A política como bússola do desenvolvimento

Enquanto o Ocidente se perde em improvisações fiscais, ciclos de austeridade e promessas de “mercados autorregulados”, a China reafirma, com a serenidade de quem tem horizonte, que planejamento é destino. O 4º Plenário do 20º Comitê Central do Partido Comunista da China, encerrado em 23 de outubro de 2025, aprovou as recomendações para o 15º Plano Quinquenal (2026-2030) — um roteiro que definirá as prioridades econômicas, sociais e ambientais do país na década que antecederá a meta histórica de 2035: alcançar a modernização socialista plena¹.
Como afirmou Xi Jinping em seu discurso de abertura do plenário, “governar bem um país exige, antes de tudo, governar bem o Partido; apenas um Partido forte pode conduzir uma nação forte”. (Comunicado oficial do 4º Plenário, Xinhua, 23/10/2025.)
A frase resume o núcleo da lógica chinesa: o planejamento é inseparável da liderança política e da coesão institucional.
Em contraste com o improviso político que domina boa parte do mundo, o documento chinês é o oposto da hesitação. Ele reafirma que o desenvolvimento deve ser guiado por uma visão integrada, coordenada e planejada — algo que o Brasil, em outros tempos, soube fazer. O país que construiu a Petrobras, a Eletrobras e Brasília sob metas nacionais de industrialização, hoje hesita até em formular um plano de médio prazo. Enquanto isso, Pequim debate, aprova e executa planos decenais com metas mensuráveis e prazos definidos.
O novo ciclo chinês: modernização socialista e autossuficiência tecnológica
A China entra agora em uma nova fase de desenvolvimento, marcada por três eixos principais: tecnologia, sustentabilidade e segurança. O 15º Plano Quinquenal será a ponte entre duas eras: a da industrialização acelerada, consolidada nas últimas décadas, e a da civilização tecnológica verde, na qual ciência, energia limpa e inovação tornam-se pilares do socialismo moderno.
Segundo o comunicado oficial do Partido, o novo plano enfatiza a alta qualidade do crescimento, substituindo a meta exclusiva de Produto Interno Bruto (PIB) por uma métrica de desenvolvimento equilibrado; reforça a autossuficiência científica e tecnológica como resposta direta à guerra comercial e tecnológica imposta pelos Estados Unidos; e projeta uma modernização verde e rural, consolidando a Beautiful China Initiative e acelerando a transição energética.
O documento também ressalta a importância da segurança nacional e da coesão social como pré-condições do desenvolvimento, e inclui entre suas metas o fortalecimento da cultura e da prosperidade comum.
A China compreendeu que não existe soberania sem ciência. O país lidera hoje as patentes em energia solar, veículos elétricos e inteligência artificial, e domina mais de 80% da cadeia global de minerais críticos para a transição energética. Nenhuma potência atinge esse nível sem planejamento coordenado entre governo, empresas estatais e universidades.
Xi foi direto ao afirmar que “a autossuficiência científica e tecnológica é a espinha dorsal da modernização socialista”. (Discurso de Xi sobre o 15º Plano, CGTN, 23/10/2025.) Com essa frase, ele transformou o tema da inovação em questão de segurança nacional e de identidade civilizatória.
Planejamento e estabilidade: a herança de um modelo que não teme o futuro
O plenário de outubro confirma o papel de Xi Jinping como núcleo de um sistema político que associa estabilidade à renovação constante. O texto oficial destaca o “significado decisivo de estabelecer o camarada Xi Jinping como núcleo da direção central do Partido”, um gesto de afirmação institucional num momento de transformações globais. Ao contrário das caricaturas difundidas pela mídia ocidental, essa centralidade não significa rigidez, e sim coordenação.
Desde a década de 1950, a China ajusta seus planos quinquenais como instrumentos flexíveis de política pública. Cada plano funciona como um contrato social coletivo: define prioridades, mobiliza investimentos e integra metas setoriais — da agricultura à defesa nacional. Ao final de cada ciclo, há avaliação pública e correção de rumos. Essa cultura de planejamento explica por que o país nunca teve recessão em 40 anos, mesmo atravessando crises globais e guerras comerciais.
Brasil: um país que desaprendeu a planejar
O contraste com o Brasil é doloroso. Depois do desmonte institucional promovido pelas reformas neoliberais dos anos 1990 e agravado pelo golpe de 2016, o país abandonou o planejamento estratégico. O Ministério do Planejamento foi dissolvido, as empresas estatais foram privatizadas sem estratégia industrial e a política fiscal transformou-se em dogma contábil. Os planos plurianuais (PPAs), que deveriam guiar o investimento público, tornaram-se peças formais, sem conexão com a política de desenvolvimento.
