Debates são uma comédia com ao menos dois atores que se dizem candidatos. Torna-se drama assim que você se toca de que algum deles terá poder sobre aspectos importantes da sua vida.
Como o enredo é improvisado, alterna momentos de absoluto tédio com malabarismos lógicos, infantilidades, crimes contra a honra, contra a gramática e o bom senso. Às vezes, é tão vazio de ideias e de sentido que uma cadeirada bem dada em um candidato parece a coisa mais sensata a se fazer.
Neste embate entre o intencionado e o inesperado, os candidatos capricham e inovam nas suas estratégias para atingir o objetivo de sair dele com a imagem de político preparado, heroico, coitado ou idiota.
Para melhor entendermos estas inovações estratégicas trazidas aos debates, preparei este Micro Dicionário Analfabético Para Entendimento de Debates Eleitorais.
Cadeira: Substantivo feminino. Objeto normalmente utilizado como repouso para nádegas e encosto para costas. Sinônimos: assento, encosto, porrete. Em debates, quando não fixada no solo, torna-se argumento contundente. Muito útil quando o debate se converte em exibição do quanto um ser humano pode ser boçal.
Coach: Substantivo masculino. Anglicismo brega para treinador. Título autoatribuído por quem afirma ter algo a ensinar, mas que prefere não se apresentar como professor por receio de apanhar mais facilmente da polícia. Sinônimos: picareta, charlatão, estelionatário, trapaceiro, burlão, escroque. Da mesma forma que o título é autoatribuído, o conhecimento que teria a ensinar também seria autodescoberto. Apresenta-se como alguém que descobriu um segredo que não querem que você saiba, mas que ele está disposto a revelar por um valor significativo, porém o verdadeiro segredo que tem a revelar é o quanto alguém é otário. Quando famoso, corre-se o risco de tornar-se candidato que só dialoga de verdade com uma cadeira à mão.
Verdade: Substantivo feminino. Fato corretamente anunciado por meio de palavras. Costuma ser a primeira vítima em uma guerra e, como eleição é a continuação da guerra por outros meios, a verdade é frequentemente violentada. Quando, ingenuamente, aparece em algum debate, antes que alguém possa percebê-la, é rapidamente substituída por alguma mentira bem mais sedutora.
Proposta: Substantivo feminino. Sugestão de como solucionar um problema ou de como se deveria agir em alguma situação. Ouvir propostas é a desculpa formal para se realizar um debate, mas quem o assiste espera mesmo é que aconteça alguma bizarrice. Quando uma proposta é realmente apresentada, ninguém percebe porque estava fazendo algo mais interessante, como tirar sujeira debaixo da unha do dedão do pé.
Apresentador. Jornalista especialmente escalado para a função de mediador de um debate. É o responsável por conduzir o espetáculo de maneira que as regras sejam respeitadas, sobretudo a que determina que os candidatos calem a boca na hora certa para não atrasar o intervalo comercial. Também tem a tarefa de fazer o programa de auditório se parecer com algo mais sério do que um programa de auditório, por isso fica com cara meio sisuda, meio serena o tempo todo, exceto quando um candidato resolve argumentar com outro usando os punhos, cadeira, porrete…
Mimimi. Substantivo masculino. Gíria utilizada para denunciar que alguém está se fazendo de vítima para ganhar a simpatia piedosa de alguém. Tal como fazer tomografia para verificar se há lesão cerebral depois de ser atingido por uma bolinha de papel. Ou meter-se num hospital de grife, com estardalhaço em ambulância e cara de quem foi nocauteado num ringue de MMA, depois de tomar uma cadeirada de raspão de um idoso sedentário.
***
Os artigos representam a opinião dos autores e não necessariamente do Conselho Editorial do Terapia Política.
Ilustração: Mihai Cauli
Clique aqui para ler artigos do autor.