Senhores Armínio Fraga, Edmar Bacha e Pedro Malan,
Li com atenção as palavras de preocupação que endereçaram em carta ao presidente eleito.
Quero tranquilizá-los.
Durante oito anos, Lula foi presidente do Brasil e alcançou um bom equilíbrio entre responsabilidade fiscal e investimento público no enfrentamento da questão social. Ou seja, ele já fez o que está dizendo que vai fazer de novo.
Respeitando a responsabilidade fiscal, Lula implementou programas que tiraram o Brasil do mapa da fome da ONU, levaram eletricidade aos rincões, água às áreas secas, moradia popular aos sem casa e condições de produção aos pequenos e médios proprietários rurais.
Sem romper com a responsabilidade fiscal, a gestão Lula teve crescimento médio do PIB de quatro por cento ao ano, acumulou quase 300 bilhões de dólares de reservas, pagou a dívida externa e emprestou dinheiro ao FMI.
Lula, portanto, conjugou responsabilidade fiscal e desenvolvimento enquanto esteve no governo, o que lhe rendeu elogios da The Economist e da FGV, que, insuspeita de petismo, caracterizou os anos Lula como o melhor momento da economia brasileira desde a redemocratização.
Portanto, não se preocupem.
Mas devo dizer que fico intrigado com o tamanho da mobilização dos senhores ao ouvir um futuro presidente, que tem este histórico de responsabilidade fiscal, dizer que o orçamento nacional deve ser colocado também a serviço do combate à fome de dezenas de milhões de brasileiros.
Se os senhores estiverem realmente muito receosos com a possibilidade de aumento dos investimentos, digo, gastos públicos, podemos pensar em alternativas para aumentar a arrecadação. Por exemplo, poderíamos incluir os juros de bilhões de reais que o governo paga ao mercado financeiro via tesouro direto dentro do teto de gastos. Ou poderíamos cobrar impostos sobre os juros e dividendos das maiores empresas ou ainda tributar grandes fortunas.
Na visão dos senhores, essas seriam formas legítimas de garantir a responsabilidade fiscal?
Ah, e podemos também perguntar ao ministro Paulo Guedes se a injeção de liquidez de um trilhão e duzentos bilhões de reais no sistema financeiro durante a pandemia foi uma medida responsável, ou a responsabilidade é uma preocupação que incide apenas sobre a política fiscal?
Ou só podemos penalizar com austeridade setores como educação e saúde, economizando na comida das crianças em escolas públicas e nos insumos para o funcionamento dos hospitais públicos?
Por fim, quero terminar cumprimentando os senhores pelo apoio que declararam a Lula nas eleições presidenciais deste ano, superando divergências ideológicas para se opor ao perigo representado pela extrema direita nacional.
Este fato precisa ser reconhecido tendo em vista que 99% dos liberais brasileiros transigiram com o bolsonarismo em 2018 por conta de convergências com a visão econômica de Paulo Guedes. Tenho certeza de que os senhores não estão entre esses, e que se posicionaram desde a primeira hora contra o neofascismo bolsonarista.
Cordialmente,
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Ilustração: Mihai Cauli
Leia o artigo “Revogar o Teto“, de Paulo Kliass e “O falso dilema do mercado“, de Chico de Oliveira.