Cavaleiros e bobos

Houve um tempo, já muito distante e do qual só se tem um sopro de memória do que foi, em que os que buscavam a glória e a eternidade de sua lembrança o faziam pelo esforço de tornar-se virtuosos ou por algum grande feito realizado com esforço e coragem. Matheus achava que era desse tempo. Citava frases em latim que mal sabia o que significam, mas que pegavam bem porque quem as ouvia sabia delas ainda menos. Estampava figuras medievais em publicações e até no próprio carro. Abusava de símbolos do imaginário distorcido destes tempos já perdidos.

Na sua crença de virtude e grandeza, sua verdadeira virtude era ser truculento e perverso com quem discordava de suas rasas ideias. Seu feito glorioso foi o grande número de seguidores no Instagram. Nunca salvou uma princesa aprisionada em um castelo guarnecido por um dragão, apesar de já ter esbofeteado algumas mulheres que não cederam às suas investidas e humilhado publicamente outras chamando-as de dragão. Matheus acreditava ser um templário dos dias atuais.

Sua saga cavalheiresca começou com um acaso do destino. Uma entrevista fortuita, sobre uma banalidade, na qual disse uma frase espirituosa. Seis segundos de sua imagem passaram a circular intensamente nas redes sociais. Criou um blogue, um site, contas aqui e acolá em redes diversas. Uma delas deu certo.

Como tudo no mundo virtual é efêmero, tratou de produzir, semanalmente, efemeridades às dúzias. Atacou artistas, porque eram queridos e admirados. Inventou mentiras que mobilizaram fãs indignados e ressentidos admirados. Uns aplaudindo, outros vaiando. Todos agigantando sua rede. Tornou-se um gigante do ódio. Cavaleiro neotemplário em busca do Graal do ressentimento.

Com o ódio tomando conta da política, viu a oportunidade de transformar seu amontoado de joinhas raivosos em dinheiro, prestígio e poder. Começou a falar de política. Para onde os ventos do ódio sopravam, lá estava Matheus navegando suas frases pobres ditas com cara séria. Deu opiniões sobre tudo e todos que pareciam interessar a massa difusa de gente estranha que alimenta de cliques gente como Matheus. Deu certo. Elegeu-se deputado.

No parlamentoparlamento, faz live ao invés de discursos. Sabia que não teria o que dizer para além das pataquadas que animavam seu público. Em pouco tempo, foi conduzido pela realidade do parlamento às sombras do plenário, dominado por gente mais capaz, inteligente, experiente e inescrupulosa do que ele. Sentiu-se mal com isso.

O que parecia a glória, agora tinha cor e cheiro de insignificância. Sentiu-se decadente. Tentou mudar. Leu, com muito esforço, pareceres escritos com o estilo tedioso da burocracia legislativa. Subiu ao parlatório. Primeiro discurso. Falou com franqueza o que pensava de um projeto. Um primor de irrelevância. Tanto para o parlamento quanto para seus seguidores, que estranharam a mudança.

Entendeu-se, finalmente, sem virtude ou glória. Não era cavaleiro. Faltava-lhe o essencial. Tinha mandato, mas para quê? Procurou um colega de legislatura. Daqueles respeitados por todos. Um sobrevivente de sabe-se lá quantos mandatos. Com poucos minutos de conversa, entendeu o seu papel naquela corte. Não era cavaleiro. Nem príncipe ou sacerdote. Era o bobo. Seu papel era apenas o de entreter o público com um ódio que, muitas vezes, nem era seu. Assim como os antigos palhaços que alegravam o público com uma alegria que também não era genuinamente sua.

Aceitou sua condição. “Fazer o quê?”, perguntava-se toda noite antes de avaliar a repercussão das bobagens que disse e fez ao longo de mais um jubiloso dia de trabalho na corte do Reino das Virtudes Perdidas.

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Ilustração: Mihai Cauli  
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