furtado, Darcy Ribeiro e outros) e que, assim como as dele, continuam sendo essenciais para pensar seja o Brasil de ontem seja o de hoje, assim como seus possíveis devires.

Isto posto, assinale-se que o livro começa com um Prefácio do ex-senador, governador (do Paraná), prefeito (de Curitiba) Roberto Requião, que considera o professor Lessa como um gigante da nacionalidade brasileira. No capítulo seguinte, os organizadores do livro (que mencionarei mais adiante), destacam a necessidade da revisitação do passado, tendo em vista as reflexões do nomeado professor, para iluminar o futuro – o que chama a atenção para a atualidade do seu pensamento. Passo seguinte, a professora Sulamis Dain, sua colega de docência na Economia/UFRJ, parceira de reflexões científicas e amiga de longa data, sublinha uma dimensão particular do professor, ao apontar para a sua capacidade de pensar fora da caixinha – expressão por vezes utilizada no presente, mas que penso apropriada para defini-lo, dada a sua reiterada ‘fuga transcendente dos saberes estabelecidos’. Ou seja: seu livre pensar abria possibilidades quase infindáveis de novas e sucessivas investigações. Por último, nesta parte do livro, com traços introdutórios, temos um artigo do professor Luciano Coutinho focando no que ele denominou de o calcanhar de Aquiles do nosso desenvolvimento, incluindo aí a necessidade da autonomia das políticas públicas/econômicas tão defendidas pelo professor Lessa, incluindo a dimensão tecnológica, bem como a definição de um novo e indispensável padrão de financiamento para a afirmação de um projeto nacional de desenvolvimento sustentado e socialmente inclusivo, como sonhava e pelo qual ele lutava.

Na Parte 1 do livro em tela, Vida e Obra, constam oito artigos: o primeiro, escrito por um dos seus filhos, Rodrigo Lessa, trata da sua ação política impregnada de humanidade; o segundo, do ilustre Luiz Gonzaga de Mello Belluzzo, examina a dimensão professor e tribuno do personagem homenageado; o terceiro, de Ricardo Bielshowsky e Luiz Antônio Elias, analisa a marcada brasilidade e humanismo do professor Lessa; o quarto, de Darc Costa, aponta para o que ele nomeia de um brasileiro com B maiúsculo; a quinta reflexão, de Hildete Pereira, sublinha o fato de ele ser verdadeiramente um professor genial; o sexto aporte ressalta a importância de um livro meio esquecido, aliás, injustamente, escrito por ele e pelo excelente e criativo professor Antônio Barros de Castro, demarcando em seu título uma espécie de bem-vinda provocação, a saber, Castro-Lessa: um único autor ou dois grandes mestres, da autoria de Fernando Nogueira da Costa; o sétimo capítulo, de Glória Moraes, chama-se Conversa no estacionamento, ou a aula de Carlos Lessa sobre a questão nacional (tema esse, como já aludimos, que era a grande e salutar obsessão do professor); e, por último, de Fábio Sá Earp, consta o capítulo intitulado Intelectual é como coruja, voa ao entardecer.

Na parte 2 do livro, por sua vez, constam seis capítulos, como segue: o primeiro, de Carlos Pinkusfeld Bastos, tendo em vista o livro a “Introdução à Economia: uma abordagem estruturalista”, ressalta a contribuição de Lessa ao ensino de economia no Brasil; o segundo, de William Nozaki, nomeado A política econômica entre a ciência e a ideologia, tece relevantes considerações sobre a importância desse temário na arquitetura do pensamento do autor; a terceira reflexão, de Victor Leonardo de Araújo, examina seu clássico trabalho “Quinze anos de política econômica no Brasil e o processo de desaceleração econômica da entrada dos anos 1960; em seguida, no quarto capítulo, Nelson V. Le Cocq D’Oliveira e Inês Patrício examinam a reflexão do professor Lessa sobre o II PND, do governo do general Geisel (1974-79; o quinto capítulo, busca decifrar o Brasil, mirando nas órbitas não-industriais e a natureza oblíqua do processo de acumulação de capitais brasileiro; e o sexto e último capítulo, de autoria compartilhada de cinco autores (Walsey Magalhães, Marcus Santiago, José Eduardo de Andrade, Cristiane Garcez e Helena Lastres), examina o binômio o futuro do BNDES e o desenvolvimento brasileiro.

Na parte 3, seguem três artigos sobre o Rio de Janeiro: o primeiro, deste resenhista (em parceria com o professor Cezar Guedes), parte do duo intelectual e cidadão crítico-humanista, daí derivando para a análise do lugar que o Brasil e o Rio de Janeiro ocupavam em sua práxis; o segundo, de Mauro Osório, foca a dimensão cidadão carioca e brasileiro do homenageado; e, em terceiro lugar, também de um “pool” de autores (Bruno Sobral, Andrea Aranha, Kleyton da Costa, Bruno Freira, Maria Clara Paiva e Victor Figueiredo), que apontam para a importância da compreensão da problemática carioca para o entendimento dos grandes desafios que estão colocados para o país – sem prescindir da defesa dos interesses regionais.

Consta ainda do livro um Posfácio, intitulado a atualidade incômoda de algumas reflexões de Lessa, de Nelson Victor Le Cocq D’Oliveira, que foi um dos principais entusiastas e organizador deste livro, mas que, infelizmente, não chegou a tê-lo em suas mãos. O livro aqui singelamente resenhado deve demais ao Nelson. Grande e lamentável perda!

Se vale um fecho nesta sucinta e preliminar resenha, penso que ela poderia ser a seguinte: o Lessa apresentado pelos mais diversos autores, que de alguma forma com ele travaram contato pessoal e/ou intelectual, evidencia o quanto o ser humano multifário que ele veio a ser expressou o que se poderia nomear de diversidade na unidade; qual seja, a sua vida e obra estiveram voltadas permanentemente para a construção de um país e cidade mais justos e inclusivos, prósperos, alegres e soberanos, de sorte a superar, como requisito indispensável, nossa histórica subalternidade e aculturamento face às supostas ondas de modernidade que vêm de fora – sem qualquer xenofobia, insisto, até porque a bagagem cultural do professor Lessa, vastíssima e universal, jamais se coadunariam com essa práxis. Enfim, Lessa aliou sua vasta cultura (transcendente à área da Economia) e rigor científico das suas análises à intensa paixão militante pelo Rio e pelo Brasil.

Nota do Autor:  O livro contou com os apoios decisivos da Fundação Perseu Abramo e da ABED, org. por  Nelson Victor Le Cocq de Oliveira et alli.
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Os artigos representam a opinião dos autores e não necessariamente do Conselho Editorial do Terapia Política. 

Ilustração: Mihai Cauli  e  Revisão: Celia Bartone
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