Em 2 de novembro de 2025, a Folha de São Paulo publicou o primeiro texto da coluna semanal de Roberto Campos Neto naquele jornal. O artigo foi intitulado “Sete armadilhas do imposto sobre a riqueza”, comentado a seguir.

Ele diz que mostra no seu artigo, “de forma panorâmica, os elementos de uma equação econômica e social insustentável. Entre os desafios, destaca-se a questão fiscal: praticamente todos os países exibem hoje déficits em suas contas públicas.”

Segundo ele, os ajustes propostos são implementados com base no aumento da receita tributária em detrimento da contenção de despesas, sendo que tais tributos recaem sobre o estoque de riqueza e o estoque de capital. Campos Neto, respaldando sua análise em pretensas evidências empíricas, assevera que “impostos sobre a riqueza são ineficazes, distorsivos (sic) e provocam danos de longo prazo.

A primeira armadilha seria o desencorajamento à criação de riqueza: “a redução do retorno líquido a curto prazo inibe a acumulação a longo prazo”. Como argumento, Campos Neto cita o exemplo da Dinamarca que manteve o imposto sobre a riqueza por décadas e terminou reduzindo-o até sua extinção, entre 1989 e 1997, o que teria aumentado a acumulação dos mais ricos até 30%, incrementando os investimentos.

Cabe aqui fazer uma comparação entre Brasil e Dinamarca.

Ora, os dados acima mostram que comparar o Brasil com a Dinamarca é um exercício bastante sem sentido. Isso porque a população da Dinamarca é bem menor do que a população da cidade de São Paulo. O Brasil é um dos países mais desiguais do mundo. Já a Dinamarca, um daqueles com melhor igualdade de renda do planeta. Evidentemente, com muito menos pobres, com uma renda per capita infinitamente maior, com um sistema político-eleitoral bem consolidado, a Dinamarca pode se dar ao luxo de reduzir impostos. Já o Brasil, tem um longo caminho a percorrer na direção de uma melhor distribuição de renda que só será alcançada com crescimento do PIB e tributação progressiva.

Dizer que a tributação inibe a acumulação dos ricos é uma verdade inquestionável; contudo, dizer que tal inibição prejudica os mais pobres pela redução de investimentos é um belíssimo sofisma. Não há nada que garanta que os ricos invistam a mais-valia acumulada em razão da ausência de tributação. No Brasil, com a elevada taxa de juros existente, os mais ricos são sócios do governo na rolagem da dívida pública que, de investimento, não tem nada. E isso, para não falar da destinação muitas vezes sub-reptícia de ativos para o exterior. Com todo respeito, Campos Neto, sua primeira armadilha para bem da verdade, tem que ser rejeitada com todo rigor.

A segunda armadilha reside no argumento de que uma maior tributação afeta o crescimento de longo prazo, já que reduz a formação de capital e inovação e, em consequência, prejudica a criação de empregos, atingindo as classes mais baixas que dependem do crescimento para ascender socialmente. Corroborando tal conceito, cita uma referência a um estudo que estima o impacto deletério sobre o PIB e a inovação nos EUA que seria causado por um aumento da alíquota máxima do IR de 50% para 70%.

O banqueiro parece ter esquecido que a alíquota máxima de Imposto de Renda no Brasil é de 27,5%. E mesmo nos países da OCDE giram em torno de 40 a 50%. Esse tipo de argumento nada mais é do que “forçar a barra”. Além disso, nessa segunda armadilha, o Senhor Campos Neto quer fazer crer que a nossa “burguesia nacional” é a única investidora e promotora de inovação no Brasil. Não é isso que nos dizem os IDEs (Investimentos Diretos Estrangeiros) que, continuamente, equilibram o déficit de nossa conta corrente, cujos investimentos anuais foram de US$ 71,04 bilhões (3,24% do PIB), em 2024.

E por que razão esse Senhor não fala do investimento público no Brasil que foi em 2024 de 3,04% do PIB, um recorde desde 2014? E por que não menciona também a evolução da taxa de formação bruta de capital fixo que foi, respectivamente, de 16,4% e 17% do PIB, em 2023 e 2024? E de onde provêm os investimentos públicos senão de impostos? O Brasil carece muito de inovação e requer políticas públicas adequadas para retomar nosso processo inconcluso de substituição de importações em certas áreas prioritárias. Nossa insuficiente poupança tem de ser complementada por investimento estrangeiro que aceite, com transparência, proporcionar efetiva transferência de tecnologia. Nossas autoridades têm de resguardar os investimentos estratégicos que garantam nossa soberania no futuro. Permita-nos rejeitar aqui, também, a vossa segunda armadilha sofística, Senhor Campos Neto.

