A crise econômica que eclode em 2013-14: algumas evidências do esgotamento

De certa maneira, dados os investimentos realizados no período 2005-2013 – em larga medida promovidos por conta do apoio financeiro do governo federal -, pode-se dizer que o evento Copa do Mundo de Futebol foi a última página do ‘milagrinho’ econômico do estado do Rio de Janeiro (ERJ). Enfim, a partir tudo começou a mudar.

Embora de modo não-exaustivo e nem adstritos à dimensão tributária ou mesmo fiscal (que engloba a primeira dimensão), ilustrando, vide os fatos que segue (dentre outros): houve retração na cotação internacional do barril do petróleo, o início do ciclo descendente da produção verificada nos campos maduros da Bacia de Campos dos Goytacazes e, ‘por tabela’, sérios impactos negativos sobre a distribuição de royalties para os cerca de 2/3 dos então 91 municípios do estado (agora, eles são 92) que recebiam esses recursos (e para o próprio ente governo estadual, por suposto); com a crise econômica nacional e o ajuste fiscal promovido naquela época pelo governo central, houve importante retração dos repasses da União para a unidade federativa em questão – assim como para todas as demais; dados os efeitos negativos em tela, igualmente foi reduzida a arrecadação e a consequente destinação do ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços) para os estados e municípios, posto que ele está umbilicalmente associado ao chamado Nível Geral da Atividade Econômica – vale assinalar que esse imposto representa cerca de 51% do bolo tributário total arrecadado no país; e, em complemento, anote-se os generosos e fartos subsídios concedidos pelo governo estadual ao setor privado que, evidentemente, também contribuíram para o agravamento da situação fiscal do ERJ.

Igualmente não de maneira exaustiva e tampouco limitado ao aspecto produtivo, também ilustrando, observe-se os seguintes fatos (igualmente dentre outros): houve naquele tempo histórico paralisia generalizada das obras públicas, como exemplificado pela da subida da serra de Petrópolis, a da segunda alça do Arco Rodoviário Metropolitano etc. que, por sua vez, geraram efeitos perversos sobre o nível de emprego da população e da massa salarial (diminuindo assim o consumo assalariado e a produção dos bens que integram a cesta de consumo dos trabalhadores, notadamente os de menor poder aquisitivo); adicione-se na composição desse quadro a nomeada Operação Lava Jato, uma vez que ela impossibilitou os gastos de empresas importantes, como o são, por exemplo, a Petrobras, as grandes firmas de engenharia pesada etc. (novamente impactando negativamente sobre o emprego e a massa salarial, além da própria arrecadação tributária etc.); o fim da política de conteúdo local, um pouco mais adiante (governo Temer), relativa ao setor de petróleo e gás, que contribuía de maneira extremamente positiva para o encadeamento produtivo (com reflexos perversos sobre a indústria naval, a petroquímica e a infraestrutura), foi uma espécie de pá de cal no anterior dinamismo econômico fluminense.

Mencione-se ainda, posto atuar decisivamente sobre a reversão econômica ora em exame, a queda pronunciada da renda e do emprego desencadeada pela crise nacional. Diante do conjunto dos apontamentos antes exarados uma série de narrativas, com pretensões explicativas, vieram/vêm à tona. Como segue.

A crise econômica e os diagnósticos histórico-estruturais

I Narrativas histórico-estruturalistas, mas escapistas
I.a A crise derivaria das perdas do Estado do Rio de Janeiro com a transferência da capital para Brasília.

Entendemos que é preciso colocar tal evento em seu devido lugar. Afinal, dizer que ela impactou de maneira negativa a sociedade e, em especial, a economia fluminense não equivale entendê-la fundante para a explicação da crise manifesta em meados dos últimos anos dez. Afinal, a economia fluminense já experimentou conjunturas econômicas de crescimento da renda e do emprego no período que vai da referida transferência até o biênio 2013-14. Isto posto, defendemos que a consideração analítica e política desse fato histórico, que volta e meia aparece em cena como uma espécie de maldição eterna, deve sê-lo não para a explicar causalmente a presente crise econômica, mas sim, dados os efeitos gravosos que suscitou (a serem bem examinados), no bojo da rediscussão do problemático arranjo federativo brasileiro. É dizer: tal fato deveria ser repensado no âmbito do ‘desenho’ de um amplo pacto federativo, tendo em vista o desenvolvimento do país como um todo e o das suas diversas unidades federativas.

I.b A crise seria não apenas advinda da fusão, como dos problemas que ela teria implicado na metrópole fluminense.

