A grande aposta de Macron falhou. Ao convocar eleições antecipadas, ele pensou que o povo francês se reuniria em torno de seu partido centrista e da esquerda moderada para colocar o Rassemblement National (RN) de Le Pen de volta em seu lugar, depois da vitória nas recentes eleições europeias. Ele considerou que uma maior participação eleitoral não favoreceria o partido de extrema direita e neofascista de Le Pen. Ao contrário, o número de eleitores foi 20% superior em comparação com 2022. O RN consolidou seus votos europeus e se aliou com sucesso a uma cisão do tradicional Les Républicains (LR). No que diz respeito aos votos efetivos – cerca de 12 milhões, caso se acrescente os votos da corrente Zemmour, que conseguiram menos de 1% -, este é um enorme avanço. Os resultados anteriores nas eleições legislativas foram inferiores à metade desse número.
O RN nunca teve tantos deputados eleitos no primeiro turno. Eles já eram o maior partido na Assembleia Nacional e é provável manter essa posição com ainda mais deputados. No entanto, ainda é incerto se conseguirão obter os 289 deputados necessários para uma maioria absoluta, que lhes garantiria o primeiro-ministro com seu jovem líder Bardella.
Tudo depende do que acontecerá no segundo turno. Os dois primeiros classificados são automaticamente eleitos, mas o terceiro candidato pode concorrer no segundo turno se tiver mais que 12,5% dos votos registrados. Toda a discussão imediatamente seguinte à eleição se centra na questão de saber se o candidato mais bem colocado para derrotar o RN é livremente substituído por qualquer terceiro candidato elegível que se demita. Os líderes da Nouveau Front Populaire (NFP), provenientes do Parti Socialiste (PS), dos Les Écologistes e do La France Insoumise (LFI), liderados por Jean-Luc Mélenchon, convoca a essa “barrage” (bloco) para frear a vitória do RN.
No entanto, os líderes do partido Ensemble de Macron têm sido muito mais ambíguos. Alguns têm apelado para um bloqueio ao RN com um único candidato, enquanto outros dizem que julgarão caso a caso. Bruno Le Maire, atual ministro da economia, e Édouard Philippe, ex-primeiro-ministro macronista, mantêm essa posição, dizendo que votarão na esquerda social-democrata, mas não no LFI. Eles se recusam a apoiar os candidatos do LFI que ficaram em segundo lugar, que consideram tão extremistas quanto o RN. Essas pessoas não gostam da forma como o LFI apoiou os palestinos e condenou o Estado israelense ou criticou as ações policiais em bairros de minorias étnicas. Essa posição vacilante pode auxiliar o RN a ultrapassar tanto a esquerda como os partidos de Macron numa corrida a três em algumas áreas.
Os macronistas são o terceiro colocado com 78 cadeiras e o NPF em segundo lugar com 105, assim, se cada lado retirar seus candidatos, existe uma chance real de que a vaga do RN possa ser travada no segundo turno. Muito depende do fato do Ensemble adotar aquilo que é chamado de “uma linha republicana” para barrar o RN.
Os líderes da direita tradicional que não se alinharam com Le Pen têm se recusado a dar alguma recomendação para o segundo turno. François-Xavier Bellamy afirmou que “o real perigo que ameaça nosso país é a extrema esquerda”. O Républicain está obviamente sentindo a pressão do RN, tendo acabado de perder vários deputados para Le Pen no primeiro turno. Isso significa que seus 6,5% de votos não irão necessariamente para os candidatos que tentarem barrar o RN.
A posição macronista é mais do que rica ao se compreender como Macron foi eleito duas vezes consecutivas graças à mobilização da esquerda e do eleitorado progressista em torno da sua segunda candidatura no segundo turno para impedir que Marine Le Pen se tornasse presidenta. É particularmente irritante considerar que a convocação dessa eleição, que coloca o RN em uma posição de protagonista, era desnecessária. Além disso, foram as políticas neoliberais contra a classe trabalhadora defendidas por Macron, como o aumento da idade de aposentadoria, que fomentaram o descontentamento generalizado, do qual Le Pen é beneficiada.
A política geral de Macron não é muito diferente da demagogia social-liberal de Starmer. Macron rompeu com certa orientação social-democrata tradicional do partido socialista para lançar sua candidatura à presidência. Ele se opõe a “taxas e gastar” e favorece uma parceria com as empresas para fazer crescer a economia ao invés de uma redistribuição para diminuir a desigualdade ou a pobreza. Macron promove reformas privatizantes do serviço de saúde, assim como Wes Streeting.
O presidente da França reprime imigrantes e promove a ideia de que o radicalismo islâmico seja uma ameaça à identidade e segurança francesa. Como Starmer, tem se adaptado à narrativa da extrema direita difundida pelo RN. Igualmente, no que diz respeito à lei e à ordem, utiliza a mesma linguagem sobre a necessidade de mais polícia e de combate aos comportamentos antissociais. Suas políticas internacionais são uma cópia das visões sobre segurança nacional de Starmer. O extremo centro da França tem sido um terreno fértil para a ascensão da direita neofascista.
Um governo trabalhista moderado sob Starmer com Farage tomando a liderança na oposição no parlamento e nas ruas pode fortalecer a extrema direita na Inglaterra. Sobretudo se, digamos, Farage conseguir 15% nas sondagens e muito poucos ou nenhum deputado. Muitas pessoas sentirão que o sistema político não funciona para eles.
O jogo não está encerrado na França. As pessoas podem mudar seus votos entre os dois turnos e a abstenção pode aumentar ou diminuir. Todos do NPF se esforçarão essa semana para mobilizar sua base e alertar novos eleitores sobre o risco de um primeiro-ministro do RN. A unidade já deu frutos, já que o principal bloco de oposição à extrema direita será a esquerda ampliada. Em meio à coalizão, o LFI, mais radical, continuará a ter um papel de liderança.
Um detalhe interessante dessas eleições é que a tentativa de Jean-Luc Mélenchon de sufocar seus deputados dissidentes parecer ter falhado. Pelo menos dois que ele retirou da lista passaram ao segundo turno como os candidatos mais bem colocados para enfrentar o RN. Quanto ao candidato revolucionário do Nouveau Parti Anticapitaliste, Philippe Poutou, obteve mais de 18% em um feudo do RN, em Aude. O PS também apresentou um candidato contra ele, contra a linha do PFN, o que retirou potencial de voto para ele.
Os macronistas continuam falando de uma nova coalizão “moderada” no novo parlamento, que impedirá a maioria do RN – presumivelmente, essa coalizão abrangeria o PS, os Verdes e o que está à direita do LR. O problema é que o próprio Macron esvaziou o centro da política francesa com seu programa divisionista. Se o RN não tiver a maioria absoluta, é provável que a atual paralisia instável, com um presidente sem maioria parlamentar, continue.
Se obtiverem a maioria absoluta, será necessária uma enorme luta para barrar seu programa reacionário, que inclui o princípio central de “os franceses primeiro” – impedindo os cidadãos com dupla nacionalidade de ocuparem certos empregos públicos, discriminando as populações de minorias étnicas, um policiamento mais agressivo e ataques às mulheres e pessoas LGBTI+. Os principais representantes dos patrões já estiveram envolvidos em conversações com o RN sobre suas políticas. (Publicado pelo Esquerda Online, em 01/07/2024 – Original do Anti*Capitalist Resistance, tradução: Paulo Duque, da equipe do Esquerda Online)
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Ilustração: Mihai Cauli e Revisão: Celia Bartone
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