Os descaminhos da esquerda no mundo

O papel da internet e das think tanks na construção da Matrix

  • O uso das redes sociais para a desinformação

Um dos temas mais debatidos em organizações e grupos de esquerda no Brasil às vésperas das eleições de 2018, 2020 e de 2022 foi a hegemonia da direita em geral (e dos apoiadores de Bolsonaro em particular) nas redes sociais. De forma geral, o diagnóstico era de que a esquerda havia envelhecido e se mostrava incapaz de superar os padrões esotéricos e intelectualistas de argumentação e adotar o padrão discursivo específico das redes: a “lacração”. Ao lado desta tese (mas secundariamente), emergia a hipótese de que a maior repercussão das postagens conservadoras adviria do poder econômico da direita. Financiados por empresários nacionais e estrangeiros e por think tanks conservadoras, os partidos e candidatos da direita alcançariam “turbinar” suas postagens, seja pela promoção financeira junto às redes sociais, seja pela contratação de pessoas e/ou robôs com perfis falsos voltados à replicação exaustiva das mesmas.

A despeito de, à época, já ser conhecida a participação da Cambridge Analytica (CA) e do Facebook na eleição de Trump e no resultado do plebiscito do Brexit em 2016, a avaliação que se fazia então era de que estes eram casos isolados e que não se repetiriam: o encerramento das atividades da CA e o compromisso de Mark Zuckerberg em ampliar o controle dos dados privados de sua plataforma teriam posto um ponto final nestas práticas nocivas à democracia. Ledo engano.

Em 2019, Giuliano da Empoli publica um pequeno livro onde demonstra que o caso “Cambridge Analytica” é apenas um exemplo peculiar de um novo modo de fazer política que vem se universalizando à velocidade da revolução digital. O ensaio – denominado Os Engenheiros do Caos – é leitura obrigatória para todos os que querem compreender os tempos que vivemos.

O ponto de partida de Empoli não chega a ser propriamente original, mas seus argumentos e derivações, são. Já em 2015, Umberto Eco havia declarado que a internet dera voz a uma legião de imbecis. Empoli vai além, pretendendo que o padrão comunicacional das redes sociais é “imbecilizante”. E isto na medida em que elas não são um espaço de debate genuíno. O alcance de cada postagem é inversamente relacionado à complexidade dos argumentos e ao tamanho do texto. Mais do que debater, os usuários querem audiência e “likes”. As redes são o espaço do narcisismo, da “lacração” e da “trollagem”. Além disso, os algoritmos definidores do alcance de cada postagem privilegiam aqueles leitores que tendem a concordar com as posições estéticas, éticas e políticas do usuário, o que acaba por alimentar a formação das famosas “bolhas”, onde só não reina o consenso porque a disputa se dá pela originalidade e radicalidade dos posts. Em suma: mais do que meios de comunicação e debate, as redes sociais são canais de exposição pública dos usuários.

Para Empoli, os “engenheiros do caos” são aquelas lideranças políticas que perceberam, antes dos demais, todo o potencial de mobilização social e inculcação ideológica associados aos tempos pós-modernos, à “era da exposição”. E o escândalo da CA não pôs fim a este processo. Apenas o modificou. Pois o rastreamento dos microdados dos usuários das redes sociais prescinde de qualquer colaboração dos gestores e provedores das mesmas: já existem – e estão em operação – sistemas e softwares capazes de identificar as preferências políticas e os temas que mobilizam o interesse – e o voto! – de cada usuário-eleitor individualmente. Vale dizer: os softwares de rastreamento até podem ir além dos limites da legalidade, hackeando e roubando informações que deveriam ser mantidas em sigilo. Mas este não é, necessariamente, o caso. Na maioria das vezes, basta explorar o narcisismo dos usuários e rastrear as páginas abertas ao público. A única restrição ao uso destes poderosos instrumentos de “mapeamento do perfil de consumidores e eleitores” é de ordem financeira, uma vez que pressupõe a mobilização de recursos humanos altamente qualificados e equipamentos custosos, seja na fase de rastreamento, seja na fase de conversão dos dados coletados em mensagens dirigidas aos indivíduos e grupos que se tornam foco da atenção dos agentes políticos.

