A dinâmica da economia é fundamental tanto para quem se aventura em seu estudo como profissional quanto para o cidadão (especialista ou não) que busca entendê-la de sorte a pelo menos se proteger das mudanças conjunturais, bem como antever suas possíveis tendências. Mas se isso é necessário para a maioria das pessoas, logo elas se deparam com a seguinte pergunta: em que economista e/ou escola de pensamento econômico ou em que diagnóstico e recomendação acreditar? É exatamente aí que mora o perigo. Por que? Porque como reza antiga ‘piada’ a reunião de três economistas quase sempre resulta em três diagnósticos e recomendações distintos – quando não antagônicos. De outra forma: a Economia é um campo de batalha.

Avançando a análise, neste embate cada um dos partícipes esgrime seus argumentos ‘falando’ a partir de referências que vêm do passado, sublinhando-se aí o fato de todas elas serem prenhes de metodologias, conceitos e visões de mundo particulares ou mesmo singulares. Assim sendo, pode-se afirmar que as ‘falas’ dos economistas modernos, além de diversas e conflitivas, são no limite não-autorais, posto que as assinaladas referências seguem ‘vivas’ – refinamentos e contribuições específicas à parte. Não é para menos, pois as determinações estruturais do capitalismo não só não se alteraram (vide a lógica da valorização do capital, a instabilidade macroeconômica, a mudança estrutural via inovação tecnológica etc.) como já foram teoricamente elaboradas. Não fora suficiente, o núcleo dos embates que os economistas travam ‘desde sempre’ permanece o mesmo, a saber: o que envolve a relação Estado versus Mercado. Tudo isso, enfatizando, apesar das mudanças verificadas nos seus 250 anos de existência (1770-2020).

Isto posto, coloca-se o seguinte: a Economia é uma terra de ninguém? Cada economista tem a sua verdade e estamos conversados? Absolutamente não. Entendo que há aqui dois aspectos decisivos a considerar. O primeiro diz respeito ao fato de todos os seus aportes serem inescapavelmente ideológicos. Ou seja, dos mercantilistas da transição do feudalismo ao capitalismo aos neoclássicos contemporâneos, os chamados neoliberais, passando por List, Marx, Schumpeter e Keynes, dentre outros, todos expressam determinadas visões de mundo. Ilustrando, tenha-se em conta o fato de as suas análises e propostas apontarem para projetos societários diversos (não pela ordem), tais como: o liberal, o nacionalista, o socialista, o social-democrata.

Já o segundo aspecto diz respeito à seguinte pergunta: dado serem eivados de visão de mundo, os aportes dos economistas são inexoravelmente não-científicos? Estão eles impossibilitados de ocuparem o mesmo lugar no pódio da ciência tal e qual as leis da Física (por exemplo)? Entendo que a resposta a essa pergunta é negativa. Isso ocorre porque o crivo de cientificidade das Ciências Sociais (CS), Economia inclusa, é diferente da disciplina antes assinalada. Ora, então o que o economista possui para validar suas teorias, diagnósticos etc.? Seu crivo de cientificidade é um e apenas um, e bastante singular, o da realidade. Logo, resta-lhe somente provar que a sua práxis contribui para o desvelamento da aludida realidade – o que, por suposto, nem sempre acontece. Numa frase: todas as teorias, proposituras e políticas concretas dos economistas são ideológicas, mas apenas algumas delas, dada a prova sugerida, galgam o “status” da cientificidade.

Muitos exemplos poderiam ser aqui alinhados. Vejamos apenas dois (bem ilustrativos): o da inflação e o da dívida pública. No primeiro caso, os economistas de extração teórica neoclássica (TN) defendem o corte da chamada demanda agregada no suposto de que ele (oferta dada) levaria à queda geral dos preços; já os economistas heterodoxos (críticos dos neoclássicos e que reúnem aportes que podem ir de Marx a Keynes…) entendem que esse corte tende a reduzir apenas os preços dos setores competitivos, mas não os dos oligopólios que, ao reverso, podem até aumentar de maneira a pelo menos manter suas anteriores margens de lucro por conta da redução do número de produtos ou serviços vendidos. Portanto, não somente a queda generalizada dos preços não ocorreria como penalizaria os pequenos e médios ofertantes, como ainda os compradores dos produtos disponibilizados pelas empresas dos referidos setores oligopolizados.

