A nação encontra-se diante do seu mais grave problema de saúde pública, cujas consequências negativas para a economia, sociedade e política são as mais dramáticas desde a instalação da República, há 131 anos. No atual contexto, o parlamento brasileiro, em concordância com a justiça eleitoral, confirmou a realização das eleições municipais neste ano.

Seria acertado o país mobilizar recursos e esforços públicos e privados para manter no ano a consulta popular que elege prefeitos e vereadores? Certamente uma pergunta difícil de responder e que talvez por isso mesmo os poderes legislativo e judiciário não desejaram assumir riscos num país de escassa tradição política democrática.

Embora os registros históricos revelem a realização de pleitos eleitorais municipais desde o período colonial, há mais quatro séculos, houve momentos tanto de suspensão eleitoral como de postergação nas datas de sua efetivação. Portanto, não se constituiria ineditismo se o congresso nacional ousasse postergar para o ano que vem as eleições municipais a serem realizadas neste 2020 no país.

Sem isso, o Brasil poderá entrar na rota de manifestações populares como as que até o momento tomaram conta de Belgrado por indignados contra a acelerada suspensão do confinamento efetuada pelo governo para garantir a realização das eleições na Sérvia. O entendimento por lá formado é o de que os políticos apenas procuraram proteger os seus próprios interesses, independentemente dos danos colaterais gerados pela pandemia do coronavírus.

Atualmente a Sérvia convive com nova onda de casos de coronavírus. Isso ocorre justamente dois meses depois da suspensão das restrições impostas pelo confinamento no país, o que permitiu retomar os fluxos de concentração humana, inclusive com a liberação de grandes eventos com diversas aglomerações de participantes.

No caso brasileiro, constata-se que atualmente, após quatro meses da confirmação dos primeiros casos de contaminados e mortos pela Covid-19, o país superou o contingente de mais de 70 mil óbitos oficialmente contabilizados. Além de estabilizar o patamar de letalidade acima de mil pessoas por dia, quatro grandes regiões geográficas apresentam aumento no número de mortos, apontando para nova rodada dos casos de coronavírus, concomitante com a antecipação da suspensão de medidas adotadas inicialmente para o isolamento social.

Nesse sentido, há a consagração de uma espécie de efeito sanfona. A abertura da economia proporcionada pelos efeitos de liberação das medidas de confinamento social favorece as aglomerações em diversas localidades, contribuindo para que o contágio volte a se manifestar. Com isso, o retorno dos casos de Covid-19 e a permanência do número elevado de mortes diariamente contabilizadas. Na sequência, a necessidade da retomada de medidas governamentais para que o novo e desgastante confinamento social volte a ocorrer.

O efeito sanfona para a economia se mostra ainda mais negativo, impossibilitando a própria e necessária construção de expectativa positiva sobre a retomada das atividades no horizonte da pós-pandemia do coronavírus. O ato de fechar, abrir e tornar a fechar os negócios em função da trajetória da onda viral revela o despreparo dos gestores públicos e, talvez, a irresponsabilidade de políticos insuficientemente preocupados com o sofrimento pessoal decorrente das perdas de vidas humanas e das consequências socioeconômicas profundamente negativas.

Num ato de credibilidade relevante, a classe política se colocaria melhor ao postergar para o próximo ano o pleito municipal de 2020. Ademais da materialização da sensibilidade para a gravidade do quadro nacional, concentrando-se no que seria relevante para salvar vidas, permitiria deslocar recursos públicos incialmente comprometidos nas eleições municipais para o enfrentamento da maior crise sanitária e socioeconômica vivida pelo país.