Ora, apenas grandes conglomerados econômicos e think tanks conservadoras (financiadas por magnatas e conglomerados econômicos) dispõem dos recursos financeiros necessários à mobilização e utilização desta nova e poderosa máquina de influência social e política. Este foi o insight que emergiu quase que simultaneamente no cérebro de figuras como Steve Bannon (que trabalhou nas campanhas de Trump, nos EUA, de Duterte, nas Filipinas e de Bolsonaro, no Brasil), Dominic Cummings (articulador da campanha do Brexit), Arthur Finkelstein (mentor de Viktor Orban e Benjamin Netanyahu) e Gianroberto Casaleggio (coordenador do sistema de comunicação do Movimento Cinco Estrelas).

As mensagens específicas e diferenciadas enviadas para cada indivíduo não precisam necessariamente ser consistentes com qualquer programa claro e pré-definido. Este é, talvez, o ponto mais importante – e, certamente, o menos evidente – que Empoli traz à luz. Para compreendê-lo adequadamente, vale resgatar a apresentação que o autor faz da campanha do Brexit, coordenada por Cummings. Em suas palavras:

“no caso da campanha em favor do Brexit, as coisas se passaram da seguinte maneira. Num primeiro momento, os físicos estatísticos cruzaram os dados das pesquisas no Google com os das redes sociais e com bancos de dados mais tradicionais, para identificar os potenciais apoios ao “Leave” [o voto pela saída] e sua distribuição pelo território. Depois, explorando o “Lookalike Audience Builder” … eles identificaram os “persuasíveis”. …. “O Facebook lhes permitiu testar simultaneamente dezenas de milhares de mensagens diferentes, selecionando em tempo real aquelas que obtinham um retorno positivo e bem-sucedido e conseguindo, por um processo de otimização contínua, elaborar versões mais eficazes para mobilizar partidários e convencer os céticos.

[Posteriormente], cada categoria de eleitores recebeu uma mensagem sob medida: para os animalistas, uma mensagem sobre as regulamentações europeias que ameaçam os direitos dos animais; para os caçadores, uma mensagem sobre as regulamentações europeias que, ao contrário, protegem os animais; para os libertaristas, uma mensagem sobre o peso da burocracia de Bruxelas; e para os estatistas, uma mensagem sobre os recursos desviados do estado de bem-estar para a União.” (Da Empoli, 2019, pp. 88-9).

A mensagem do autor é simples: não, a culpa não é da esquerda.  Não precisamos “lacrar”, “trollar” e abrir mão de argumentos lógico-teóricos e empíricos consistentes. Nem precisamos passar o dia sentados à frente do notebook ou do smartphone contestando cada mensagem produzida por programas de software maliciosos reenviada por robôs ou humanos contratados. O sucesso e a hegemonia crescente do pensamento conservador na era da “política quântica” estão baseados em dois pilares que caracterizam a direita, em contraposição à esquerda: excesso de capital e carência de princípios.

Na verdade, a conquista de posições pelo conservadorismo na luta pela hegemonia política e cultural assenta-se na exploração oportunista da fragmentação social. Nem só de fake news vive a desinformação da política quântica. Tão ou mais importante é o direcionamento de mensagens específicas e contraditórias para públicos distintos. Para aqueles que tomam a corrupção como o maior dos males, Bolsonaro é apresentado como o mais honrado dos políticos. Para os liberais radicais anti-Estado, ele é o sujeito que sonega impostos e não tem vergonha de reconhecer o fato. Para a sua base no Exército, ele é o nacionalista radical. Para os americanófilos, ele é o sujeito que bate continência para a bandeira dos EUA e declara sua paixão por Trump em evento na ONU. Para o defensor das tradições familiares, ele é o patriarca exemplar. Para o machista misógino ele é o mulherengo dos diversos casamentos que aproveita quando “pinta um clima com adolescentes”. E esta é apenas a face visível, transparente, da fluidez e contraditoriedade da mensagem política do novo populismo de direita.

