Quando o assunto é corrupção, provavelmente se imagina um esperto embolsando grana pública. Senso comum resume corrupção àquela do Código Penal, que prevê xilindró para quem corrompe o serviço público. Só o serviço público.

Corromper é deteriorar, decompor, desordenar. Estragar alguma coisa que, até então, funcionava. O casamento é corrompido pelo adultério, a amizade pela desconfiança e o cachorro-quente pelo acréscimo criminoso de um ovo de codorna.

Sociedade é ordem inventada e mantida com esforço. A sua falta, ou o drible nos esforços alheios, acaba por corrompê-la e corrompida, perece e faz perecer. Vale para tudo. Da estátua descuidada e carcomida que ninguém sabe de quem é, ao próprio Estado.

A cola que une em sociedade pessoas tão diferentes quanto veganos e amantes de chuleta é a confiança. Obediência à lei é confiança. Em quem as fez, nos ritos de sua confecção, no castigo de quem a descumpre. Sem ela, não se para em um sinal vermelho.

Estado não combina com a mentira. Eu sei que há o segredo de Estado. Informações cabulosas que se o inimigo souber as usa contra nós. Vale contra o inimigo. Mas enganar o próprio povo é tomar por inimigo aquele que deveria honrar e proteger. A mentira do Estado cega e escraviza o próprio povo. Quando mal contada, ainda ofende a inteligência.

A pandemia é medo da morte para alguns. De desemprego para outros. Tédio para crianças inconformadas pela falta de parquinho e estresse para seus pais, também saudosos de seus parquinhos. Mas para todos é esforço. Para não morrer ou correr o risco de ajudar a matar, para produzir, para salvar. Deveria ser esforço por governar também.

Na falta de governo, ou inépcia diante de um momento difícil, mente-se. Nega-se a realidade. Com covas contestando a mentira, desdenha, mentindo sobre a gravidade. Diante do esforço, mente-se sobre curas milagrosas. Com números assombrosos sobre doentes e mortos, mente-se sobre os números. Tudo para dizer que tudo está bem.

Estaria bem se houvesse liderança. Um líder não mente para seus liderados. Não engana nem foge dos problemas. Quando o covarde e inseguro quer se passar por líder, mente. Sobre o real, sobre os dramas, sobre si mesmo.

Mente para camuflar o interesse próprio em vontade coletiva, em ciência e em verdade, corrompendo a vontade coletiva, a ciência e a verdade. É atitude tão corrupta quanto a “rachadinha”, a fraude milionária de licitação ou o superfaturamento de equipamentos médicos.

O presidente cita frequentemente o evangelho de João: “conheceis a verdade, e a verdade vos libertará”. Jamais o vi citar o de Paulo. Ensina que sem amor, não há verdade. Quem ama, “não maltrata, não procura seus interesses, não se ira facilmente, não guarda rancor. O amor não se alegra com a injustiça, mas se alegra com a verdade”. Quem ama não mente. Quem ama respeita. Quem ama não mata. Só o amor conhece o que é verdade.