Em artigos anteriores, neste Terapia Política, examinamos os eixos analíticos população e espaço, estratificação social, economia e relações com o país e o mundo referidos aos domínios cariocas. Já a reflexão que segue tratará das políticas públicas necessárias para o alcance de maior dinamismo econômico, justiça social, equilíbrio espacial, protagonismo ao nível das lutas federativas nacionais e representatividade internacional da unidade federativa supramencionada. Vale aqui uma adição: tal análise será voltada centralmente para a atual contemporaneidade.
Do ponto de vista do primeiro eixo foi mostrado que nos três primeiros séculos a população e o espaço cariocas apresentaram performances de crescimento bastante modestas. Também mostramos que esses dois aspectos apenas passaram a se expandir mais significativamente a partir dos séculos seguintes – o XIX e o XX. Mostramos igualmente que nesse último a população carioca alcançou a marca aproximada de 6 milhões de habitantes e que praticamente todos os seus espaços foram ocupados.
Dado o exposto, defendemos que a maioria das políticas públicas estão condenadas ao fracasso se considerado apenas o município-sede e não toda a área metropolitana que ele nucleia. Mais precisamente: que é imperioso levar em conta nas práxis governamentais atuais não os aproximados 6,748 milhões da cidade (dados de 2020) e sim os 13.131.590 milhões (idem) da região metropolitana em questão. Nesses termos, entendemos – é trivial – que o Rio do istmo de terra da Urca e mesmo o do Morro do Castelo do início do século XVI, onde ele nasceu, em nada se parece com o Rio contemporâneo ocupado praticamente em todos os seus domínios – processo estendido, reiterando, para o seu entorno metropolitano.
Em complemento, dadas as seculares políticas públicas insuficientes, inadequadas ou mesmo irresponsáveis, apontamos que essa cidade cresceu gerando enormes diferenciações sociais e espaciais. As expressões materiais da segregação classial urbana (as favelas), os recorrentes engarrafamentos, a precariedade da oferta de diversos serviços públicos (água, coleta de lixo, saneamento básico etc.) são evidências concretas da sua problemática história, em especial do século passado e destas duas primeiras décadas deste novo século. Em suma: essas simples menções desvelam claramente o tamanho, a gravidade e a urgência dos desafios a enfrentar nos tempos correntes no que trata do eixo em exame.
Em reforço, vale considerar os problemas que seguem: a) apesar do anotado espraiamento espacial da cidade do Rio de Janeiro, o afluxo diário de parte da população carioca e da que reside nos municípios a ele conurbados rumo ao seu tradicional centro histórico continua extremamente intenso (dentre outras coisas, vide a questão da mobilidade urbana e a da poluição ambiental.); b) diversamente do que veio de ser assinalado, com o avanço notável do trabalho em “home office” derivado da Covid-19, importante não perder de vista que esse mesmo centro histórico pode vir a sofrer algum esvaziamento no “day after” dessa pandemia; c) em que pese a notável edificação do Rio, mister observar que subsistem lugares desocupados (terrenos e imóveis) que poderiam ser considerados para fins de políticas de desenvolvimento econômico, especialmente as de multinucleação da capital, tão importantes para a redução do tempo de deslocamento casa – trabalho – casa da população trabalhadora (como sugerido em a); e, d) também é digno de consideração a adoção de políticas habitacionais transcendentes à construção de moradias, posto que não sendo mais cabível as autoritárias e brutais políticas de remoção do passado, de modo a focar com a devida urgência a melhoria das condições de existência das áreas já urbanizadas, bem como ocupar popular e dignamente os aludidos vazios (urbanos, edificados ou não).
Do ponto de vista do segundo eixo, o da estruturação social, a existente em seus primeiros dias sequer se mostra pálida referência quando contraposta a dos tempos presentes. A amplitude da atual divisão social do trabalho revela não apenas o quanto houve de mudanças desde então, mas sobretudo a enorme diferenciação social contemporânea – seja em termos de acesso à renda e à riqueza seja ao poder. Os inúmeros e notáveis problemas expressos na favelização, no número expressivo de pessoas vivendo nas marquises da cidade, nas precárias condições de reprodução até mesmo alimentar de dados contingentes populacionais etc. coexistindo com os condomínios de luxo e altos padrões de consumo evidenciam a extrema ‘assimetria’ societária existente. O que fazer? Do ponto de vista do poder público municipal, além de se engajar nas grandes lutas pela repartição mais equânime da renda e da riqueza sociais, entendemos que ele deveria se dedicar diuturnamente à provisão dos serviços públicos de uso coletivo para as maiorias, notadamente nos espaços ocupados pelas pessoas que mais deles necessitam. Afinal, o Rio precisa ser de fato e não apenas no discurso um bom lugar para se viver – para todos!
Do ponto de vista do terceiro eixo, o das relações com o país e o resto do mundo, o Rio, que assumira durante anos expressivo protagonismo em termos internacionais e centralidade ao nível da federação brasileira, perdeu parte significativa desses atributos ao longo do século XX. Defendemos em artigo anterior que não resumimos tal perda à saída da capital federal para Brasília, embora, claro, ela tenha contribuído marcadamente para tal. Explicando: a longeva fragilização econômica do Rio de Janeiro, cidade e principalmente do estado, iniciada a partir do último quartel do século XIX, aliada à miopia das suas elites, sobretudo das econômicas e políticas, foram decisivas para a sua ‘produção’. Por conseguinte, como não poderia deixar de ser um dia essas históricas fragilizações estruturais teriam que mostrar toda a sua gravidade. E foi isso que aconteceu a partir do final do século passado, em especial nos 1980’s.
