Uma das principais tarefas a que se propôs o novo governo estadunidense, agora sob a administração de Joe Biden, foi reativar fortemente a economia dos EUA, recolocando-a em uma rota de crescimento sustentável. A estratégia não é só de crescimento, está focada em debelar dois passivos (um sanitário, a questão da pandemia da Covid-19, e outra social, com geração de empregos e aumento dos salários e distribuição da renda). Mas também em preparar as bases do crescimento futuro, com modernização e ampliação da infraestrutura, e a chamada transição energética, no rumo de uma economia menos intensiva em uso de carbono, e em se colocar em uma posição favorável para a disputa pela hegemonia com a China, que está em curso no momento atual.

Por conta disso, a administração Biden lançou três planos trilionários. O primeiro deles, já aprovado pelo Congresso estadunidense, de US$ 1,9 trilhão centrado no combate à pandemia, aí incluída uma segunda leva de cheques de auxílio emergencial, sucedendo à primeira, disparada pela anterior administração Trump. Esses valores estão resultando em um massivo e rápido programa de vacinação, que busca proteger a população dos EUA da Covid-19 e retomar a tal da “normalidade” (uma vida mais parecida com o período pré-Covid) no menor espaço de tempo possível.

Na sequência, no finzinho de março, foi anunciado o chamado “Plano de Empregos Americanos” (“American Jobs Plan”), um massivo programa de investimentos para a ampliação e modernização da infraestrutura física e social do país, a transição energética rumo à chamada “economia verde” e também com fortes investimentos em pesquisa e desenvolvimento tecnológico.

O Plano monta a cerca de US$ 2,3 trilhões, e inclui cerca de US$ 400 bilhões de apoio a idosos e pessoas que necessitam de assistência especial. No centro do plano, além da transição energética, a busca dos empregos que lhe dá o nome, objetivando inclusive a qualificação e treinamento de uma parcela da classe trabalhadora dos EUA. Nesse sentido, Biden tem discursado o tanto quanto pode na defesa e incentivo aos sindicatos, visando reconstruir, ao menos no imaginário da população estadunidense, um universo idílico que teria existido entre os anos 1950 e 1970, quando uma massa de trabalhadores era também uma massa de consumidores vorazes a estimular a pujança econômica dos EUA.

Os investimentos são feitos em especial pelo setor público ou com recursos por ele disponibilizados no curto prazo, mas o seu financiamento vai ser estendido no tempo, a partir da elevação da tributação sobre as grandes corporações e os chamados “bilionários”, por um período estimado de 15 anos. Desse ponto de vista, o programa é também redistributivo, planeja expandir os empregos e a renda da classe trabalhadora (muitas vezes nos EUA chamada de “classe média”) e é financiado com os recursos dos setores que vêm ganhando com a concentração de renda desde os anos 1980.

O terceiro pilar do pacote apresentado pela administração Biden é um programa de US$ 1,8 trilhão, visando ampliar a chamada rede de proteção social dos EUA, bastante reduzida quando comparada, por exemplo, à de seus parceiros da EU, ou às do Canadá e Japão. Assim, está prevista a expansão da cobertura de saúde, financiamento à educação e licenças a trabalhadores. Esse programa também ainda tem que ser aprovado pelo Congresso.

Caso aprovados na íntegra, os programas vão muito além da reativação econômica ou da modernização produtiva e tecnológica, da ampliação do bem estar da população dos EUA, e além inclusive da disputa hegemônica com a China. Os programas, de fato, recolocam a centralidade do papel do Estado nos EUA, e até por isso, em uma referência ao mesmo tempo aos governos democratas de Roosevelt nos anos 1930, e à proposta de transição energética, vem sendo rotulados de “Green New Deal”.

Por outro lado, existe um forte componente de disputa social nesse momento. Os “bilionários” e as corporações não parecem dispostos a fazer as concessões necessárias a viabilizar o financiamento do programa e a redistribuição da renda nacional. Além disso, somando esses programas à multitrilionária política de expansão monetária adotada desde 2008 para salvar os aplicadores financeiros e as empresas em dificuldade da crise e retomar o cassino das finanças, o aumento da demanda parece impactar as expectativas de inflação, e evidentemente os setores sociais que se opõem aos pacotes aproveitam o fantasma da inflação para tentar recolocar esse ponto no centro dos debates, combatendo a visão geral de recuperação dos investimentos e do papel do Estado desenhada pela nova administração democrata.

Enfim, a luta social segue presente no cenário, e sinaliza que a estratégia de recolocar a gigantesca economia estadunidense para crescer de novo, com mudanças importantes, não vai se dar de forma indolor.

***

Clique aqui para ler outros artigos do autor.