Como no item anterior, entende-se que esse evento não pode ser invocado como explicação determinante da atual crise econômica fluminense. Afinal, uma coisa é dizer que o evento em questão provocou perdas econômicas ao longo do tempo (?) e outra é atribuir a ele caráter causal da crise ora em exame. Ilustrando, vale lembrar que: a) durante cerca de duas décadas a economia petrolífera do Norte do estado rendeu bilhões de reais aos cofres do estado e da região em questão; e, b) no que trata especificamente do entorno metropolitano vale sublinhar que esse espaço já era degradado ou estagnado desde o final dos ciclos agrícolas da passagem do século retrasado para o passado (como o da laranja, por exemplo, bastante presente no então gigante município de Nova Iguaçu de antes das emancipações dos anos 1990 – a esse respeito, vide Oliveira, 2010a).

Ainda: c) em complemento registre-se sua histórica secundarização econômica pelo ex-distrito federal e atual capital do ERJ, expressa na megacefalia dessa fração territorial no seu âmbito regional e mesmo estadual; d) também em complemento, sublinhe-se o preço relativamente baixo das suas terras que, assim sendo, atraíram para seus domínios uma população de limitado poder aquisitivo e conformaram uma ocupação social segregada típica da chamada baixa renda (incluindo-se aí os direitos sociais básicos); e, e) ademais, como corolário, o posicionamento societário típico do mandonismo coronelista – de longa data, vale a ênfase, com sérios rebatimentos sociopolíticos etc. que em nada contribuem para o desenvolvimento em geral dos seus municípios e/ou espaços.

Por conseguinte, se é para trazer à baila a questão metropolitana (e ela deve sê-lo), transcendendo a crise ora em tela, melhor perseguir outras discussões, tais como a da histórica megacefalia do município-sede, a da ausência ou inoperância de fóruns e instâncias governamentais de gestão metropolitana, bem como de fundos específicos para o chamado desenvolvimento regional de âmbito estadual etc.

I.c A crise econômica (e da própria sociedade como um todo) derivaria da falta de instituições adequadas.

Amparada no neoinstitucionalista Douglas Northb, essa tese diagnostica que o estado, notadamente sua capital, apresenta pelo menos desde os anos 1960 instituições frágeis; e que, desse modo, tal processo teria alcançado – e de fato alcançou – negativamente as dedicadas ao estudo e à elaboração mais acurada de propostas concernentes ao desenvolvimento fluminense. Nesse contexto, o golpe político-militar de 1964, que retirou arbitrariamente da vida pública uma série de inteligências, limitou o surgimento de quadros de Estado, bem como de adequados aparelhos de Estado atuantes em prol do desenvolvimento do estado fluminense (…).

Sublinhe-se que os autores deste artigo não alienam das suas reflexões a importância das instituições na vida societária de qualquer recorte geográfico/político-administrativo, mas que igualmente entendem que tal recurso, o da consideração das fragilidades institucionais do estado, tampouco merece a centralidade que lhes é por vezes concedida para efeito da determinação da crise econômica em questão. Aqui, como anotamos no subitem anterior, apesar dos pesares, importante ter em conta esse temário para fins do ‘desenho’ de um projeto de desenvolvimento que mereça de fato essa nomeação.

II Narrativas histórico-estruturais mais “acerca” da realidade, mas também escapistas 

II.a A crise econômica seria derivada da falta de uma estrutura econômica encadeada e competitiva.

 Essa tese vai ao encontro do que se alinhou na primeira seção. Vale dizer: a estrutura industrial fluminense é desde sempre frágil/pouco encadeada, mas com a crise econômica nacional (em especial, a do financiamento público federal) e dadas as amplas e profundas mudanças tecnológicas advindas com a chamada Terceira Revolução Científica e Tecnológica, ela mostrou definitivamente toda a sua histórica fragilidade. Ou seja: seu limite no sentido de garantir algum ‘colchão amortecedor’ para a economia estadual, em qualquer tempo histórico, dados os seus quase inexistentes encadeamentos internos (ao estado). E isso, como acontece no âmbito do país como um todo, bloqueia qualquer projeto de expansão econômica sustentado no tempo na medida em que implica o agravamento das contas externas e/ou a migração de renda para outras localidades – no âmbito nacional, notadamente para São Paulo -, afora a geração de postos de trabalho e uma arrecadação tributária que ‘some’ de maneira a garantir a expansão referida por períodos mais longevos.

Não obstante, o agravamento desse aspecto, o da alavancagem de uma estrutura industrial efetivamente encadeada, que até vinha de alguma maneira acontecendo, não há como atribuir-lhe caráter determinante, no nosso entendimento, por suposto, à crise econômica manifesta em 2013-14.

II.b  A crise econômica seria a resultante dos graves problemas fiscais existente.