De outra forma: o Rio signo e utopia da nacionalidade definitivamente se desvaneceu. Dentre outras expressões desse processo vale sublinhar, enquanto síntese, a larga disseminação da tese-discurso de que o Rio decadente e violento não seria mais um bom lugar para se viver e, do ponto de vista empresarial, para ‘empreender’.
Aliás, como desdobramento desse estado de coisas, não foi à toa que nas eleições municipais dos anos 1990 ganharam corações e mentes discursos orientados para o Rio Local. Verbalizava-se que o Rio Nacional só produzira resultados negativos e que era preciso focar no ‘nosso quintal’. A realidade, todavia, sem prejuízo da efetiva necessidade dos cuidados intraurbanos, é que nesse processo o Rio foi sendo apequenado nacional e internacionalmente! É fato que os esforços mais recentes de afirmação da marca Rio nesses planos (o nacional e o internacional), como aconteceu no período dos grandes eventos esportivos, contribuíram para a potencial reversão do que veio de ser apontado. No entanto, infelizmente, aquele momento foi passageiro.
A realidade é que dada a enorme importância econômica de São Paulo, imbricada marcadamente com o poder político desde os anos 1990, assim como a falta de uma visão mais estratégica do lugar do Rio no país e no mundo posicionaram enormes dificuldades para que ele possa vir a reassumir algum protagonismo, seja internamente ao país seja na escala-mundo (como se assinalou).
Do ponto de vista do quarto eixo, o das relações econômicas, mostrou-se que o extrativismo do pau-brasil, a incipiente agricultura de alimentos, a precária produção de outros gêneros de primeira necessidade, como o velho porto e entreposto comercial não mais existem. Ainda: a cidade continua fragilíssima no que trata das atividades agrícolas e pecuárias; e, a produção de outros gêneros de primeira necessidade, como antes, tampouco é suprida na sua inteireza pela oferta doméstica (antes pelo contrário). Também chama negativamente atenção a perda do mercado financeiro (desde os anos 1980) que migrou para o estado de São Paulo, com destaque para o fechamento mesmo da Bolsa de Valores sediada no Rio.
E para piorar essa cena temos uma questão nevrálgica: a expressiva redução da importância da indústria propriamente dita (tão decisiva para qualquer projeto sério de expansão econômica que se queira sustentado no tempo) – e isso mesmo que ampliemos esse seu espaço, analiticamente, incluindo os municípios a ele conurbados.
Não obstante esses senões, cumpre ressaltar que a atividade portuária continua sendo importante, que ela foi bastante modernizada e que não é mais adstrita a alguns poucos produtos como no seu passado mais remoto. Nessa linha, acrescente-se a expressiva magnitude do comércio, conquanto em regra assentado em postos de trabalho mal remunerados, uma vez ser ele espalhado por praticamente todos os bairros do Rio, bem como a existência em seus domínios da oferta de serviços altamente especializados. É igualmente digno de menção o tradicional e importante setor de turismo e hotelaria a apoiar com as devidas políticas públicas, principalmente as ligadas às melhores e mais importantes atividades culturais tão características do Rio.
Voltemos rapidamente à questão industrial. Dada a importância que a ela atribuímos para efeito do ‘desenho’ de uma efetivo projeto de desenvolvimento, defendemos que esse temário seja considerado em vista dos municípios conurbados ao Rio, posto que, afora as terra ali ainda disponíveis, poder-se-ia assim contribuir para parcela importante da região metropolitana fluminense em termos fiscais, de geração de renda e emprego e mesmo para a já referida polinucleação da população/espaço (nesse caso, reduzindo as distâncias a percorrer por parte da população trabalhadora e dos cotidianos engarrafamentos provocados pelos caminhões de carga nas áreas de maior densidade viário-automobilísticas). Adendo: essa questão, a industrial, nesses novos tempos, deve passar necessariamente pela criação de cadeias produtivas mais próximas dos interesses e demandas da população, como o são, por exemplo, as de saúde, as de habitação, as educacionais etc.
Por fim, dado esse mar de problemas acumulados, em perspectiva mais ampla defendemos especialmente nesse ponto analítico: a) a construção de alianças republicanas com todos os entes federativos de acordo com a escala das práxis dos problemas que se apresentam. Nesses termos, recorde o leitor que isso (em algum grau) foi feito na primeira década deste novo século e que seus resultados no Rio, principalmente na cidade e em parte do estado, foram muito positivos; b) a realização de oposição firme à perspectiva neoliberal na medida em que ela incide perversamente sobre a economia carioca e a de toda a ‘sua’ região, notadamente no que concerne às suas finanças públicas. Vide a esse respeito a questão da regressiva estrutura tributária brasileira e seus impactos sobre as finanças estaduais, assim como a política de ajuste fiscal determinada pelo governo federal e passivamente aceita pelos governos estaduais – os dois anteriores e o atual; e, c) a criação de uma estrutura institucional de planejamento e execução bem definida de Políticas e Gestão Metropolitana Fluminense, dada a tantas vezes aqui referida conurbação do Rio com seus muitos municípios vizinhos.
* Este artigo constitui versão modificada do capítulo 9 do livro O desenvolvimento brasileiro recente. Clique aqui para uma resenha ou adquirir o livro.