Fazer oposição à Ditadura é see equilibrar na linha de cerolDiante da responsabilização dos militares pelo fracasso econômico e descontrole da inflação, o quarto ditador, general Ernesto Geisel, assumiu em 1974 com o objetivo de preparar a “volta aos quartéis”.

Para isso, precisou enfrentar dois desafios. De um lado, a resistência da ultra direita militar, policial e empresarial, que queria manter a ditadura e estava pronta para provocações. De outro, o contínuo crescimento do MDB, partido da oposição consentida, que havia conquistado naquele ano 16 das 22 vagas ao Senado em disputa (1/3 das cadeiras) e 44% da Câmara Federal.

Já liquidadas as organizações armadas de esquerda, restava à ultra direita inventar outros inimigos para provocar e testar a força de Geisel. Entre agosto de 1975 e janeiro de 1976, sequestrou e assassinou no DOI-Codi de São Paulo o tenente José Ferreira Almeida, diretor do Clube dos Oficiais da Reserva da PM, jornalista Vladimir Herzog e o metalúrgico Manoel Fiel Filho.

A resposta de Geisel foi eloquente e rápida: demitiu o general Ednardo D’Ávila Mello do comando do II Exército, a quem nominalmente estaria subordinado o DOI-Codi.

E, para demonstrar aos porões que estava no comando, imediatamente atacou também o MDB.

Em janeiro e março de 1976, cassou os mandatos do deputado federal Marcelo Gatto e do deputado estadual Nelson Fabian, de São Paulo, e dos deputados federais gaúchos Amaury Muller e Nadir Rossetti, acusados de pertencerem ao Partido Comunista Brasileiro. No mês seguinte, por criticar as cassações de seus companheiros, o deputado Lysâneas Maciel, do Rio, perdeu o mandato.

Em fevereiro de 1977, depois da oposição ter conquistado dois terços das vagas na Câmara Municipal de Porto Alegre, o líder da bancada, vereador Glênio Peres, foi cassado. Uma semana depois, o novo líder, vereador Marcos Klassmann, repetiu o discurso de Glênio e teve o mesmo fim.

Em 1° de abril de 1977, Geisel fechou o Congresso por duas semanas, para baixar uma Emenda Constitucional e seis Decretos (o “pacote de abril”) que mudavam as regras eleitorais para, infrutiferamente, tentar impedir novas vitórias da Oposição.

Em 15 de junho, outra cassação: o deputado mineiro Marcos Tito, por ter lido da tribuna o editorial da “Voz Operária”, jornal clandestino do PCB.

No final daquele mês, o MDB requisitou o direito previsto em lei de um horário de TV para “divulgação partidária”. Um dos quatro a falar foi o líder do partido na Câmara, Alencar Furtado. Corajosamente, em rede nacional, ele denunciou a tortura, os assassinatos e os desaparecimentos de presos políticos. A ditadura recusava às famílias até mesmo a entrega dos corpos, em relação a que Alencar criou a tão desesperadora quanto poética expressão “viúvas do quem sabe, órfãos do talvez”. Geisel o cassou.

Manifesto à Nação

Com esse pano de fundo, a Oposição entendeu que chegara ao limite. Ulysses Guimarães reuniu a direção nacional e dirigentes estaduais do MDB em um hotel para redigir a mãe das notas de protesto contra a ditadura e as cassações. Momento difícil, movimentos arriscados, que poderiam provocar a degola de ainda mais mandatos e até mesmo novo fechamento do Congresso.

Até mesmo a discussão da linha do documento foi complicada. O MDB era um conglomerado inorgânico de todas as oposições à ditadura. Reunia desde liberais originalmente apoiadores do próprio golpe de 1964, como Paulo Brossard, até partidos e correntes clandestinas como PCB, PCdoB e trotskistas. “Moderados”, de um lado, “autênticos”, de outro.

Passaram a manhã, viraram a tarde, avançaram na noite discutindo os termos do documento, em difícil negociação, disputa palavra a palavra. Uma nota de protesto formal, denotaria medo e desmoralizaria a Oposição. Já uma nota demasiadamente forte poderia cutucar os ditadores além da medida e provocar mais cassações.

Foi nessa negociação que Tancredo Neves se disse “rouco de tanto ouvir”.

Já entrados na madrugada, chegaram ao tênue ponto do acordo possível. Estava pronta a nota à Nação e à ditadura. Exaustos, os velhos caciques subiram para os quartos.

Mas um pequeno grupo dos “autênticos” foi para o bar do hotel, onde continuou a analisar a conjuntura e o documento. Novo debate termo a termo. Horas depois concluíram que deveriam enviar Pedro Simon, como porta voz dos “autênticos”, para renegociar com Tancredo Neves, líder dos “moderados”.

– Tancredo, nosso pessoal quer fazer alterações no documento.

– Ah, não! Nós custamos a chegar a isso. É o limite da prudência. É muito perigoso acrescentar qualquer palavra a mais.

– Não, Tancredo. Nós não queremos botar. Nós queremos é tirar.

– Tirar? Ah, tirar pode!

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Ilustração: Mihai Cauli
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