Ao longo dos últimos anos ocorreu um processo de deterioração das contas do Estado do Rio de Janeiro no qual a retração da economia fluminense propiciou a queda na arrecadação e a ingerência do caixa do tesouro estadual levou ao descontrole da dívida pública. Este agravamento no quadro fiscal do estado prejudicou o fornecimento de políticas públicas essenciais à população e o cumprimento dos limites constitucionais. Diante da insolvência financeira e dos riscos fiscais e sociais, foi decretado estado de calamidade financeira e em seguida aderiu-se ao Regime de Recuperação Fiscal.

Para entender este processo serão levados em consideração o descompasso entre receitas e despesas, os benefícios fiscais, o fluxo de caixa e a trajetória do endividamento público.

O histórico da relação receita e despesa total do Estado do Rio de Janeiro aponta que nos anos de 2015 a 2017 ocorreu um descompasso no crescimento da despesa em relação à receita e o resultado orçamentário ficou deficitário por três anos seguidos. O pior ano foi 2016, cuja queda da receita foi de 23,2%, bem superior à queda nas despesas de 13,9%. Para alcançar o equilíbrio nas contas no período de 2013 e 2015, o Estado do Rio de Janeiro recorreu às receitas extraordinárias através da captação de recursos de depósitos judiciais (R$ 10,8 bilhões), 2ª parcela da venda do BERJ – (R$ 741 milhões), venda de títulos de royalties e participações especiais (R$ 8,6 bilhões) e securitização do FUNDES (R$ 635 milhões).

As receitas de ICMS e os Royalties do Petróleo compreendem juntas quase 60% do total arrecadado. No que tange ao ICMS, o quadro de recessão do país afetou a arrecadação. Entre 2012 a 2014 arrecadava-se em média R$ 43 bilhões, caindo para R$ 37 bilhões no período da crise.

A trajetória da receita do Petróleo e Gás Natural era crescente, chegando a se arrecadar anualmente R$ 12 bilhões. Em 2015 a arrecadação caiu 42% em virtude da queda do preço do barril de petróleo. No ano seguinte caiu mais 40% chegando a R$ 4 bilhões no ano. Mesmo tendo caráter volátil esta receita é importante para o financiamento dos salários de inativos e pensionistas do Estado do Rio de Janeiro. Esta perda de arrecadação descapitalizou o Rio Previdência aumentando o déficit previdenciário. Neste momento, o Estado passou a aportar recursos do tesouro para pagar inativos desequilibrando o orçamento fiscal.

Diante desta crise na arrecadação faltou recurso para pagamento da segunda parcela do 13º salário de 2015. A partir de então, os funcionários ficaram sem data certa para receber seus salários, que foram parcelados e atrasados. Como medida para ter fôlego financeiro e pagar as despesas com os servidores públicos, aderiu-se ao Regime de Recuperação Fiscal em setembro de 2017, que garantiu captar R$ 2,9 bilhões junto ao banco BNP Paribas, dando como garantia as ações da CEDAE.

Neste período de crise fiscal se aprofundaram as discussões no parlamento fluminense sobre a eficácia dos benefícios fiscais como instrumento de promoção de emprego e renda. O relatório divulgado pela Casa Civil em 2016, apontou que parcela significativa dos incentivos foi realizada por meio de decreto do governador e que em média a renúncia de receita foi de R$ 5,3 bilhões ao ano, no período de 2012 a 2015.

É necessário que se adote um modelo de auditoria nos benefícios fiscais, conforme estabelecido no Regime de Recuperação Fiscal, mesmo já tendo revogado alguns incentivos concedidos por meio de decretos, por entender que existem fragilidades a respeito das concessões de benefícios fiscais. Falta transparência e instrumento de controle adequado para aferição correta desta política, uma vez que, o Sistema DUB-ICMS utilizado para registrar os benefícios fiscais não possui mecanismos para criticar os dados informados pelos contribuintes, nem para fazer cruzamentos com outros sistemas existentes, tornando, as informações da sua base “pouco confiáveis”.

A disponibilidade financeira aponta a capacidade de pagamento das despesas de curto prazo do ente da federação. O valor em caixa no ano de 2012 cobria o estoque de restos a pagar, dando margem para o estado rolar a dívida flutuante para o ano seguinte. Em 2013 percebe-se que os restos a pagar dobraram em relação aos recursos em caixa. Já em 2014, a receitas extraordinárias ajudaram o fluxo de caixa do tesouro estadual, mesmo com as contas já sinalizando um certo desequilíbrio.

No período de 2015 e 2016, acentuou-se o déficit da receita que não suportou a trajetória da demanda das despesas, interferindo na aplicação da política pública, como não cumprimento dos índices constitucionais, a ausência de merendeiras e porteiros nas escolas estaduais, suspensão de pagamento de bolsa de pesquisa da FAPERJ e a falta de transferência aos municípios de recursos a serem aplicados na área da saúde. Para garantir o pagamento do funcionalismo público, de medicamentos e para a execução de contragarantia contratual de dívida estadual foram impetradas decisões judiciais contra o Estado do Rio de Janeiro que arrestaram R$ 11,5 bilhões das contas do FUNDEB e do Salário Educação.

O estado iniciou um processo de endividamento para se adequar às infraestruturas necessárias à realização da Copa do Mundo e Olimpíadas de 2016. Em 2010, o Estado do Rio de Janeiro recebeu da agência internacional de rating Standard & Poor’s (S&P) um selo de bom pagador através da nota de crédito em escala global de “BBB-”, grau de risco de investimentos concedida para atrair novos recursos. A facilidade de obtenção de novos empréstimos, dada tanto pelas agências de riscos internacionais como pelo tesouro nacional, gerou uma “Ilusão Fiscal”, pois possibilitou ao estado se endividar acima da sua capacidade de pagamento.

Em 2015, já num quadro recessivo, a avaliação realizada pela S&P rebaixou a nota de crédito do Rio de Janeiro de “BBB-” para “BB+”, retirando o seu grau de investimento.

No período de 2016 a 2020, o Estado do Rio de Janeiro ultrapassou o limite de 200% estabelecido pela Lei de Responsabilidade Fiscal, chegando em 2020 a 315,74 % (R$ 187,85 bilhões) da Receita Corrente Líquida. A desvalorização do Real no mercado internacional e da política de adesão ao Regime de Recuperação Fiscal, entendida como um mecanismo para reenquadramento aos limites legais, foram fatores importantes para o crescimento exponencial da dívida pública, através do processo de retroalimentação baseado nos juros e encargos contratuais, o que permitiu aumento do desequilíbrio fiscal.

Limite da Dívida Pública

Fonte: Portal da Transparência

Diante deste cenário fiscal recessivo faltou planejamento na execução dos recursos públicos escassos e houve perda de eficiência dos gastos. A gestão fiscal pouco responsável refletiu a falta de capacidade do governo em planejar um orçamento equilibrado, com percepção de futuro a fim de prevenir os riscos capazes de afetar as contas públicas resultando no rebaixamento da nota do grau de risco de investimentos concedida pelas agências internacionais de rating. Diante disto, o Estado do Rio de Janeiro precisa construir um planejamento estratégico de longo prazo através de uma plataforma de parcerias com os principais centros acadêmicos para criar mecanismos de monitoramento dos setores produtivos a serem incentivados e que tenham expectativa de crescimento para perseguir geração de emprego e renda.

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Publicado originalmente no Jornal dos Economistas de março de 2021 (Corecon-RJ)

Sobre a crise econômica do Rio de Janeiro, leia também a nota técnica da Associação Brasileira de Economistas pela Democracia-RJ.