A terceira armadilha fala da ineficiência na alocação de recursos. Os impostos seriam responsáveis pelas isenções tributárias e/ou subsídios, e não oportunidades reais de mercado. Isso nos faz lembrar a microeconomia neoclássica e a teoria geral do equilíbrio baseada no conceito capenga de racionalidade econômica e de alocação otimizada dos fatores de produção. Que conceitos maravilhosos… Pena que não são críveis e nem podem ser aplicados com seriedade. O Brasil orçou em 2025 a cifra de R$ 587 bilhões em gastos tributários (leia-se subsídios). O governo tem feito um esforço hercúleo para reduzir tais gastos em 10%, e não consegue aprovar tal medida no Congresso. A farra das emendas parlamentares que tiveram crescimento exponencial no Governo Bolsonaro já alcançou, em 2025, a cifra astronômica de R$ 50,3 bilhões. Para 2026, são previstos recursos da ordem de R$ 55 bilhões para tais emendas. Elas, dificilmente serão reduzidas a menos que o orçamento tenha que sofrer contingenciamento. Rever tais gastos e investimentos não depende de nenhum aumento da carga tributária, mas, infelizmente, não parece ser uma tarefa atingível. Lobbies, politicagem, desmandos. Como introduzir nisso a racionalidade econômica e a alocação eficiente e otimizada de recursos aventados por V.Sa.?

Além disso, não há nenhuma relação causal entre a cobrança de impostos progressivos na sociedade brasileira e a concessão de isenções tributárias e subsídios. A concessão desses benefícios ocorre quando os investimentos são necessários para a sociedade e intrinsicamente, não produzem uma taxa de retorno que remunere o capital da forma requerida pelos investidores. Aí, ocorrem as parcerias público-privadas ou outras formas de intervenção do Estado, de caso pensado, com planejamento, sem desperdício. Novamente, aqui, permita-nos rejeitar vossa terceira armadilha que, diga-se de passagem, foi muito mal formulada.

A quarta armadilha seria o incentivo à evasão e à elisão fiscal que, segundo o Senhor Campos Neto, “são comportamentos racionais, ainda que indesejáveis”. Isso para não falar da fuga ilegal de capitais para paraísos fiscais, mudanças de residências e realocações de ativos, tudo isso ocasionando “menor arrecadação e perda de capital produtivo e talentos.” E para fortalecer essa quarta armadilha, o seu ideólogo cita uma pesquisa da Henley & Partners de que o Brasil deverá perder em 2025 cerca de 1200 milionários, 600 a mais do que teria perdido em 2024, retirando do país US$ 8,4 bilhões em ativos. Esses, segundo Campos Neto, seriam aqueles investidores que tomam risco e que são os verdadeiros motores da economia.

Campos Neto coloca no mesmo capítulo os evasores fiscais, os especuladores cambiais e os investidores que, segundo ele, “tomam risco e que são motores da economia.” Ora, não nos consta uma perda de 600 investidores em 2024. O que houve em 2024 foi uma saída de capitais golondrina da ordem de US$ 25 bilhões que estavam investidos em títulos públicos e na Bolsa de Valores, em operações de carry trade, 100% especulativas. Assim como saem, quando lhes convêm, também voltam. Dentre eles, figuram estrangeiros e maus brasileiros que entram e saem não só do Brasil como de outros países. É assim o comportamento do capital golondrina atrás de operações de carry trade, de operações em ouro e de outros ativos especulativos que nada têm a ver com investimento produtivo.

Investidores sérios não fogem com seus ativos ao primeiro susto, mormente tendo em conta que nem susto houve, pois o aumento de tributação ocorrido no Brasil sobre os ricos no biênio 2024/25 foi pífio. Eles estão indo para onde, Campos Neto? Para países da OCDE? Para os EUA? É bom lembrá-los que lá a tributação é bem mais elevada do que aqui e os retornos sobre investimentos são bem menores. Não fosse isso verdade, não haveria o grande afluxo de investimentos para o Brasil. Reprovada sua quarta armadilha.

A quinta armadilha reside nos desafios administrativos para a cobrança dos tributos sobre os ricos. Segundo ele, é caro e difícil de fiscalizar. Alimenta corrupção e privilégio. Predominam os lobbies atrás de isenções e benefícios.

Não consta que a Receita Federal não tenha capacidade administrativa para cobrar os impostos das pessoas físicas e jurídicas do Brasil. O Estado deve ter capacidade para enfrentar os lobbies e acolher aqueles que façam sentido para o país. Quanto a corrupção, o MP, o Poder Judiciário e as polícias têm o dever de combatê-la. Nada disso é motivo para não se cobrar impostos adequados para a sociedade brasileira, mesmo porque não se pretende aumentar a carga tributária, mas sim, torná-la mais progressiva e justa. Pelo exposto, aqui também V.Sa. tem seu argumento devidamente rejeitado.

