Desonra e golpismo

No bochicho das frentes de quartel as mensagens dos oportunistas chegavam aos montes. A maioria era de reforço moral dos ressentidos. Só 72 horas e daí… Mantinham a mobilização na manutenção da ilusão de que se estava ali em missão nobre e divina de trazer o caos, a destruição e a morte. As inclemências do clima davam um ar de heroísmo à espera, enquanto os churrascos e outros mimos fornecidos por ricos oportunistas os lembrava de que não estavam sozinhos. Eram uma legião.

O chamado para a ação veio com euforia. Aos acampados de Brasília, acampados de outros cantos chegariam em ônibus providenciados pelos oportunistas. Os dias de espera em infinitas 72 horas funcionaram como a mola que tensiona o cão da arma na expectativa do toque do gatilho. As redes fervilhavam, acrescentando à algazarra natural do ajuntamento de pessoas eufóricas os bips, sininhos e quicadas das carcaças de celulares trêmulos que anunciam novas fantasias.

Longe dos quartéis, os preparativos seguiam firmes. Inescrupulosos traçavam o plano do caos com a invasão e destruição de símbolos da República, paralisação de refinarias e destruição do sistema elétrico. Vandalismo pior que o dos Vândalos, cujos alvos eram outros povos e não o seu. Para que tudo desse certo, do lado de dentro dos quartéis planejava-se a omissão. Poucos policiais lançados à impossibilidade de proteger o que ou quem fosse contra a multidão e uns poucos soldados desmuniciados e apatetados pela falta de comando para proteger o Palácio do Planalto.

A horda seguiu a pé, escoltada pela polícia em procissão festiva para a destruição. Gritos de louvor a Deus e evocações de Jesus se alternavam a hinos, canções militares e exortações à morte. Espíritos preparados em sua baixeza para as mais hediondas baixarias. Muitos, sem tomar por crime os crimes que desejavam cometer. Outros, certos de que os crimes a cometer não seriam punidos. Sabiam que a lei sem a força é impotência e, por tudo que fora dito e feito até então, contavam com a força ao lado da ilegalidade.

Atacou-se a República. Prevenida do ataque, porém traída por quem jurou protegê-la. Autoridades se apequenaram à baixeza da política dos últimos tempos, transformada em meio para ganhos pessoais contra a lei, a honestidade, a decência, o respeito e a vida. Militares deram as costas ao dever, mostrando que honra, para eles, é valor ultrapassado. Ou que não a reconhecem. Posto que a honra vem do sacrifício por algo que se entende maior, talvez não vejam na Pátria algo maior que seus próprios interesses.

Enquanto, de longe, oportunistas financiadores, inescrupulosos e interesseiros acompanhavam felizes o furdunço, nos Palácios, ressentidos roubavam e quebravam o que estivesse ao alcance de mãos e tacapes improvisados. Destruíram obras de arte insubstituíveis e defecaram sobre mesas. Imagem do baixo nível moral de espíritos que consideram o Brasil uma latrina que deveria estar a serviço da satisfação de suas necessidades e a República como uma velharia sem significado ou beleza e que deveria ser destruída definitivamente.

O caos não se instalou em definitivo por ainda haver policiais e autoridades para quem lei, honra, dever e Pátria têm o significado que consta dos dicionários. Mas para os incapazes de respeitar a arte, a história, a lei, a República, o povo e a vida, para quem palavras são vazias de sentido e toda realidade moldável ao seu interesse através de notícias falsas a serem críveis por espíritos sem caráter, para quem só a grana importa, este foi só um passo. Tentarão novamente, enquanto houver desonra e poderem contar com traidores da Pátria.

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Ilustração: Mihai Cauli

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