É a economia? E qual economia?

Os números que foram divulgados para o desempenho econômico de 2024 não são ruins. Houve o maior crescimento dos últimos anos desde 2011, se excluirmos os 4,8% de 2021, impactados pela marcha a ré de 3,3% de 2020, em função da pandemia. Embora não seja nenhuma maravilha, o crescimento do consumo das famílias e do investimento avançou, e o crescimento, motivado por esses componentes, só não foi maior porque parte da demanda doméstica foi transferida ao exterior por conta de um aumento importante (14,7%) das importações.

O PIB per capita cresceu 3%, o que não é pouco (com a população crescendo muito pouco, o PIB per capita passa a crescer muito próximo do PIB). A inflação ficou muito pouco fora do teto da meta (e deve-se levar em consideração que a meta fixada é bem pequena, 3% ao ano) e o déficit fiscal foi “um beicinho de pulga”, para usar uma expressão que indica um pequeno valor decimal. Desemprego em seu menor nível desde que a nova metodologia foi utilizada, salário mínimo crescendo razoavelmente depois de seis anos sem reajuste. Um sucesso?

Bem, a primeira coisa é olhar se de fato esses números significam alguma coisa para um eleitorado que, pelas pesquisas, se afasta do atual governo, embora ainda mantenha Lula com capacidade competitiva grande. E aí, fomos brindados nas últimas semanas com algumas frases de efeito revividas, que ajudam a explicar a percepção da maioria do eleitorado.

Ninguém come PIB. Essa noção é essencial. O PIB (assim como a inflação) é abstrato para a maioria dos cidadãos e cidadãs do país. O essencial é o acesso aos bens e serviços que são produzidos.

E aí começam os problemas. Alguns dos bens essenciais para a população mais pobre, como alimentos, subiram de preços, ou não subiram, mas ficaram em patamares extremamente elevados (diga-se a verdade, estão nesses patamares em boa parte do mundo desde a pandemia, como vez ou outra acaba sendo divulgado na grande imprensa). Os bens importados, ou que podem ser comercializados internacionalmente (e aqui temos uma série de alimentos, como carnes, soja e derivados, leite e derivados, café, milho e cadeias produtivas que demandam milho, como a de alimentos, e outros) viram seus preços subirem fortemente com a escalada do valor do dólar dos EUA no fim do ano passado (o dólar recuou bastante no início desse ano, mas esse efeito nos preços recua mais devagar, ou nem recua).

Viagens internacionais, passagens aéreas e azeite ficaram caros para a classe média. Planos de saúde sobem mais do que a inflação, atingindo também a classe média. Enfim, a sensação para os mortais comuns é que esse crescimento ocorrido não se refletiu em melhora na qualidade de vida de boa parte da população.

A minha inflação é muito mais alta do que a dos índices. Sim, como foi dito antes também, a inflação é um conceito abstrato. A inflação é uma média ponderada do crescimento dos preços. Esse conceito é construído através de uma pesquisa de orçamentos, uma média da participação dos diversos gastos nos orçamentos das famílias, e a partir daí se faz uma média da subida dos preços ponderada por essa participação.

Mas a inflação de fato será sempre sentida individualmente. Se você tem casa própria e os aluguéis subiram, isso vai impactar a inflação, mas você não vai sentir. Se os preços da carne subiram e você é um voraz carnívoro, e sua família consome muito mais carne do que a média das famílias, isso vai te impactar muito mais do que a inflação medida. Se você toma muitos remédios, e os remédios subiram de preço, vai também te impactar muito mais do que a inflação que será apurada, já que seu consumo é maior do que a média. Se você não come fora de casa e os preços de refeições fora de casa subiram muito, isso vai impactar a inflação medida, mas não vai te impactar. Se as mensalidades escolares subiram, mas você não tem filhos na escola privada, isso impactará a inflação, mas não o seu orçamento. Portanto, quando se fala de inflação, é muito comum as pessoas desconfiarem das taxas apuradas, pois a realidade de cada família é diferente dessa média que embasa o cálculo da inflação.

Mas aqui tem um outro problema: a inflação mede a velocidade de crescimento dos preços. Se os preços não estão crescendo, a inflação pode ser próxima de zero. Mas eles podem já estar muito altos, e as pessoas misturarem os conceitos de preços altos com inflação. Em 2020, com a pandemia, por escassez de alguns produtos, os preços subiram muito. Na sequência, eles não caíram. Os preços pararam de subir, mas eles seguiram altos. Não tem aumento de preços nesse caso, mas nem por isso os preços deixam de estar altos. Para o cidadão comum, não vai adiantar você dizer que a inflação está baixa, pois o preço alto lhe dificulta o acesso ao produto. Do ponto de vista da vida cotidiana, ambas as sensações – os preços dos produtos que você consome muito subirem mais do que a média dos produtos, ou os preços dos produtos que você consome ou gostaria de consumir estarem caros, embora os seus preços não sigam subindo – são desconfortáveis para o consumidor, e causam impacto negativo.

Assim, as sensações (desconfortáveis) que as pessoas têm dependem menos de números agregados (como o do crescimento do PIB) e são bastante abstratas. Ou seja, mesmo as sensações econômicas são bastante sujeitas a movimentos fortes de formação de opinião, e precisam ser disputadas.

Assim como em outras disputas subjetivas feitas pela grande imprensa e/ou redes sociais, a posição pró-governo está perdendo esta das sensações econômicas. É preciso ter clareza desse jogo para entrar na disputa em melhores condições.

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Os artigos representam a opinião dos autores e não necessariamente do Conselho Editorial do Terapia Política. 

Ilustração: Mihai Cauli e Revisão: Celia Bartone
Leia também “PIB, emprego e popularidade”, de Paulo Kliass.