Duzentos e cinquenta e um mil mortos. Camila pensa no pai. Olha para a poltrona vazia para lembrar-se dele. Morreu quando cadáveres ainda eram contados às centenas. Adoeceu, piorou, hospitalizou-se. Despediram-se com um até logo e sorriso amarelo. Da UTI, sem visita, logo veio a notícia do falecimento. Não o viu antes da rápida cremação. Pensa se o verá novamente algum dia.

Duzentos e cinquenta e um mil mortos. Armando se sente aliviado por ter tido Covid. Ficou mal. Muito mal. Achou que fosse morrer. No auge do sufocamento, ligou para a irmã. Não queria morrer sem seu perdão. No dia seguinte, começou a melhorar. Sentiu-se forte. Superior. Vitorioso onde tantos tombaram. Saiu às ruas sem medo, sem cuidado e sem máscara. Acredita que está imunizado para sempre e acha fraca essa gente que se protege. Brigou com a irmã, que lhe aporrinha pedindo que use máscara.

Duzentos e cinquenta e um mil mortos. Padre Antero está desolado. Do altar da igreja esvaziada, celebra a missa com o ritmo de sempre. Maquinalmente os fiéis respondem. Naquele dia, o rito da comunhão lhe pareceu diferente. Rogou “tende piedade de nós” com tristeza. Percebeu que naquele momento, ele é quem precisava de consolação.

Duzentos e cinquenta e um mil mortos. E daí? Flamengo campeão! Cam-pe-ão! Nada mais importa para Flávio. Desempregado pela pandemia. Sem vacina no horizonte. Abandonado pela esposa. Um derrotado. Perdedor em tudo. Pelo desfecho de um jogo que não joga, ele, que nada fez, sente o orgulho de ser campeão.

Duzentos e cinquenta e um mil mortos. Alfredo lê a notícia com apreensão. Falta só fecharem tudo de novo. Teme pelas suas lojas. No ano anterior, o lucro aumentou. Fechou por um tempo. Demitiu. Cortou o que dava. Quando reabriram, venderam bem. A internet ajudou. Não quer a agonia da incerteza novamente. Anima os empregados dizendo que se fizerem tratamento preventivo, será só uma gripezinha.

Duzentos e cinquenta e um mil mortos. Parte deles Roberto conheceu na UTI. No começo, frustrado por não ter protocolo para doença. Depois, exausto pela falta de colegas adoecidos. Tristeza quando a primeira enfermeira morreu. Pelos pacientes, não se permite entristecer. Enlouqueceria se o fizesse. Pior que as frustrações e o cansaço, são os parentes aflitos. Ameaçam para que dê Cloroquina e Ivermectina. Quando tomar a segunda dose da vacina, se tomar a tempo, talvez sinta menos apreensão. Lamenta que para ignorância não exista remédio ou vacina.

Duzentos e cinquenta e um mil mortos. Mil quinhentos e oitenta e duas pessoas mortas em um dia. No palácio, o YouTuber influencer conversa com o coronel sobre o que dizer, o que inventar. Nada! Diz o coronel que acha aquele menino mimado, arrogante e burro. Não é importante. Não é problema nosso. Ninguém liga pra isso.

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