A multiplicidade de faces e máscaras é posta sob controle nas mensagens direcionadas para indivíduos e grupos específicos. Mas, tomadas em seu conjunto, a contraditoriedade persiste. E não deixa de ser (pelo menos) intuída pelos eleitores. Só que isto é de somenos importância. Para o novo populismo conservador, só importa um objetivo: tomar o poder a qualquer custo e sufocar a “opressão da esquerda” que vem impondo suas bandeiras há décadas: Estado laico, impessoal e burocrático (no sentido de Weber); respeito às leis e às normas de conduta social; garantia de condições de vida dignas para todos; assistência social especial com vistas à inclusão dos mais pobres; ensino universal de qualidade; respeito às diferenças étnicas e a todas as identidades culturais, religiosas e sexuais; defesa da política enquanto prática da negociação e do acordo; defesa da ciência, da tecnologia e das artes; defesa da mais ampla liberdade de expressão; universalização das garantias jurídicas; defesa da sustentabilidade ambiental, etc., etc., etc.

  • Para além das redes sociais: think tanks e eurocentrismo

Na esteira de Empoli, defendemos acima a perspectiva de que o crescimento político-eleitoral do populismo de direita nos anos recentes está associado aos novos padrões de comunicação e de prática política viabilizados pela internet e apenas secundariamente por deficiências discursivas e de práticas políticas da esquerda. Porém, não se pode extrair daí que inexistam equívocos no campo progressista. Do nosso ponto de vista, eles não só existem como são corresponsáveis pelo panorama atual. Apenas não se encontram onde os “autocríticos de plantão” usualmente os identificam.

Vimos que a utilização das redes sociais enquanto instrumento político e de inculcação ideológica é indissociável de sua manipulação por agentes a serviço de partidos conservadores que são financiados por magnatas e conglomerados econômicos. Mas o elo de mediação entre figuras como Bannon e o grande capital são as think tanks. Elas é que devem ser objeto de análise mais detalhada.

Desde pelo menos os anos 30 do século passado, com a emergência da Revolução Keynesiana, do New Deal e, posteriormente, do Bloco Soviético e do Estado de Bem-Estar Social, que os maiores teóricos do liberalismo – como Schumpeter e Hayek – se deram conta da necessidade de (re)conquistar corações e mentes. Era preciso enfrentar a maré montante do estatismo e do intervencionismo através da defesa sistemática e ampla divulgação do ideário liberal através de organizações especificamente voltadas ao embate ideológico. Com o início da Guerra Fria, o Estado Norte-Americano passa a promover estas instituições. O caso da RAND Corporation – financiada pelo Pentágono e que, desde seus primórdios, contou com pesquisadores da estatura de Von Neumann e John Nash – é apenas o mais famoso. Mas está longe de ser o único. A Universidade da Pensilvânia avalia que existam hoje em torno de 8 mil think tanks, a grande maioria de perfil conservador. Além de contar com aporte financeiro de grandes empresários, elas têm o apoio do setor público e mantém relações de intercâmbio com as mais diversas Universidades, Editoras e Associações Profissionais.

A despeito da grande mobilização e dos elevados dispêndios com a sustentação das think tanks, até os anos 70 do século passado, a disputa pela hegemonia utópico-ideológica entre esquerda (no sentido mais amplo do termo, envolvendo social-democratas, socialistas e comunistas) e direita (também tomados aqui em sentido amplo, envolvendo todo o espectro entre o liberalismo e o nazi-fascismo) apontava para uma “vitória por pontos” do campo de esquerda. A onda neoliberal aberta por Thatcher e Reagan marca o início da inflexão. Que vai se completar com o fim da União Soviética.

A leitura conservadora deste processo é muito simples: o planejamento socialista conduziu à estagnação econômica, enquanto o planejamento keynesiano alimentou a hiperinflação. A economia (o material) venceu o sonho (a utopia). Nos anos 90, Fukuyama declarou que o sonho de Hegel havia se realizado e não havia mais espaço para a História: o Estado democrático burguês representava o ápice da razão no mundo.

