Crescimento da economia surpreende

Uma história contada através dos séculos, e não comprovada, diz que o cientista Galileu Galilei, pressionado pela Santa Inquisição da Igreja, teria renegado no tribunal da Inquisição sua visão de que a Terra giraria em torno do Sol, o que contrariava os dogmas religiosos àquela altura. Mas, ao final do processo, teria pronunciado uma curta sentença, “Eppur si muove”, indicando que seguia acreditando que a Terra se movia. Como se costuma dizer, se não é verdade, é uma boa história.

Gasto um parágrafo deste curto texto com essa velha história para falar sobre a economia brasileira. Apesar de todas as dificuldades, ela, aparente e lentamente, começa a se mover, depois de todas as expectativas negativas para esse ano, que tiveram enorme divulgação pela evidente má vontade dos formadores de opinião da grande imprensa em relação às possibilidades de pequenas mudanças na economia pelo novo governo. E notem, estou falando de possibilidades, porque as mudanças de fato foram muito pequenas até o momento.

Alguns números divulgados até aqui mostram um quadro um pouco mais confortável do que o esperado pela maioria dos analistas. Em função de maior entrada de capitais de curto prazo e uma expressiva melhoria dos resultados da balança comercial, o setor externo vai garantindo a base para a queda do valor do dólar que vem ocorrendo. A balança comercial apresentou um superávit de US$ 35.3 bilhões nos primeiros cinco meses de 2023, com crescimento de 39%, na comparação com o mesmo período do ano anterior.

Em um país grande como o Brasil, o setor externo não tem a capacidade de puxar a economia, mas a partir da queda do dólar se verifica uma queda significativa da inflação. Só para estimar um pouco o efeito, o IGP-DI, o índice de preços que mais repercute os efeitos do dólar, registra em maio de 2023 um acumulado em 12 meses de -5,49%. E isso pode se projetar para a frente, se não acontecer nenhuma forte turbulência no cenário interno e externo (em um país e um mundo como o que estamos vivendo, é algo que pode ser facilmente não verificado).

De qualquer maneira, a queda da inflação, somada à retomada da política de aumento real do salário mínimo (não apenas para esse ano, como para o futuro) e a ampliação do valor dos benefícios como o Bolsa Família e as aposentadorias (impactadas pelo aumento real do salário mínimo) deve dar à população mais pobre uma sensação de alívio na sua renda, o que seria real se comparado à média do período anterior (com inflação mais alta e rendas mais baixas). Se vier acompanhado então com o programa em curso de renegociação para a grande parcela endividada da população, pode ampliar o consumo (que parece que vai se ampliando lentamente) e acelerar o crescimento econômico. As estimativas de crescimento começam a ser reavaliadas para cima, pouco a pouco.

Evidentemente não será nada de muito vigoroso, até porque os juros seguem altos, travando os investimentos e impactando os endividados; o arcabouço fiscal que vai sendo aprovado nos tira da tragédia do chamado “teto de gastos”, mas não abre espaço para uma recuperação mais vigorosa do investimento e do gasto público que seria necessária para uma retomada mais firme e acelerada do crescimento econômico. Ou seja, o mais provável é que tenhamos uma espécie de carro andando para a frente com o freio de mão puxado, impedindo um desempenho melhor da economia.

Porém, frente às possibilidades desenhadas na virada do ano, podemos vislumbrar um quadro um pouco mais otimista, dentro do qual, com gradual crescimento da arrecadação, se possa pouco a pouco aumentar a arrecadação e o gasto, e ir acelerando devagar. A sensação de alívio da população mais pobre também pode ter evidentes impactos políticos na disputa desta camada da população que o atual governo faz com representantes do governo anterior. Uma mudança de humor político pode também afrouxar o cerco que o atual governo tem enfrentado no parlamento nacional, facilitando inclusive a aprovação de medidas que possam gerar um crescimento mais acelerado.

Vale lembrar que no ano que vem teremos eleições municipais, e é um momento em que se amplia algum investimento, com os prefeitos preocupados em mostrar serviços para melhorar seus desempenhos eleitorais, o que também pode contribuir. Alguns programas de incentivo à produção vão sendo retomados no plano federal, algum investimento por empresas públicas vai se ampliando, o crédito público também começa a ser ampliado, de modo que vale acompanhar com algum otimismo os números econômicos nos próximos meses.

Para os que preferem um gradualismo em que os resultados (que parecem possíveis) não serão de saltar aos olhos, mas poderão ser sedimentados devagar e se mostrar sustentáveis, parece que vão ficar contentes. E um desempenho longe da recessão e do pântano da estagnação pode abrir o debate sobre como acelerar o crescimento.

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Os artigos representam a opinião dos autores e não necessariamente do Conselho Editorial do Terapia Política. 

Ilustração: Mihai Cauli  e  Revisão: Celia Bartone 

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