Esta tese é um dos pilares para a discussão sobre o desenvolvimento sustentado da economia e do próprio estado como um todo. E aí, sem prejuízo de inciativas pontuais, inscrevem-se questões como as que seguem: a do ICMS, que além de penalizar a produção e o consumo, criou uma excepcionalidade que muito prejudica o ERJ, a referida aos casos de energia e gás (cobrança no destino); a do REPETRO (Regime Aduaneiro Especial de Exportação e Importação), que implica em perda de receita pública, dada a anistia fiscal que esse Regime concede, prejudicando especialmente o estado do Rio de Janeiro; na draconiana e neoliberal política de ajuste denominada de política de recuperação fiscal firmada entre os governos estadual e federal (que inclui a venda de ativos públicos) (…). e, é trivial, na indispensável rejeição das políticas neoliberais na medida em que elas apenas produzem crise econômica, queda da arrecadação e dos repasses tributários.

Nesses termos, cumpre examinar quais são os problemas tributários e, em plano mais geral, fiscais do ERJ. Alguns já foram assinalados (REPETRO e ICMS sobre o petróleo e gás no destino) e outros devem ser arrolados, como os passivos da União com os governos estaduais por conta da Lei Kandir, a  distribuição dos royalties no país – não esquecendo, dentre outras questões, o que antes foi denominado de a farra dos subsídios (tema esse ao qual voltaremos em seguida).

Neste item, vale sublinhar que há aspectos novos, mas também anteriores à crise em exame. Sendo assim, o nomeado problema fiscal não pode ser responsabilizado na sua inteireza pela crise supramencionada. No entanto, considerados os fatos novos surgidos com os sucessivos ajustes fiscais promovidos pelo governo central desde o biênio em questão, mister apurar melhor esse item – como o faremos logo adiante.

III Narrativas conjunturais determinantes da crise em tela

III.a A crise econômica seria o resultado do agravamento má gestão, dos efeitos nefastos da Lava Jato e da farra dos subsídios.

Este artigo defende que a corrente crise econômica guarda estreita relação com os efeitos perversos alinhados; e.g., posto serem eles determinantes. É dizer: a inequívoca má gestão dos recursos públicos (quer em termos de eficiência quer de eficácia), a derivada do que muitas vezes se denomina de farra fiscal (em especial no governo Sérgio Cabral) e os sérios danos sobre a economia do estado por conta da referida Lava Jato (notadamente nos negócios relativos às empresas de engenharia pesada, e de petróleo e gás, dentre outras) foram fatais para a economia fluminense, dados os fatores estruturais antes alinhados. Por conseguinte, cabe reconhecer que seus malefícios não podem ser deixados de lado na elaboração de um consequente diagnóstico e na formulação das devidas políticas orientadas para o seu desenvolvimento. Ou seja: que esse desenvolvimento passa pela questão fiscal (muito grave); pela construção de meios e maneiras de viabilização dos investimentos das aludidas empresas localizadas em seus domínios; e, pela busca de uma gestão efetivamente republicana e comprometida com o desenvolvimento sustentado e sustentável do ERJ. Mais importantes: os três aspectos antes alinhados definem fatos novos, quer por serem inteiramente novos mesmos ou por suas mudanças qualitativas graças à explosão do descontrole fiscal daquela conjuntura, daí o nosso entendimento de suas centralidades explicativas.

III.b Os descaminhos da política econômica do governo central.

Apesar dos limites ortodoxos presentes na política econômica empreendida nos governos Lula, ela acabou por levar, dada a conjuntura internacional, ao crescimento da economia brasileira e à redução – em algum grau – da desigualdade da renda e da riqueza existente entre os brasileiros. No entanto, no governo seguinte, da presidenta Dilma Rousseff, a troca dos sinais dessa mesma política econômica (de corte do crédito, da contração das políticas de renda e do investimento público), dado o cerco político-midiático-judicial então empreendido, acabou por derrubar o anterior crescimento econômico. O choque então empreendido, ainda mais para uma economia com os graus de dependência da fluminense em relação à União, foi decisivo, ao lado do aspecto sucintamente referido em III.a, para a reversão em exame neste artigo/reflexão.

Conclusão

‘Resumo da ópera’: a economia fluminense apresenta históricos problemas estruturais que urgem serem enfrentados, como referidos em I e II. Sendo assim, ou seja, dadas as graves fragilidades longevas aqui enunciadas, entendemos que os fatores intervenientes que levaram à pronunciada derrubada da mencionada economia foram mesmo os aspectos enunciados em III.a (O agravamento da má gestão, os efeitos nefastos da Lava Jato e a farra dos subsídios) e III.b (Os descaminhos da política econômica do governo central).

No próximo artigo examinaremos as propostas que entendemos necessárias para o soerguimento econômico sustentado do estado.

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Os artigos representam a opinião dos autores e não necessariamente do Conselho Editorial do Terapia Política. 

Ilustração: Mihai Cauli
Clique aqui para ler o artigo de Alexandre Freitas “Os descaminhos do desenvolvimento do Rio de Janeiro”.