Dissonância Cognitiva dos homens de bem.

Somos todos diferentes. Não pensamos e tampouco sentimos o mesmo. Contudo, estamos condenados à convivência. Somos incompletos. Precisamos uns dos outros. Do trabalho e da inteligência dos outros. Da sensibilidade e ideias de quem pensa diferente. Daí a tensão. Precisamos conviver, mas somos de espírito amedrontado demais pelas diferenças. Precisamos, mas também temos receio de quem seja diferente de nós. Tolerar e conviver é escolha. Requer maturidade e coragem, respeito e dignidade. Virtudes que, às vezes, perdemos.

Há ainda hoje, ainda agora, quem acredite que só quando todos pensarem, sentirem e agirem da mesma maneira a sociedade será um lugar de felicidade. Harmônica de mesmice. De felicidade pasteurizada. No passado, houve quem pensasse assim também. Muitos. Que foram do pensar e sentir à tentativa de realização de um mundo ideal.

Eles também se diziam homens de bem porque apontavam homens de mal. Pessoas de mau gosto. De más ideias e sentimentos. Afetuosas demais. Preguiçosas demais. Burras demais. Bregas demais. Tudo de ruim em demasia. Gente que não poderia existir. Era a condição para salvar o mundo. Assim tentaram.

Como homens de bem, queriam eliminar a diferença para salvar o mundo. Este mesmo mundo que existia antes de nós e que, talvez, sobreviva à nossa espécie. Salvar o mundo dos males que praticavam. Do mesmo jeito que, antes ainda, homens de bem mais antigos torturavam, violentavam e matavam para livrar o mundo do pecado – Nunca entendi como lidavam com o mandamento que diz “não matarás” -. O mundo está sempre em perigo. E sempre há alguém disposto a criar grandes perigos para livrar o mundo do perigo.

Também não faltam ressentidos. Homens de bem desgostosos da vida. Principalmente da vida alheia. Dispostos a salvar o que aparentam respeitar quando se dizem dispostos a salvar. Pessoas prontas a eliminar as diferenças do mundo. A romper os limites em nome de se evitar que se rompam os limites. Gente disposta a quebrar tudo que não seja espelho.

Mas aqui, homem de bem, te dou outro espelho. Um que te mostra como tu és. Sei que pode se assustar com o que vir. Mas, acredite, há beleza no mundo para além do espelho. E há para aqueles que a sabem ver não só com os olhos, mas com o coração. Ressentimento e fantasias conspiratórias cegam e endurecem corações e não há bem possível em nenhum coração endurecido.

Mas a verdade, por outro lado, liberta da fantasia, do engano, do mito. E o aproxima de quem não pensa como você e nem sente como você, mas que, ainda assim, se parece com você porque pensa e sente. Não tenha medo de olhar a si mesmo. Não se esconda em fantasias e nem em mitos. Olhe-se e quando conseguir enxergar-se profundamente, verá o outro. Apenas com este olhar que atravessa o espelho que se consegue ver, verdadeiramente, o outro, a bondade e a vida.

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Ilustração: Mihai Cauli
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