Gratidão eterna a Eva, mãe da curiosidade, que comeu o fruto da árvore do conhecimento e assim revelou o erotismo e nos humanizou. Fez bem Adão ao segui-la, o paraíso era tedioso.

Curiosidade é um sentimento recompensado pelo cérebro com a liberação de dopamina – hormônio que causa euforia. As crianças são os seres humanos mais curiosos que existem, pois entre os dois e os cinco anos podem fazer umas quarenta mil perguntas. A curiosidade infantil é essencial, pois a criança busca saber sobre o mundo que a rodeia, e sua sede de conhecimentos é interminável. Aliás, a busca do saber acompanha o ser humano ao longo de toda a sua história.

A curiosidade sobre a condição humana cresceu com a Primeira Guerra Mundial, que foi um choque de realidade. Os artistas e pensadores foram obrigados a questionar sua fé nas ilusões iluministas.

Um exemplo notável foi Sigmund Freud, que havia se empolgado com a guerra em cartas e conversas, mas após alguns meses entendeu seu erro e escreveu: “A desilusão diante da guerra”, pois para ele jamais um acontecimento destruiu tanto os bens preciosos comuns à humanidade, confundiu tanto as mais lúcidas inteligências e rebaixou tão radicalmente o que era elevado. Sua desilusão fez com que sua curiosidade aumentasse sobre aquilo que viria a definir como psicologia social e o quanto esta está ligada à psicologia individual. Passou então a construir pontes entre o individual e o social, como explicita no começo da obra “Psicologia das massas e a análise do Eu”. Na escuta da vida psíquica do indivíduo, percebe o quanto o outro é um modelo, sejam pais, irmãos, professores, entre outros. A realidade psíquica é formada pelas marcas mnêmicas geradas nas relações com os demais. Em seu estudo autobiográfico de 1925, escreveu o quanto sua curiosidade era muito mais movida pelas coisas humanas do que pelos objetos naturais. Sua curiosidade pelas coisas humanas diminuiu seu otimismo, ao estudar a crueldade, a religião, o desamparo na cultura.

A partir daí, o psicanalista inglês Adam Phillips escreveu que a psicanálise era, na sua essência, a curiosidade. Curiosidade em que uma curiosidade leva à outra – logo, crer na curiosidade é diferente de crer na ciência, crer na religião, crer na política, crer na psicanálise ou mesmo em nada. A raiz está na impressionante curiosidade infantil, pois a criança é curiosa pelas origens, pela sexualidade, pelos animais, por todo o mundo à sua volta. O interesse pela infância é o interesse pela curiosidade, daí o psicanalista ser curioso. E, numa análise, o analista está atento às resistências, à curiosidade, como pode ser a curiosidade pelo sofrimento do paciente e do prazer nele. É preciso aprender a ser curioso tanto na crença como na descrença, ou até na incapacidade de acreditar.

Curiosidade sobre o nome próprio, curiosidade sobre as origens familiares, sobre os sofrimentos sem fim. Estar alerta também de quanto o conhecimento pode ser a morte da curiosidade, e aí estão os que seguem fielmente uma escola ou outra e se sentem seguros, plenos, satisfeitos. Outro exemplo: o quanto em política há ilusões sobre as amplas possibilidades de mudanças na humanidade; e agora o quanto está sendo repensado sobre o quanto outro mundo é possível. A crença sem curiosidade é uma das formas da pulsão de morte se manifestar. A crença sem curiosidade revela a pobreza de espírito, e é preciso crer na curiosidade, é preciso ser curioso até em relação à curiosidade.

Creio que amar um país requer ser curioso sobre sua história. Perguntar-se, no caso do Brasil, como o país segue marcado pela escravidão e o genocídio. Porque somos pouco curiosos com os privilégios dos armados e da assustadora destruição da natureza. Portanto, o Brasil não é só o país do futebol e do samba, ele é também um país autoritário, um país onde a crueldade é exaltada.

Albert Einstein afirmou: “Não tenho qualquer talento especial. Sou apenas apaixonadamente curioso”. Assim foi Freud, Cleópatra – que falava dezesseis idiomas –, Madame Curie, Shakespeare, entre outros.

O entusiasmo pela curiosidade ilumina a velhice, mas quando a curiosidade diminui, quando a gente imagina que já sabe, então se envelhece mais rápido. Impressiona os que envelhecem com curiosidade, pois assim sustentam a alegria infantil de seguir se perguntando até o último dia de vida. O livro de Adam Phillips –Sobre desistir – é uma verdadeira luz que revela o quanto a psicanálise se alimenta da curiosidade, a vontade de aprender como paixão.

Por fim: gratidão eterna a Eva, mãe da curiosidade, que comeu o fruto da árvore do conhecimento e assim revelou o erotismo e nos humanizou. Fez bem Adão ao segui-la, o paraíso era tedioso. (Publicado no Facebook do autor)

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Os artigos representam a opinião dos autores e não necessariamente do Conselho Editorial do Terapia Política. 

Ilustração: Mihai Cauli e Revisão: Celia Bartone
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