A recente presença do Brasil na 7a reunião de cúpula da Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos (Celac), realizada na Argentina após quase três anos de ausências promovidas pelo governo Bolsonaro (2019-2022), colocou em evidência o fortalecimento das nações da região com a retomada das negociações sobre acordos comerciais com outros países. O fato é relevante tendo em vista que desde a década passada, a América Latina se tornou um dos epicentros globais da mineração, responsável por absorver quase 1/3 do total de investimentos em exploração por corporações transnacionais.
Em grande medida, a centralidade estratégica sul-americana na geopolítica dos recursos naturais decorre da ascensão das commodities para as atividades econômicas globais, em parte exposta na disputa crescente entre os Estados Unidos e a China. É em função disso que os países da região passam por uma nova rodada de reconfiguração periférica, assentada na disponibilidade dos recursos energéticos, minerais não combustíveis, água, biodiversidade, alimentos, entre outros.
Do ponto de vista geográfico, a América Latina concentra, por exemplo, os recursos minerais –especialmente no Brasil, na fronteira norte da região Amazônica, bem como na região central, onde se situam os estados de Goiás e Minas Gerais. Também tem importância decisiva a área pertencente à Cordilheira dos Andes, especialmente o Chile, a Bolívia e o Peru.
No caso dos recursos não renováveis como o petróleo, a América do Sul concentra 1/5 das reservas mundiais, enquanto a China possui apenas 1,1% e os EUA, 2,6%. Quanto ao gás, as reservas da região podem chegar a quase 53 anos, ao passo que na China contemplariam 28 anos e nos EUA, menos de 14 anos.
No que se refere aos recursos minerais não combustíveis, a importância da região é decisiva para o mundo, uma vez que a América Latina responde por cerca de 18% das reservas mundiais de boro, antimônio, tântalo, terras raras e bauxita/alumina, 27% de selênio, estanho, molibdênio, iodo e minério de ferro e 35% de nióbio, lítio, rênio, cobre, e prata. Se o recurso natural for a água, ressalta-se que o continente sul-americano possui quase 30% de massa líquida potável e renovável do mundo.
Em se tratando de biodiversidade e segurança alimentar, o potencial agrário sul-americano parece inquestionável. A existência de grandes extensões de terras cultiváveis permitiria a produção de alimentos de qualidade de modo contínuo e em quantidade suficiente, sem comprometer a sustentabilidade ambiental.
Da mesma forma, é notável a biodiversidade das florestas tropicais úmidas que, por exemplo, possuem enormes variedades de espécies, aves e mamíferos. A integração inteligente do conhecimento das comunidades originárias com a biotecnologia poderia abrir um novo horizonte próspero ao setor produtivo e às ocupações decentes para a força de trabalho da região.
Sem visão estratégica das lideranças dos distintos países sul-americanos, assiste-se ao aprofundamento do seu subdesenvolvimento, com crescente deslocamento de suas riquezas naturais para o estrangeiro. Além disso, vê-se a consolidação do rastro da destruição do meio ambiente, combinado com o agravamento dos conflitos sociais no território, especialmente dos povos originários.
A pressão das potências globais sobre a região tem sido constante e crescente. Algo visível desde a chegada do conquistador europeu que fundou colônias e extraiu riqueza sem nada deixar. Potosi, que pertence atualmente ao território da Bolívia, foi durante os séculos 16 e 17 o centro da extração de mineral que serviu para a constituição da modernidade na Europa, assim como a exploração do ouro nas minas gerais brasileiras serviu ao longo do século 18 de acumulação primitiva à ascensão do sistema capitalista (H. Aráoz, Mineração, genealogia do desastre; E. Galeano, As veias abertas da América Latina).
Diferentemente do passado, o Brasil pode contribuir para o reposicionamento dos países sul-americanos, especialmente na liderança e administração dos recursos naturais. Ao garantir a prevalência dos interesses regionais frente à polarização global, abre-se a possibilidade do afastamento da atual dependência tecnológica com a retomada do desenvolvimento sustentado na produção de bens industriais e digitais com maior valor agregado, conteúdo tecnológico e empregos decentes.
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Ilustração: Mihai Cauli
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