Segundo dados da PNAD (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua) de 2019, o número de mulheres no Brasil é superior ao de homens. A população brasileira é composta por 51,8% de mulheres e de 48,2% de homens: a minoria são eles. Mesmo sendo maioria, elas mandam menos, ganham menos e fazem mais trabalhos domésticos. Ser mulher ainda é mais difícil. A cultura e os números provam isso.
Enquanto as mulheres gastam em média 18,1 horas por semana cuidando de pessoas e afazeres domésticos, os homens gastam quase a metade, 10,5 (isso depende da faixa etária, região, classe, etc.). Já o ganho deles é em média de R$ 2.306,00, enquanto elas recebem R$ 1.764,00 (rendimento médio mensal de todos os trabalhos). Em 2016, só 39,1% dos cargos gerenciais eram ocupados por mulheres (31,8% no grupo de 60 anos ou mais). Segundo a Pesquisa Mensal de Emprego de 2009, no comércio, homens com 11 anos ou mais de estudo ganhavam em média R$ 616,80 a mais do que as mulheres e homens com nível superior, R$ 1.563,70 a mais. Em 2017, só 10,5% dos assentos da Câmara eram ocupados por deputadas. Essas e outras informações estão nos estudos de Estatísticas de Gênero, divulgados pelo IBGE*. As autoridades e as lideranças ainda são homens brancos, dificilmente se encontra uma mulher na foto.
Elas têm estado mais presentes em todos os setores, a duras penas. Porém, está claro que ainda não dá para comemorar e que há muito a ser conquistado. As melhorias até vinham ocorrendo nas últimas décadas, no entanto, com a recente situação política e econômica do país, estamos vendo muitos retrocessos. As lideranças políticas não têm demonstrado apoio ao novo papel da mulher, que vai muito além dos cuidados domésticos. A ameaça constante à democracia e às suas instituições põe em risco também a igualdade entre os gêneros. Some-se a isso o novo coronavírus, que tornou ainda mais desafiadora a busca por direitos.
Das lutas diárias nas ruas por mais espaço, as mulheres tiveram que se trancar em casa com suas famílias e abrir mão de muita coisa para proteger a saúde e a vida ou, o que é ainda pior, sair e se expor mesmo diante de todos os riscos para manter o mínimo para a sobrevivência. Estudos já mostram que elas foram as mais prejudicadas com todas as crises atuais – política, econômica e sanitária. Muitas tiveram que dar conta do trabalho, da casa e da educação dos filhos, além de todo o resto que já faziam, ou até abrir mão do trabalho e da educação, em prol da família.
Trabalhar o dia todo e ainda ter que cuidar da casa e dos filhos é muito pesado e estamos falando também de um trabalho invisível e desvalorizado. Levantar mais cedo e dormir depois de todo mundo, cuidar da comida, das roupas, do material escolar, do seu próprio trabalho, dos consertos, das contas, é estafante. Esta “nova mulher” passou a ter o trabalho fora, no entanto, não deixou de ser a principal responsável pela casa e pelos filhos. Ao invés de dividir, a mulher somou as tarefas. É difícil para o homem essa forma moderna e massacrante de viver, mas para as mulheres, com certeza, a exigência é ainda maior.
A mídia também é mais cruel com o sexo feminino, dando a entender que todas podem ser uma “mulher-maravilha”, coisa que só existe de verdade nos filmes. Exigem delas uma força extraordinária, juventude, beleza, um corpo de modelo, ser boa mãe, dona de casa exemplar, equilibrada e muitas outras qualidades, que não são, necessariamente, exigidas dos homens.
O mundo corporativo é hostil e muitas vezes nele se ignora todas as atribuições da mulher fora daquele trabalho formal. Até se enaltece uma mulher por ser uma ótima executiva, mas poucas são as empresas que ao mesmo tempo respeitam a condição de mãe e de dona de casa.
Para irmos além, para que as mulheres tenham de fato igualdade, é preciso reconhecer as diferenças. Por exemplo, é inegável que só a mãe pode amamentar, então isso deve ser levado em conta nas políticas públicas e empresariais. Sequer são disponibilizadas salas de amamentação e até as creches, básicas para que a mulher possa trabalhar fora, estão defasadas e não atendem as necessidades desse novo modelo de “mãe-dona-de-casa-profissional”.
Não dá para simplesmente querer que a mulher saia para trabalhar como se fosse um homem e que continue cuidando da casa, dos filhos, dos parentes, como a mulher de antigamente. O direito à igualdade, garantido pela Constituição Federal, precisa sair do papel. Os salários, os postos de chefia, as oportunidades devem ser mais iguais, assim como devem ser compartilhadas as tarefas domésticas. Nas corporações deve-se ter em mente que as mulheres podem ter outras funções fora do trabalho e em casa os homens devem participar das tarefas, não como ajudantes, mas como parceiros. É necessário o equilíbrio na divisão do trabalho, dentro e fora do lar.
Respeitar a mulher, não violentá-la física ou psicologicamente, deixá-la ter voz (e não interrompê-la), deixá-la assumir cargos de liderança, ter salários iguais ou até maiores – essas são apenas algumas ações indispensáveis para uma mudança cultural que depende muito da postura de cada um e de cada uma no dia a dia, pois não se constrói uma sociedade mais humana e mais igualitária do dia para a noite. Precisamos, mais do que nunca, de uma educação contínua, de qualidade, o que depende de políticas públicas e privadas, que levem em consideração a importância da mulher em todos os lugares. Até que esses direitos iguais sejam de fato postos em prática em grande escala, ainda precisaremos ao menos de um dia para lembrar que nem tudo são flores.
*Esses e outros dados estão no site do IBGE (https://educa.ibge.gov.br/jovens/materias-especiais/materias-especiais/20453-estatisticas-de-genero-indicadores-sociais-das-mulheres-no-brasil.html)