O movimento democrático de oposição ao governo Bolsonaro se fortaleceu enormemente na última semana. A prisão de Queiroz, a demissão de Weintraub e a validação do inquérito das fake news pelo STF colocaram o presidente e seu projeto de destruição das instituições democráticas construídas com a aprovação da constituição de 1988, no maior isolamento político desde o início do seu mandato.
A aproximação política com o Centrão, o aprofundamento da participação do Exército no governo e a tentativa de passar para a sociedade uma narrativa de que é a vítima de uma conspiração por parte daqueles que sempre usufruíram o poder político, são típicos movimentos de quem está na defensiva. As contradições dessa narrativa com a prática real não importam. Ela é direcionada ao núcleo duro do bolsonarismo. É uma estratégia para ele chegar ao final do mandato e impedir a cassação da chapa ou o impedimento.
Na conjuntura atual, existe a possibilidade de Bolsonaro se recuperar. Mas dificilmente isso virá pela recuperação da economia no pós-Covid-19. O mais provável é o Brasil chegar a 2022 mais pobre do que em 2018.
A frente democrática ainda não concluiu sua construção. Existem vários problemas políticos e pessoais para estruturar-se. É necessário reconhecer, que historicamente a frente democrática sempre foi uma articulação política de difícil construção. E, é necessário compreender que cada força política que participa do processo, da sua construção, tenha que abdicar dos seus programas estratégicos para a sociedade. Podem e devem continuar a disputar a hegemonia em todos os movimentos sociais e organizações da sociedade civil na qual estejam disputando politicamente a hegemonia. Mas na frente democrática é preciso encontrar os pontos de consenso, não é o lugar para afirmar identidades programáticas. O objetivo da frente democrática é sempre maximalista. A relação entre as forças heterogêneas é minimalista.
A partir desse contexto, várias trajetórias políticas são possíveis. A primeira, é o impedimento de Bolsonaro e o vice-presidente Mourão assumiria a presidência. A segunda, é a cassação da chapa em processo do Tribunal Superior Eleitoral-TSE, que nunca cassou uma chapa inteira, nem no “golpe legal” contra Dilma. Portanto, nesses dois cenários, o beneficiário mais provável seria Mourão.
A terceira hipótese é a manutenção de Bolsonaro como figura decorativa, que considero pouco provável, dado o histórico de comportamento incontrolável do capitão. É só lembrar como se deu o seu afastamento do Exército, 30 anos atrás, depois da brilhante ideia de pressionar os generais com a divulgação à imprensa de um plano para obter o aumento do soldo, ameaças aos quartéis e intimidação dos generais. Na ocasião, em primeira instância, Bolsonaro foi considerado culpado pela unanimidade dos juízes militares. Na instância superior, Bolsonaro foi considerado não culpado por nove a quatro e acabou afastado do Exército, que se livrou de um problema para não manchar mais ainda a própria instituição e evitar que outros rebeldes viessem em sua defesa. Deixaram Bolsonaro livre, preservando, inclusive, sua patente de capitão. De um problema para o Exército passou a ser um incômodo nacional. Aqui também nada mudaria na política econômica do governo.
Além dessas três trajetórias hipotéticas, resta um problema adicional. A demora para cassação da chapa e impedimento, o que é o provável. Se houver vacância na segunda metade do mandato, a eleição do novo presidente será indireta pelo Congresso Nacional.
Das trajetórias políticas descritas, Mourão surge como o grande beneficiário. Note-se que em todas as suas declarações públicas tem afirmado a sua concordância política e ideológica com a política econômica neoliberal de Guedes. Ou seja, continuaria o plano do ministro da Economia que quer aproveitar a crise para liquidar o estado brasileiro. O país continuaria como um ponto fora da curva. Enquanto todos os países ocidentais, para não falar da China, começaram a se voltar para um papel mais ativo do Estado no desenvolvimento econômico, com incentivos ao investimento em infraestrutura e “Green new deal“, reforço do sistema de saúde, recuperação mais rápida de emprego e renda, transição para economia digital e sustentável, e maior “autonomia industrial”, nós continuamos sem nenhum plano.
A meu ver, há um risco fundamental. O risco de implementar a política neoliberal é evidente. A queda do PIB fez o emprego cair e vai cair mais. A crise afetou desproporcionalmente os serviços e a construção, que respondem pela maior parte do emprego formal no Brasil (quase 2/3 em 2019). O impacto nas micro, pequenas e médias empresas que empregam mais, também foi maior pela falta de reservas e dificuldade de acesso ao crédito. Só em São Paulo, na capital, foram fechadas 20 mil empresas. As projeções para o desemprego até o final de 2020 estão entre de 18% e 20%.
Daí a pergunta: qual será o impacto social e político desta taxa de desemprego? Provavelmente ocorrerá um aumento enorme do número de trabalhadores informais legais ou ilegais. Um campo fértil para a influência das milícias e do tráfico com o agravamento da já precária situação das comunidades carentes.
Se o governo, em nome da austeridade fiscal, cortar ou reduzir os vários dos programas “temporários” adotados este ano, como o Benefício Emergencial de Manutenção do Emprego e da Renda e, especialmente, o Auxílio Financeiro Emergencial, a situação pode ficar explosiva e as elites liberais conservadoras vão pedir ordem e progresso. No Brasil, todos nós sabemos o que isso significa: repressão aos movimentos populares, redução dos direitos trabalhistas, garantia para uma acumulação do capital ainda mais selvagem e a volta da ameaça à democracia. Com Mourão, provavelmente, ou com Bolsonaro. Ou seja, a luta permanece como imposição para assegurar o progresso social e ampliação da democracia.