A sexta armadilha teria a ver com a estagnação da mobilidade social causada pela redistribuição de riqueza sem ganhos de eficiência, o que desestimula o trabalho e incentiva a dependência, já que os trabalhadores perdem o incentivo à qualificação. Isso porque os impostos sobre as fortunas tornam o crescimento mais lento e, em consequência, reduz oportunidades e perpetua a pobreza.

Esse é um raciocínio absurdo, que não poupa sofismas para proteger os ricos de uma baixa tributação. Evidentemente, quanto maior a carga tributária, maior a probabilidade de tais tautologias serem acolhidas por defensores dos investidores, que já estariam sendo tributados no limite. Contudo, esse não é o caso do Brasil. A tabela abaixo fala por si mesma.

  • Exemplos de algumas alíquotas sobre dividendos:
    • Irlanda: 51%
    • Dinamarca: 42%
    • Estados Unidos: Aproximadamente 38,91% (combinado federal e estadual)
    • França: 34% (em 2025)
    • Alemanha: 30,18%

Principais Países e suas Alíquotas sobre heranças

Retenções sobre Remessas ao Exterior para não-residentes

A sétima armadilha é moral e política. Impostos sobre riqueza criam inveja e divisão na sociedade, além do antagonismo de classes, corroendo a ética do trabalho e minando a confiança institucional. O resultado é a polarização. O governo rouba a liberdade e inibe a tomada de risco. Campos Neto, na esteira do que dizem Sowell e Harberger, defende que “as evidências mostram que buscar o ajuste fiscal por meio desse tipo de imposto não é o caminho. O esforço deve se concentrar em reduzir gastos e tornar o Estado mais eficiente… o fim da linha da mediocridade econômica acontece quando subsidiamos o fracasso, regulamos em demasia o bom desempenho e taxamos o sucesso.

Aqui, Campos Neto se confunde. O governo não quer aumentar impostos para conseguir o equilíbrio fiscal. Como já vimos, ele pode fazer isso com facilidade se conseguir, junto ao Legislativo, reduzir os gastos tributários, as emendas parlamentares, e implementar, ainda que parcialmente, uma reforma administrativa. Nada disso requer aumento de tributos. O Brasil, figurando entre as 10 maiores economias do mundo, precisa, com urgência, promover uma efetiva distribuição de renda e, para tanto, é imperativo praticar uma maior progressividade no nosso regime tributário. A não tributação de dividendos é uma aberração. É através deles que os mais ricos auferem suas rendas. Os que recebem mais de R$ 5 milhões por mês terminam pagando uma alíquota real média aplicável à pessoa física de somente 5,67%. Um absurdo!

Os tributos sobre heranças precisam ser ajustados, à luz do que é praticado no resto e do mundo. E a isenção de IR para quem ganha até R$ 5 mil equivale à correção da tabela do IR que não foi feita durante os governos Temer e Bolsonaro. Portanto, é um equívoco afirmar que os ajustes tributários preconizados pelo governo brasileiro criam inveja, polarização e outros problemas éticos e morais. Isso deve valer para as economias europeias, vassalas dos EUA, vivendo notórias crises de realização, onde os problemas sociais de classe são bem distintos do que ocorre no Brasil. Último argumento falacioso: rejeitado pelo bom senso.

“As sete armadilhas do imposto sobre a riqueza” lembram de um passado distante com influências do Reagan e da Dama de Ferro (Dona Tina, There Is No Alternative). Tratava-se da crença de que diminuindo a tributação sobre os ricos ocorreria o gotejamento (trickle down) do dinheiro para as classes mais baixas, num circuito virtuoso. Que balela. Os exemplos usados no texto se aplicam aos EUA e países da OCDE, nunca ao Brasil. No fundo, a intenção do ora banqueiro do Nubank, Campos Neto, é a de boicotar a proposta do governo federal de taxar com uma alíquota efetiva de até míseros 10% sobre uma turminha de 170 mil brasileiros com renda mensal a partir de R$ 50 mil. E coincidentemente, pasmem, o STF analisará em breve o IGF – Imposto sobre as Grandes Fortunas. O PL propõe alíquotas de 1 a 5% para ativos acima de R$ 2 milhões. Que drama para os ricos!

Fica aqui os votos de melhores textos e opiniões em suas próximas colunas porque o artigo ora em comento deixou muito a desejar por sua péssima qualidade.

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Os artigos representam a opinião dos autores e não necessariamente do Conselho Editorial do Terapia Política. 

Ilustração: Mihai Cauli
Leia também “Diálogo com um banqueiro central”, de Antonio Prado.