No segundo caso, o da dívida pública, enquanto os economistas neoclássicos defendem o corte dos gastos sociais preservando os financeiros, os mais pesados nos orçamentos públicos da maioria dos países, seus adversários apontam as baterias para as assinaladas despesas financeiras – aliás, o que faria qualquer pessoa física ou jurídica endividada. Enfim: os autores e exegetas da corrente teórica neoclássica, além de recomendarem perversidades sociais, o fazem a partir de premissas falsas por conta de suas visões de mundo/interesses que defendem. Nesses termos, eles são apenas ideológicos…

Face o exposto, não subsiste qualquer dúvida: há práxis mais “acerca” da realidade e outras não. Por que isso acontece? Isso acontece por conta da natureza ideológica de cada uma das formulações. Melhor: por que, ilustrando de novo com a Física, quando dada formulação demonstra que a outra está errada ou é insuficiente ela não passa a ocupar o seu lugar? Em Economia, infelizmente (sic), as elaborações que expressam a ideologia hegemônica do modo de organização da vida social dominante, o capitalismo, são resilientes. E esse é o caso da TN. Em uma primeira aproximação, dadas as suas metodologias, premissas e propostas, esse fato ocorre porque ela é uma das formas de existência da própria ideologia do sistema em tela (como o são as suposições do livre mercado, do indivíduo-sujeito, da maximização da eficiência econômica, da legitimação de todas as remunerações etc.). Não fora bastante, o liberalismo traz consigo referências progressistas do passado (na sua contraposição ao feudalismo), como a liberdade, a tolerância, o individualismo e a limitação do poder. Daí derivando, por suposto, sua robustez político-ideológica.

Dessa maneira, na sua aderência-‘colagem’ a aspectos centrais dos valores burgueses e no anúncio de uma espécie de terra prometida, dada a suposta virtude sintetizada no termo livre mercado, ela desfere seu golpe final: a naturalização da propriedade privada e da busca pela maximização do lucro. Em suma, é disso que o liberalismo econômico trata e propugna queiram ou não seus formuladores e propagandistas de ontem (economistas clássicos e neoclássicos) e de hoje (economistas neoliberais).

Importante registrar nesse ponto da análise que o “mainstream” neoclássico atualizado enquanto doutrina neoliberal, tão presente na vida mundial contemporânea e em especial na brasileira – aliás, de longa data -, no entanto não logra arrancar a economia da sua já longeva e estrutural crise em termos de geração de emprego e renda. Pior, porque mesmo assim ele continua sendo propagandeado pelos analistas ditos especializados da mídia corporativa e ensinado com ares de cientificidade em boa parte da academia, bem como sendo A Referência Básica das práticas de sucessivos governos – aqui e alhures. Ou seja: o retumbante fracasso no enfrentamento da anotada crise nem de longe é valorado pelos sujeitos mídia corporativa, parte da academia e dos governos mundo afora – ao contrário, eles insistem em mais do mesmo (mercado, mercado e mercado, bradam).

Nesses termos, inexorável voltar ao tema da resiliência da TN. Dado o já assinalado sobre ela (as duas explicações anteriores), cabe aqui uma adição: a doutrina em questão e suas propostas de política econômica se mantêm vivas e fortes porque ‘atendem’ exitosamente à forma de existência do capital dos tempos correntes, o capital financeirizado (conforme o léxico pós-keynesiano). Dito isso, em coro com a professora Conceição Tavares, entendo que o mais honesto seria voltar à época dos economistas clássicos e adotar a nomeação de então para a ‘nossa’ Economia: Economia Política. Por que? Porque essa mudança contribuiria para a desmistificação da sua natureza mais íntima, posto que ‘fazer economia’ é fazer escolhas teóricas e práticas – afinal, não há caminho único para o desenvolvimento econômico e mesmo para o societário.