Sonhar com democracia é ter liberdade para sonhar

Sem democracia não há liberdade, tranquilidade e nem a certeza de um futuro pelo qual valha a pena sonhar.

Sem democracia não há sociedade, mas bandos que se engalfinham entre o estar do lado de quem manda ou estar fora da lei, do direito e da possibilidade de vida digna.

Sem democracia não há política, porque ela é diálogo, tolerância, aceitação e entendimento por algo maior e fora da democracia não há algo maior porque tudo é pequeno fora dela.

Sem democracia, a vida é governada não pela grandeza do entendimento de uma nação, mas pela baixeza de espíritos autoritários a calar com brutalidade qualquer sopro de liberdade.

Sem democracia, o policial da esquina passa de protetor a jagunço ou omisso.

Sem democracia, a chacina é política de estado, a tortura é devido processo e o grito de qualquer excluído é ridicularizado.

Sem democracia, a justiça, antes cega para tratar a todos com igualdade, levanta a venda de um dos olhos para enxergar crimes na música, na poesia e no pensar. Enquanto o olho que restou vendado não vê tortura, assassinatos e a corrupção dos assassinos da democracia.

Sem democracia quem pensa é perigoso, quem sente é perigoso e quem pensa no que sente e diz o que pensa é hediondo.

Sem democracia o poeta é clandestino, o músico é calado, o escritor algemado e o professor vigiado para não cantar, sentir ou recitar nada que lembre a alguém que cultura não é uma festa para se esquecer da vida, mas a lembrança de que a vida é mais do que apenas sobreviver calado com o que lhe pagam para apenas sobreviver calado.

Sem democracia não há trabalho. Não porque falte onde se esforçar e receber por isso algo em troca. Mas porque trabalho, mais que esforço e remuneração, é dignidade. Esforço sem dignidade não é trabalho, é exploração. Sem remuneração é escravidão.

Sem democracia não há livre mercado, mas a ilusão de um mercado livre do respeito ao trabalho e à concorrência honesta. Liberdade para criar monopólios de riqueza sustentados pela pobreza. Liberdade só de uns poucos não é liberdade. Ela nunca é minha ou sua. Sempre é nossa ou de ninguém.

Sem democracia, há saudades dela. Porque ela é como um sonho que enquanto se sonha não sabe que sonha e nem sente falta da vigília. Sonha-se e pronto. E as belezas e, às vezes, os horrores do sonho nos distraem do sonho sonhado e da importância de poder sonhar e acordar fazer do sonho realidade. Dela só sentimos a falta quando nos damos conta do risco de não haver mais com o que sonhar ou só haver no horizonte pesadelos desesperançosos.

Mas se há tanta importância na democracia, por que há quem não a queira? Por que há quem não queira sonhar ou ser livre para sonhar ou até ter pesadelo só para sentir o alívio de, acordado, saber que era só pesadelo? Por que há quem não queira acordar do pesadelo, mas antes, vivê-lo acordado?

Talvez, seja só pela falta de sonhos. Ou da realidade que, em algum momento, frustrou os sonhos de alguém e o fez achar que o problema fosse a leveza do sonho e não a realidade e suas durezas. Talvez, seja a troca do sonho de viver em liberdade pela ilusão de que para ser livre é preciso escravizar os outros. Ou, talvez, sejam só descrentes dos sonhos, da realidade e da vida, que na impossibilidade de sonhar, adormeceram sua razão, sua sensibilidade e sua humanidade. Talvez, quem sabe, talvez…

***
Os artigos representam a opinião dos autores e não necessariamente do Conselho Editorial do Terapia Política.

Ilustração: Mihai Cauli e Revisão: Marlon S. Martins.
Clique aqui para acessar outros conteúdos do autor.