Pedro é auxiliar de pedreiro. Trabalha quando tem trabalho. E só tem às vezes. Mas necessidade de comer tem todo dia. Pagar contas, todo mês. Pedro se vira como pode.
É criativo na vida como o é no trabalho. Quase sempre dá jeito nas coisas. Quando não dá, não come ou não compra remédio. Na última obra em que trabalhou, passou mal de fome. Ficou tonto e caiu do andaime.
A obra era grande e tinha carteira assinada. Ficou encostado no INSS. Com vida boa, disse o patrão. “O INSS está caro, vai quebrar o Brasil”, diz Enzo, o patrão do patrão de Pedro. Pedro está ajudando a quebrar o Brasil. Feio, Pedro… Muito feio…
Etelvina é diarista. Mas também ganha bolsa família. O bolsa família custa caro para o país. E ainda tira mão de obra do mercado. Enzo tenta contratar mais uma diarista. Etelvina, sozinha, não dá conta do serviço que Enzo gosta de ver bem feito. Enzo, que se acha perfeito, gosta de perfeição à sua volta e Etelvina lhe parece muito imperfeita, assim como o bolsa família.
Por causa dessa bolsa ninguém mais quer trabalhar, ninguém mais se esforça para ser perfeito como ele. Enzo também gosta de meritocracia. Chegou onde chegou porque fez por merecer. Estudou em Harvard, com tudo pago pelo papai. Pegou a pequena empreiteira do papai e a transformou numa média empreiteira. Tudo mérito seu, que soube administrar bem a herança. Já Etelvina… Ah, Etelvina, suas imperfeições e falta de mérito estão acabando com o Brasil…
Gregório trabalha seis dias por semana no supermercado. Carrega coisas e as coloca nas prateleiras. Muitas das coisas que carrega, não pode comprar. Quando o mercado está cheio, também empacota as compras dos clientes. Empacota seiscentos, mil, mil e quatrocentos reais em compras. Pedro se impressiona que haja neste mundo gente que consiga gastar isso no mercado.
Gregório pode ser promovido no mercado. O gerente gosta dele e disse que poderia virar operador de caixa, se quiser. Ganha um pouco mais, mas Gregório não tem certeza se esse pouco vale à pena. No que ele faz, pode ir ao banheiro quando precisa, no caixa, já não poderia. Caixa encara mais cara feia de cliente apressado, no seu trabalho atual, mal precisa encarar clientes.
Gregório sabe que o trabalho tem um custo medido em aporrinhações, em chefe babaca dando ordem babaca, em cliente babaca achando que ele é capacho de seus caprichos. Gregório não quer mais disso, mesmo por mais dinheiro. Gregório quer menos. Menos aporrinhação e menos dias sendo aporrinhado. Gregório quer trabalhar por cinco dias e folgar dois. Enzo acha esse negócio de escala cinco por dois um atraso para o desenvolvimento do país. Enzo não gosta de gente preguiçosa como Gregório. Essa ideia de escala cinco por dois vai acabar com o Brasil.
Sandra faz campanha na internet. Defende que ricos paguem mais impostos e que pobres paguem menos. Enzo não gosta de suas postagens. Ficou triste, ofendido até. Acha que é coisa da ignorância dessa gente que não estudou em universidade americana que nem ele. Gente equivocada como Sandra, que vai acabar com o Brasil fazendo Enzo pagar mais impostos para o governo jogar dinheiro fora gastando com essa gente que não contribui para o país.
Mas o país é justo para com Enzo. O Congresso lhe entende. A imprensa o defende. Deu entrevista dizendo o que acha. Seguido por comentaristas que acham que Enzo tem razão.
Enzo foi dormir feliz. Apesar dessa gente folgada, preguiçosa, imperfeita, malcheirosa e equivocada, não faltam políticos e jornalistas para defenderem o país. O seu país.
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Ilustração: Mihai Cauli
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