O Rio de Janeiro está colhendo os frutos (podres) da política belicista de segurança pregada, ainda nas campanhas eleitorais, pelo governador do Estado, Wilson Witzel, e pelo presidente da República, Jair Bolsonaro. Política de palanque, que nunca foi oficialmente adotada, por ser ilegal, mas que é seguida à risca, principalmente pela Polícia Militar.
Nos comícios, Witzel prenunciava, a respeito do tratamento a ser dispensado pela polícia aos fora da lei: “tem que mirar e atirar na cabecinha”. Instituía, sem nenhum amparo na legislação, a pena de morte informal. Em agosto do ano passado, quando o desfecho do sequestro de um ônibus na ponte Rio-Niterói foi a morte do sequestrador, ele chegou ao local de helicóptero e saiu correndo e pulando, como se estivesse comemorando um gol da Seleção, para abraçar os policiais.
O presidente Jair Bolsonaro brandiu, durante toda a campanha eleitoral, a frase “bandido bom é bandido morto”. O resultado não poderia ser outro. Só no Rio, a polícia matou, de janeiro a maio deste ano, nada menos que 741 pessoas, o que significa uma pessoa morta por policiais a cada cinco horas no Estado. É o maior número de vítimas da ação policial nos cinco primeiros meses do ano desde 1998.
Trata-se de um genocídio estimulado pelas maiores autoridades do Estado e do país. E, dos mortos, nada menos de 78% são negros, o que evidencia o componente racista dessa orientação. Racista e antipovo, uma vez que a quase totalidade ocorreu em áreas carentes. Não há um só registro de mortos pela polícia em áreas nobres, embora, como mostram investigações em curso, essas regiões abriguem bandidos de alto coturno.
Não escapam nem as crianças. Nos últimos 12 meses, foram mortos Kauan Rosário, de 11 anos, Kauê Ribeiro dos Santos, de 12, Ágatha Félix, de oito e o mais recente, João Pedro, de 14. Desde 2007, foram 69 crianças mortas em ações policiais.
Graças à difusão de câmeras de celular, hoje podemos conhecer a brutalidade com que policiais militares tratam moradores de comunidades. Grupos de agentes fortemente armados espancam até quase a morte pessoas rendidas, indefesas, tendo ou não cometido delitos. Os policiais agem como bandidos. Ou pior que bandidos. Não se conhece caso de traficantes que ataquem, espanquem, torturem a céu aberto pessoas das comunidades.
Não é sem razão que moradores de áreas carentes temam mais a polícia que os bandidos. A mãe do menino João Pedro, Rafaela Coutinho Mattos, não se conforma: “É complicado ver pessoas que deveriam nos proteger matando tanto. Você não sabe se está segura ou não quando a polícia está presente.” De fato, é difícil compreender que indivíduos que são pagos, recebem treinamento, armas e são investidos de autoridades, voltem-se contra os que os sustentam.
Recentemente, o New York Times publicou reportagem intitulada “Policiais Militares têm ‘licença para matar’ no Estado do Rio”. Em 48 mortes analisadas pelo jornal, as vítimas de ações policiais, embora o registro seja de confronto, foram baleadas nas costas. Ou seja, não estavam em posição de embate.
Agora, que estão vindo à tona acusações sérias de corrupção contra Witzel e a primeira-dama do Estado, é o caso de saber se o governador continua achando que contra bandidos a polícia “tem que mirar e atirar na cabecinha”. No plano federal, neste momento em que Flávio Bolsonaro é acusado de envolvimento em diversos casos de corrupção, seu pai deve explicar se ainda entende que “bandido bom é bandido morto”.