A sociedade brasileira pergunta-se até quando vai o isolamento social. A questão é de saúde, mas a ciência econômica pode ajudar? A resposta remete a Alfred Marshall (1842-1924), a quem coube a fixação dos prazos na análise econômica. Com formação liberal, Marshall demonstrou que um mesmo fato poderia trazer consequências diferentes no curto e no longo prazo. O exemplo típico é o aumento da demanda por um produto, que no curto prazo eleva o preço. Isto incita os vendedores a aumentar a oferta, de modo que, com o tempo, a maior produção traria os preços ao equilíbrio inicial. No curto prazo crescem os preços; no longo, as quantidades produzidas.
Tal instrumental pode ajudar no atual dilema. Todos querem o crescimento e a volta ao trabalho, o enigma é decidir quando. Se imediatamente, o impacto será positivo, as vendas crescerão e, com elas, o PIB. Há uma racionalidade, mas de curto prazo, pois o vírus encontrará ambiente propício para se reproduzir. Sem isolamento, o crescimento será fugaz e com maior custo futuro. Não apenas se posterga a recessão, mas ela será mais profunda e duradoura. Teremos mais óbitos juntamente com mais desemprego. Por isso, ao final, a quarentena acarreta menos prejuízos sociais a pessoas e a empresas. O que lembra a noção intuitiva de investimento, uma escolha por desfrutar no futuro algo que se deixa de usufruir no presente.
A pressão aqui pela “volta ao normal” supera a de outros países e lembra o fascínio pelo “é pra já” arraigado na cultura brasileira. Sérgio Buarque de Holanda já percebera que o colonizador português nos legou a mentalidade do ganho rápido e até predatório, pois o desfrute seria mais tarde na metrópole. Ao contrário dos EUA, aqui não houve “Nova Lisboa” nem “Nova Coimbra”, o objetivo não era construir outra nação. As metáforas que reforçam o curto prazo e a rapidez não disfarçam: São Paulo era a locomotiva, Brasília tem forma de avião, Juscelino empolgou ao propor “50 anos em 5”. A concepção impregnou-se tanto no liberalismo caboclo como no desenvolvimentismo.
As consequências das opções de agora saberemos em poucas semanas. O isolamento social não é apenas para “aplainar o gráfico” das internações, mas a opção com resultados econômicos menos danosos no futuro, embora a tentação do curto prazo sugira o contrário.
Artigo publicado na ZH em 17/04/2020.