Enquanto a China projeta sua economia até 2035, o Brasil hesita em planejar o próximo trimestre. O país que criou a Embraer, a Embrapa, o Proálcool e o Sistema Nacional de Ciência e Tecnologia vive hoje submetido à lógica do curto prazo financeiro — uma armadilha que impede a reconstrução da infraestrutura, da indústria e da soberania tecnológica.
O resultado é visível: desindustrialização precoce, vulnerabilidade cambial e perda de capacidade estatal. Ao contrário da China, que transformou bancos públicos e estatais em motores da inovação, o Brasil colocou o BNDES na defensiva, asfixiado por narrativas fiscalistas e campanhas políticas de deslegitimação.
O exemplo chinês: coordenação entre Estado, mercado e sociedade
Um dos pontos mais interessantes do novo documento do Partido é a ênfase na interação entre um mercado eficiente e um governo funcional. Trata-se da negação da dicotomia que ainda domina o debate brasileiro. Enquanto aqui se repete o falso dilema entre “Estado pesado” e “mercado livre”, a China opera sob o princípio de que só um Estado forte garante um mercado saudável. Esse equilíbrio é o coração da chamada economia socialista de mercado, que combina instrumentos de mercado com planejamento estatal.
O objetivo não é estatizar tudo, mas ordenar o capital privado em função de metas públicas — algo que o Brasil, nos tempos de Vargas e Juscelino, compreendia bem.
Hoje, Pequim define áreas prioritárias — como semicondutores, biotecnologia e economia verde — e canaliza crédito, pesquisa e regulação para cumpri-las. Nenhum plano decenal chinês é apenas um exercício burocrático; é um pacto de nação, que envolve províncias, universidades, empresas estatais e privadas.
Planejar é resistir à desordem global
O 15º Plano Quinquenal nasce num contexto de incerteza mundial. As tarifas de Donald Trump, a guerra tecnológica, a crise climática e a fragmentação das cadeias de suprimentos expõem a vulnerabilidade dos países dependentes. A resposta chinesa é fortalecer o mercado interno e aprofundar a cooperação Sul–Sul, especialmente com a África e a América Latina. Nesse sentido, o Brasil é parceiro natural da China, mas precisa resgatar o espírito do planejamento — não como imitação, mas como instrumento de soberania.
Planejar significa pensar o futuro com método, definir prioridades, investir em ciência, proteger recursos estratégicos e articular políticas de longo prazo. Significa, sobretudo, retomar o papel do Estado como coordenador do desenvolvimento, em vez de mero administrador de orçamentos. O que a China faz, e o Brasil deixou de fazer, é projetar o país que deseja ser e não apenas reagir ao país que o mercado lhe impõe.
Xi resumiu o espírito da nova etapa ao dizer: “A China deve abrir novos horizontes de desenvolvimento de alta qualidade e contribuir para um mundo mais justo, pacífico e sustentável. O futuro pertence aos que planejam e trabalham por ele.” (Trecho adaptado do pronunciamento de Xi na sessão de encerramento do 4º Plenário, Xinhua/People’s Daily, 23/10/2025.)
Essa mensagem extrapola as fronteiras chinesas — um lembrete de que o planejamento é, antes de tudo, um ato de emancipação.
Lições para o Brasil e o Sul Global
Ao adotar as diretrizes do 15º Plano, a China envia uma mensagem política ao Sul Global: o planejamento é a antítese do caos neoliberal. Sem ele, não há industrialização sustentável, nem transição ecológica justa, nem segurança alimentar.
O Brasil, que já foi referência mundial em planejamento estatal — com o BNDE de Roberto Campos e Celso Furtado, com a Sudene e o Plano Trienal —, pode e deve recuperar essa tradição. O desafio não é copiar modelos, mas reaprender a planejar com propósito, integrando economia, clima e soberania tecnológica.
Enquanto a China planeja o século XXI, o Brasil ainda disputa o orçamento de amanhã. Mas ainda há tempo: o mundo multipolar que se desenha oferece ao país a oportunidade de se reconectar com essa visão de futuro. Planejar é resistir. Planejar é libertar-se do improviso. Planejar é governar o destino.
¹ Fonte principal: Xinhua News Agency, “CPC plenum concludes, adopting recommendations for China’s 15th Five-Year Plan”, Beijing, 23 Oct 2025; CGTN, “China’s 15th Five-Year Plan: Key goals and strategic direction”, 23 Oct 2025.
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Os artigos representam a opinião dos autores e não necessariamente do Conselho Editorial do Terapia Política.
Ilustração: Mihai Cauli
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