Eleição: o tão pouco falado Rio de Janeiro

A eleição de Lula é uma necessidade e razão maior da nossa ansiedade, cansados que estamos desses absurdos cotidianos, como testemunhas ou vítimas. Mas o foco deste artigo é o Rio de Janeiro e suas eleições para os cargos majoritários, governador e senador.

Tom Jobim proferiu a ótima frase de que o Brasil não é para amadores. Acrescento respeitosamente que o Rio de Janeiro, então, só é decifrável para aquele que consegue trocar pneu sem estepe, sem chave de roda e sem macaco, no meio da Avenida Brasil. E na chuva.

Ou melhor, ao som do Samba do Avião, até ouso produzir algumas formulações que, acredito, interpretam parcialmente o Rio de Janeiro. O problema é juntar tudo…

Algumas dessas formulações/constatações pessoais: o Rio de Janeiro não tem tradição de debate sobre seus rumos; a fusão Guanabara e Estado do Rio de Janeiro ainda não aconteceu; o Rio de Janeiro (a cidade) é só paisagem para a elite econômica, que não produz um emprego e nem ganha dinheiro aqui, salvo os que comandam a vasta “economia informal”.

Nesse cenário muito resumido, onde está a esquerda? Desde a eleição no longínquo ano de 1990, com Brizola, a esquerda não tem candidato competitivo a governador, apenas olha a banda passar com Marcelo Alencar, Garotinho, Rosinha, Cabral, Pesão e Witzel/Castro.

Nesse meio tempo, assistimos a contínua decadência econômica (com um breve período de otimismo pela recuperação/crescimento das indústrias naval e de óleo e gás, hoje desmanteladas) e o crescente domínio da política pelo conservadorismo, até resultar em Bolsonaro, que “exportamos” para o Brasil.

Elegemos desde 1986 (breve exceção do segundo mandato de Brizola) governadores que fazem as mesmas coisas, com os mesmos discursos, as mesmas fórmulas que não dão certo. O eleitor fluminense consegue a façanha contraditória de não eleger candidatos com discurso moralista (Frossard, Gabeira) e ao mesmo tempo ser absolutamente avesso a mudanças.

Alguém falou em segurança pública aí? Pois é, em nenhum outro lugar o debate sobre segurança pública se deu de forma tão veemente e ao mesmo tempo superficial. Corriqueiras chacinas de pretos e pobres, a polícia matando e morrendo como em nenhum outro lugar, mas qualquer discurso de mudança dessa realidade enfrenta fortíssima resistência.

Uma resistência difícil de entender porque, além da barbárie, obviamente não produziu nenhum resultado concreto. Mas a cada eleição radicaliza-se. Witzel foi eleito falando em “tiro na cabecinha”, Claudio Castro produziu as maiores chacinas da nossa já sangrenta história, tem até candidata ao senado falando em castrar estupradores….

Essa política bélica na segurança pública só fez aumentar a criminalidade, que assumiu outros contornos, saiu das páginas policiais e foi para os gabinetes dos poderes do Estado. Entre nós, o tema da “segurança pública” tem tanta relevância porque não é apenas isso (que já não é pouca coisa), mas a ruína da coisa pública, do espaço público. Um mundo “Mad Max” pode ser uma comparação exagerada, mas é aquela coisa, eu aumento, mas não invento.

E a esquerda nesse cenário? O velho PDT sucumbiu ante Garotinho, o PT submergiu, não soube ser o sucessor de Brizola no voto popular e suas lideranças foram tragadas pelas necessidades reais ou imaginárias da política nacional. A esquerda se refugiou em pequenos bolsões e salvo exceções não apitou mais nada em eleições majoritárias, se escondeu do povo.

Então surgiu o mandato de Marcelo Freixo. Voluntária ou involuntariamente, pouco importa, Freixo ajudou a dar alguma densidade eleitoral à esquerda, mesmo profundamente minoritária.

Identifico três grandes feitos nos mandatos de Freixo na ALERJ: ele trouxe o Rio de Janeiro para o debate, jogou luz sobre o gravíssimo problema da segurança pública (o primeiro a identificar e a denunciar a tomada do Estado por quem quer destruí-lo por dentro) e abriu seu mandato para os novos atores políticos que pediam passagem. Nesse aspecto, não foi o único, o PSOL como um todo fez esse papel (hoje o PT também parece se renovar), mas nenhum político na esquerda soube melhor fazer política de forma coletiva e entender os sinais dos tempos.

Então, Freixo mereceu ser o candidato, não foi ungido, e só lamento que a campanha tenha sido prejudicada pelas resistências de alguns que se dizem de esquerda, mas que só reproduziram nas direções partidárias práticas cartoriais visando seus imediatos interesses.

A situação é difícil, não nos fazemos notar há muito tempo por estas bandas e não é de uma hora para outra que iríamos cair no “coração do povo”, mesmo com a direita representada por figuras caricatas como Claudio Castro e, antes, Witzel. Mas é plenamente possível um segundo turno e até vencer a eleição, reconstruir a esquerda como opção política e eleitoral, de preferência dando passagem para essa gente nova, muitos e muitas com histórias semelhantes à de Marielle, nossa liderança interrompida.

Mas a reconstrução não se dará se insistirmos em menosprezar uma figura política ímpar como André Ceciliano. Não pelo Ceciliano em si, mas pelo que ele representa e o que isso diz de parcela da esquerda.

Como escrevi, alguns de nós se refugiaram em bolsões confortáveis e querem ali ficar, adotaram uma postura preconceituosa, estética e geograficamente, valorizam mais o parlamentar que “fala pra fora”, para as redes sociais, mas não ganha uma votação, do que um político que faz, afinal, política e traz resultados concretos.

Ser do PT em Laranjeiras é fácil, já em Paracambi… nem tanto. E não por culpa de Paracambi, mas de toda a esquerda. E o que fazem alguns dentre nós? Sem nada concreto contra Ceciliano, deduzem que o êxito político dele não é bom sinal. Parece que por vezes preferimos símbolos e derrotas gloriosas do que fazer prevalecer nossas pautas.

Ceciliano, como poucos parlamentares na própria esquerda, tem um serviço concreto prestado, ajudou a salvar, sem exagero, a UERJ e a UENF. Talvez alguns de nós não tenham a dimensão do que isso representa, pois olhamos mais para fora do que para o Rio de Janeiro. Para esses, peço que imaginem se algum político paulista teria dificuldade de se legitimar perante a esquerda se tivesse ajudado a salvar a USP e a UNICAMP. Imaginou?

Freixo e Ceciliano são diferentes, mas têm um ponto em comum, ambos construíram suas carreiras falando do e para o Rio de Janeiro, o Estado todo, Guanabara e Estado do Rio, o que é de certo modo incomum, quem é identificado de um lado não consegue se comunicar com o outro. Tentam construir pontes, finalizar a inconclusa fusão.

Mas, a despeito da vontade e do discurso deles, a direita tenta jogar Freixo para a antiga Guanabara e a própria esquerda ajuda a isolar Ceciliano no antigo Estado do Rio. A esquerda tem uma oportunidade histórica de estender a mão e acabar com essa divisão que é a causa maior de nossa lamentável situação política.

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Os artigos representam a opinião dos autores e não necessariamente do Conselho Editorial do Terapia Política.

Ilustração: Mihai Cauli e Revisão: Celia Bartoni

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