A professora – Maria da Conceição Tavares –, entre outras lições, me ensinou: – Fernando, nunca diga nada sobre a economia brasileira sem apresentar evidências empíricas. Senão, vão acusá-lo de estar fazendo um discurso ideológico!

Coube-me o destino de, depois de ter aulas com ela no Mestrado, ter iniciado minha vida profissional justamente no IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Trabalhei nele, no Rio de Janeiro, por oito anos. Deixei de ver estatística como algo apresentado pelo autor apenas para confirmar sua hipótese apriorística, anunciada no texto, cuja leitura das tabelas poderia ser saltada…

Pelo método científico, vi a hipótese só se sustentar depois de ser testada por todas as estatísticas disponíveis. Hoje, leio a leviandade de colegas economistas com colunas na “grande” (sic) imprensa brasileira a usá-las como palanques para panfletar em campanha preconceituosa na tentativa de reviver o antipetismo de 2018.

O chato é “já vi esse filme com terrorismo de O Mercado”… Em 1989, 1974, 1978, 2002, 2006… E, em 2018, foi pior: o futuro ministro da Justiça do candidato afinal vencedor aprisionou sem provas o líder popular favorito na eleição! O Datafolha em 22 de agosto de 2018 registrou: 1º Lula 39% X 2º Bolsonaro 19%.

Apesar da volta dos arcaicos ataques ideológicos, o curioso atualmente é o ditado popular “quem pariu Joaquim Levy o embale”. Há quem diga ele se referir à má escolha, por parte da presidenta eleita, do cobrador de impostos para ser seu ministro da Fazenda em 2015. Fala-se também do ditado decorrer do costume machista de que “a mãe” seja a única responsável pelo trabalho de cuidar do “filho”. É visível a misoginia de colunistas valentões nos sistemáticos ataques à minha ex-aluna, Dilma Rousseff.

Os colunistas professores da EPGE-FGV ocultam o fato desse Engenheiro Naval ser mestre em Economia pela Fundação Getúlio Vargas (1987) e doutor pela Universidade de Chicago (1992). Foi professor do curso de mestrado da EPGE-FGV, em 1990, antes de integrar os quadros do Fundo Monetário Internacional de 1992 a 1999.

Entretanto, apesar de os eleitores de Dilma, em 2014, terem considerado sua escolha do ministro ter sido um “estelionato eleitoral”, face ao programa votado, os números básicos das Finanças Públicas brasileiras revelam: o pior viria depois do golpe de 2016.

A tabela abaixo com as médias anuais dos mandatos presidenciais comprova os melhores resultados fiscais terem ocorrido na Era Socialdesenvolvimentista (2003-2014), antes da volta da Velha Matriz Neoliberal (2015-2022). Decisivo para obter déficits nominais inferiores à metade dos ocorridos com a volta do neoliberalismo, foi o fato de em seus três mandatos presidenciais ter registrado superávits primários. Estes conseguiram se contrapor em parte aos juros elevados pelo Banco Central do Brasil, operacionalmente autônomo, embora em queda “lenta, gradual e segura”… e atrasada.

 

Fonte: SGS-BCB (Elaboração Fernando Nogueira da Costa)

Os governos posteriores registraram déficits primários, apesar de todo alarde (ou propaganda enganosa) da Regra do Teto de Gastos Públicos. Lembre: no dia 15 de dezembro de 2016, essa PEC foi promulgada no Congresso.

Pela análise de uma longa série temporal (2009-2021) sobre os Fatores Condicionantes da Dívida Bruta do Governo Geral (DBGG) ficam bastante evidentes os pesos diferenciados de suas emissões líquidas (determinadas por registro de superávit ou déficit primário) e dos juros nominais.

Ambos, geralmente impulsionadores da relação DBGG / PIB, são contrapostos pelo crescimento nominal, isto é, inflacionário. Este vai mais além do desempenho do produto real, em todos os anos, inclusive quando o efeito do crescimento nominal do PIB foi muito pequeno: -0,8% em 2020 – e queda de -4,1% do produto real.

Em análise de tendência em longo prazo, o primeiro governo Lula recebeu uma Dívida Líquida do Setor Público (DLSP) cujo pico foi atingido em fevereiro de 2003 com 58,6% do PIB. Esta relação DLSP/PIB era o objeto de preocupação, monitorado pelo FMI e debatido na imprensa.