O mais surpreendente, contudo, não foi a recepção desta leitura por políticos e ideólogos da direita, mas a adesão da esquerda à mesma. Por trás das críticas – essencialmente retóricas (e reveladoras da incompreensão da categoria “História” em Hegel e em Fukuyama) – a verdade é que, após a crise do socialismo real, deu-se um estreitamento do campo “da esquerda”. De forma crescente, esta passou se identificar quase que exclusivamente: 1) com a defesa das conquistas obtidas nos anos de hegemonia social-democrata nos países ocidentais desenvolvidos; e 2) com a crítica dos projetos conservadores e/ou reacionários representados pelo neoliberalismo e o populismo de direita. Ora, no limite, este é o programa de Fukuyama: não há mais espaço para o projeto de revolução: as democracias burguesas modernas são o fim da história. Se este “encerramento da história” é saudado (como em Fukuyama) ou lamentado (como no pensamento crítico de extração pós-moderna) é uma questão de somenos importância.

Ainda mais surpreendente é o fato de que, se tomarmos a dinâmica econômica dos últimos quarenta anos, fica evidente a fragilidade da tese de Fukuyama: a história parece ter sofrido uma verdadeira aceleração. Da crise do antigo “socialismo real” emergiriam sociedades nacionais – como China, Rússia e Índia – cujo padrão de organização econômica é de difícil classificação (Capitalistas? Socialistas? Economia Mista? …) e que vêm apresentando taxas de crescimento exorbitantes. Segundo o FMI, em termos de Paridade de Poder de Compra, a China é, hoje, a maior economia do mundo, correspondendo a 19,5% do PIB mundial, enquanto os EUA correspondem a aproximadamente 16,8%. Pior: a retrógrada Índia (cuja estratificação social ainda se baseia em castas) já é a terceira economia do mundo: seu PIB é 1,7 vezes maior que o PIB do Japão. E, após um longo período de crise (aberta na era Ieltsin, que patrocinou o processo de privatização e internacionalização do capital mais obscuro da história da humanidade), a Rússia ocupa o sexto posto no ranking de PIB mundial, logo atrás da Alemanha e mordendo seus “calcanhares”. A verdade é que, no plano econômico, os países “atrasados” estão impondo uma fragorosa derrota aos países “desenvolvidos”. O PIB do Z-7 (China, Índia, Rússia, Indonésia, Brasil, Turquia e México) representa, hoje, 39% do PIB mundial; enquanto o PIB do G-7 (EUA, Japão, Alemanha, Reino Unido, Itália, França e Canadá) representa apenas 32,5%.

Ora, se a explicação economicista para o avanço do conservadorismo ao longo das últimas décadas não se sustenta, é preciso reconhecer sua dimensão especificamente cultural e ideológica; dimensão indissociável da eficácia das think tanks conservadoras e da crise prática e teórica da esquerda que capitulou às teses de Fukuyama de que a democracia burguesa ocidental corresponde ao ápice da civilização.

Uma das expressões desse quadro de “unidade dos contrários” é a “asiofobia” que vem tomando conta da esquerda e da direita europeia desde o momento em que as nações asiáticas começaram a fazer sombra aos antigos donos do mundo. Esquerda e direita, em uníssono, protestam contra os baixos salários e as péssimas condições de trabalho na Índia, contra as violações de direitos humanos na China e contra o totalitarismo e a falta de democracia na Rússia. Estranhamente (ou não!) a revolta com os baixos salários e a opressão política em Gana, Gabão, Arábia Saudita ou Líbia é muito menor.

Mas o bandido predileto de todo atlantista moderno é Vladimir Putin. Ele se tornou o simulacro da “mãe freudiana”: é culpado de tudo. Culpado de ter dado fim ao programa de “modernização” de Ieltsin; culpado de reestatizar os recursos naturais; culpado por perseguir e colocar na prisão magnatas da privataria (como Mikhail Khordorkovsky); culpado por não perseguir todos os magnatas (apelidados de oligarcas pela imprensa “do bem”); culpado pela prisão das meninas da banda Pussy Riot que invadiram uma igreja num país religioso; culpado por se eleger por um período tão longo quanto Merkel (que, evidentemente, não é culpada de nada); culpado por se contrapor ao golpe de 2014 na Ucrânia apoiado pelos EUA; culpado por ocupar a Crimeia; culpado pela eleição de Trump; culpado de apoiar a resistência em Donbass; culpado por exigir o cumprimento dos Acordos de Minsk; e, claro, culpado pela guerra da Ucrânia. Recentemente, um famoso jornalista brasileiro expressou de forma luminar sua avaliação de Putin:

Há um ano, Vladimir Putin invadiu a Ucrânia, para completar o serviço sujo iniciado com a ocupação da Crimeia, em 2014. Eu estava em Paris e, de lá, escrevi muitas linhas sobre a guerra no coração da Europa. O aspecto mais surpreendente desse acontecimento que mudou o curso da história é que o movimento do tirano russo não foi uma surpresa. Estava anunciado havia anos nas livrarias próximas à minha então casa na capital francesa, cidade na qual fui correspondente. Existiam quilos de livros de especialistas que detalhavam o passo a passo da “estratégia da desordem” usada por Vladimir Putin para desestabilizar o Ocidente e reviver o império soviético. Mas os Estados Unidos e as potências europeias só decidiram abrir os olhos quando já era tarde demais.

Não passa pela cabeça do autor desta verdadeira “pérola” que os “quilos de livros” que ele encontrava em qualquer livraria de Paris pudessem ser patrocinados justamente por aqueles que, segundo ele, estariam de olhos fechados. O autor – Mário Sabino – é conhecido por suas posições conservadoras, expressas em veículos como Veja, Crusoé e O Antagonista. Mas o ponto não é esse. O ponto central é que, a despeito do argumento estapafúrdio (na linha “todos sabíamos, exceto os órgãos de inteligência e as lideranças políticas dos países da OTAN”) e russofóbico, a leitura de Sabino é hegemônica na “esquerda” na contemporaneidade. Por quê?

Mais uma vez, temos que apelar para Empoli para responder (pelo menos parte de) esta pergunta. O leitor atento de Os Engenheiros do Caos perceberá que não há nenhum personagem “russo” entre os teóricos e gestores da nova “política quântica”. Mas isto não significa que a Rússia de Putin tenha ignorado a mobilização conservadora em torno das redes sociais com vistas a desestabilizar governos soberanos e promover a ascensão de títeres do Tio Sam. Afinal, não podemos esquecer que Putin também é culpado por ser ex-agente da KGB. Porém, Empoli percebeu que havia um abismo separando o padrão de uso (e abuso!) político da internet nas “democracias ocidentais” e na Rússia. Assim, ele decidiu dedicar um livro exclusivamente a Vladislav Surkov, gestor de comunicação de Putin entre 1999 e 2020.

O livro, intitulado O Mago do Kremlin, é semificcional e é uma legítima obra-prima. Não gratuitamente, está entre os quatro finalistas do Goncourt em 2023. O personagem que faz as vezes de Surkov recebe o nome de Vadim Baranov. Já afastado da assessoria de Putin, Baranov teria se aproximado do narrador – o próprio Empoli – em função de interesses comuns em literatura, em especial por autores russos da primeira metade do século XX. Este apelo inicial não é gratuito. Por oposição a Bannon e demais Engenheiros do Caos, Surkov é, de fato, um intelectual com uma produção notável, seja em ciência política (teoria da “Democracia Soberana”), seja em literatura (autor de obras como Almost Zero, e inúmeros trabalhos publicados sob o pseudônimo de Nathan Dubovitsky).

O texto de Empoli sobre Surkov está longe de ser uma apologia de seus métodos ou da política implementada por Putin (em grande parte, sob sua orientação). Mas se tomamos por referência a capitulação da “esquerda” mundial à russofobia atlantista e otanista, seu texto é como um oásis no deserto. Por oposição aos Engenheiros do Caos, Surkov é apresentado como um “Engenheiro da Ordem”. Podemos ter dúvidas sobre a qualidade e validade da ordem social na Rússia contemporânea, tão distinta dos padrões consagrados no Ocidente como “verdadeira democracia”. Mas, trata-se de um olhar genuinamente respeitoso. É como se Empoli nos dissesse: talvez, por trás do nosso pretenso respeito às diferenças, se escondam corações e mentes renitentemente colonialistas, supremacistas e intolerantes. Tratar em detalhes da leitura de Empoli sobre Surkov e o papel da “política quântica” na sustentação da ordem na Rússia é tema para outro artigo. Mas, definitivamente, Empoli é um autor que tem que ser lido.

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Os artigos representam a opinião dos autores e não necessariamente do Conselho Editorial do Terapia Política. 

Ilustração: Mihai Cauli e Revisão: Celia Bartone 

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