Recentemente, duas situações envolvendo o superior interesse da criança colocou no centro do debate jurídico, nacional e internacional esta primazia diante das decisões do Estado, quando envolverem direitos humanos infantojuvenis.
A primeira diz respeito a uma menina de 13 anos que apresentou uma demanda judicial contra o presidente dos EUA, Donald Trump, em razão da mesma ter sido deportada para o país de origem dela, neste caso, El Salvador, na América Central, ao tentar entrar em território norte-americano.
A ação teve como fundamento o perigo que a adolescente sofreu e está passando com o regresso ao Estado salvadorenho, em razão do risco de morte, numa flagrante violação ao devido processo legal. Pois, a jovem buscava a mãe que estava nos EUA e, pela lei local, na hipótese de não localização imediata da responsável, deveria a juvenil ficar aguardando num abrigo e não ser deportada.
A medida foi adotada por um conjunto de organizações de direitos civis com atuação no território norte-americano, questionando a invocação pelo presidente Donald Trump da lei de saúde pública frente à pandemia gerada pela Covid-19, para fundamentar a medida segregadora migratória.
Referida decisão das autoridades estadunidenses, além de não obedecer a lei migratória local, deixou de lado o Princípio da Proteção Integral da Criança e do Adolescente como fundamento da decisão.
Por outro giro, em solo brasileiro, o Superior Tribunal de Justiça (STJ), na Primeira Seção, através do HC 452.975-DF, de relatoria do ministro. Og Fernandes, de forma unânime, decidiu que a expulsão de um estrangeiro, por mais que seja um ato discricionário do Estado brasileiro, está submetido ao conjunto de normas que recaem sob o caso concreto.
Na hipótese apreciada pelo Tribunal da Cidadania, verificou-se que o paciente do habeas corpus acabou por recepcionar, no seu caso, uma hipótese de inexpulsabilidade diante do “Princípio da Proteção Integral da Criança e do Adolescente”. Pois, possui, como demonstrou-se no processo, um filho com o qual estabelecia uma relação de dependência econômica e afetiva.
Conforme preconiza a regra do artigo. 55, II, a e b, da Lei n. 13.445/2017, não se realizará a expulsão quando o estrangeiro tiver filho brasileiro que esteja sob sua guarda ou dependência econômica ou socioafetiva, assim como quando tiver cônjuge ou companheiro residente no Brasil.
Ocorre que no caso em questão, o filho do estrangeiro foi gerado posteriormente à portaria ministerial que decretou a expulsão!
Com a demonstração da dependência financeira, social e afetiva, fez-se imperar o Princípio da Proteção Integral da criança e do adolescente combinado com o superior interesse que se encontra ancorado pelo artigo 3º da Convenção dos Direitos da Criança da ONU (Organização das Nações Unidas), que sacramenta: “Artigo 3. 1. Todas as ações relativas às crianças, levadas a efeito por instituições públicas ou privadas de bem-estar social, tribunais, autoridades administrativas ou órgãos legislativos devem considerar, primordialmente, o interesse maior da criança”.
Na mesma linha, o Supremo Tribunal Federal ao analisar a repercussão geral no Recurso Extraordinário 608898, da Relatoria do Ministro Marco Aurélio, por unanimidade do plenário, afastou a regra do parágrafo 1º do artigo 75 da Lei 6.815/80 por não ter sido recepcionada pela Constituição Federal de 1988, deixando assim prevalecer a proibição da expulsão de estrangeiro cujo filho brasileiro, reconhecido ou adotado posteriormente ao ato administrativo expulsório, se verifique in casu, a dependência econômica ou afetiva da criança sob a guarda do estrangeiro.
Neste mesmo horizonte legal, o Estatuto da Criança e do Adolescente, Lei 8.069/90, que nasceu da costela do artigo 227 da Constituição Federal de 1988, estabeleceu no artigo 4º que: “É dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do poder público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária. Parágrafo único. A garantia de prioridade compreende: a) primazia de receber proteção e socorro em quaisquer circunstâncias;”
Se por um lado a Justiça norte-americana ainda apreciará a demanda formulada pela adolescente baseada na Proteção Integral, mesmo não sendo os EUA signatário da Convenção dos Direitos da Criança da ONU, em terras brasileiras, o Informativo Número 667 do Superior Tribunal de Justiça (STJ) traz a notícia à sociedade brasileira como um sopro de revigorante do Estatuto da Criança e do Adolescente, Lei 8.069/90, que está completando 30 anos, que das primazias diante do Estado, valerá a proteção integral da criança e do adolescente indissociável da condição de prioridade absoluta.
Em tempos de aparentes cooperações com os irmãos americanos do Norte, muitas com contornos de subserviência, fica a lição jurídica do caso em concreto processado pelo Superior Tribunal de Justiça que, quando se tratar de crianças e adolescentes no contexto migratório, “mais vale a proteção do que a expulsão”.
Artigo originalmente publicado em https://drcarlosnicodemos.jusbrasil.com. br/ artigos/ 873528600/