A DBGG, no mesmo mês, atingiu 77,9% do PIB. Em setembro de 2002, véspera da primeira eleição de Lula, com todo o costumeiro terrorismo fiscal sendo feito contra sua candidatura, ela tinha atingido 81% do PIB.

Seu governo adotou uma política econômica com responsabilidade fiscal, inclusive colocando no chamado “tripé macroeconômico” uma meta de superávit primário mais elevada: 4,25% do PIB. Manteve o regime de meta inflacionária e o regime de câmbio flutuante. A grande inovação, caracterizando uma dimensão desenvolvimentista, foi o uso dos bancos públicos, especialmente a Caixa Econômica Federal e o BNDES como um quarto instrumento-chave: política de crédito.

Esta política não tinha existido no governo FHC, pois o neoliberalismo abomina “crédito acima da poupança”. Seus adeptos pensam ser isso um fator inflacionário por desequilibrar a demanda agregada monetizada e a oferta agregada de bens e serviços.

Depois de uma tendência firme de queda da DLSP até janeiro de 2014, atingindo o “piso” de 30,7% do PIB, ela manteve o patamar médio de 32% do PIB nesse último ano da Era Socialdesenvolvimentista. No primeiro semestre de 2015, ainda permaneceu na média de 33,5% do PIB.

O então presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), no segundo semestre de 2015, impediu o Congresso Nacional de analisar os seis vetos da presidenta Dilma à pauta-bomba – como foram batizados os projetos para aumentar gastos do Governo – por meio de uma manobra regimental da Casa. Pela primeira vez essa retaliação foi tomada por um presidente da Câmara, apesar de a presidenta ter garantido mais cinco cargos ao PMDB na divisão de poder.

Desde então, a DLSP segue uma tendência de alta até alcançar um novo “pico”, em julho de 2020, com 67,2% do PIB. A partir de então, desce, gradualmente, cerca de cinco pontos percentuais até o fim de 2021.

Após o Brasil, no segundo governo Lula e no primeiro da Dilma, acumular reservas cambiais substantivas, a “grande” imprensa, pautada por economistas oposicionistas defensores do neoliberalismo, passou a só monitorar a DBGG. Esta não descontava essas reservas e considerava os créditos concedidos às instituições financeiras oficiais, especialmente os créditos junto ao BNDES e os IHCD (Instrumentos Híbridos de Capital e Dívida) para a Caixa e o Banco do Brasil terem uma atuação anticíclica, protelando o impacto da crise mundial detonada em 2008 e mantendo um “pleno emprego” até 2014.

Pobres no orçamento, ricos nos impostos

Esse desconhecimento de fatos e dados, no debate público, foi um dos motivos para eu ter resolvido, neste início de ano eleitoral, estudar as últimas publicações sobre administração da dívida pública, desigualdade social e dados sobre a estrutura tributária regressiva brasileira. Intitulei-o “Dívida Pública e Dívida Social” com subtítulo no popular “Pobres no Orçamento, Ricos nos Impostos” – e na linguagem técnica mais rigorosa, “Pobres no Ativo, Ricos no Passivo”.

Detalhe histórico relevante: ricos estiveram no passivo do Orçamento de Cidades-Estados desde o Renascimento na Itália. Por as Finanças Públicas estarem administradas por seus representantes, houve por bem (deles) trocarem o pagamento de impostos “a fundo perdido” por empréstimos seguros ao governo com polpudos rendimentos financeiros – e criação de um mercado secundário de títulos de dívida pública para lhes dar liquidez.

É simples assim… Não precisa nem desenhar para explicar por qual razão os ricos ficam no passivo e os pobres no ativo, seja no trabalho gerador de renda, seja no endividamento pagador de juros.

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Caso queira se aprofundar no tema, objeto de um debate eleitoral crucial neste ano, sugiro a leitura do meu estudo no livro digital: Fernando Nogueira da Costa – Dívida Pública e Dívida Social.

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Os artigos representam a opinião dos autores e não necessariamente do Conselho Editorial do Terapia Política.

Ilustração: Mihai Cauli  e  Revisão: Celia Bartone

Sobre o tema, leia também “O perfil da dívida pública brasileira favorece a implementação de políticas públicas“, de Adriana Vassallo e José Eudes Filho.