Saindo impactada do cinema, onde fui ver o filme Marighella. Que belo e corajoso trabalho! O Marighella construído por Seu Jorge está magnífico: incisivo sem ser autoritário, irônico, afetuoso. O torturador mostrado pelo Bruno Gagliasso está perfeito. Ele não cumpre ordens. Sabe o que faz e por que faz. O trabalho dos atores é coerente e emocionante.
A história é contada de forma dura, com imagens e cenas rápidas. Um primor! Espero que mais brasileiros vejam Marighella e pensem no país que gerou e matou seus heróis…
Mas faltou. Marighella é uma personagem forte e marcante. Não há como não fazer a narrativa girar em torno dele. Mas, mesmo ele tem outras faces, outras nuances, que não foram mostradas: era poeta, sonhador, um homem sensível que amava a vida, este povo e este país. Viveu para isso e morreu por isso. Mostrando estes seus “dotes” ele se faz mais próximo, humano.
Não sei se tudo isso fica claro para quem não conhece sua história ou não leu o belíssimo livro do Mário Magalhães. Mas no filme, na maioria das vezes, Marighella aparece como um homem duro, sem muita poesia ou devaneio. Não titubeia. Sabe sempre o que quer e o que é preciso fazer. A única fresta de “fraqueza” – emoção – aparente é na sua relação com o filho. Mas não. O herói era humano e amava. Havia uma companheira, Clara, que mal aparece nesta narrativa. Apenas um vislumbre, embora tenha sido uma personagem rica e também ligada à luta armada.
Marighella e seus companheiros de militância estão sempre ocupados com assaltos, sequestros, ações armadas. Mas o filme não diz efetivamente por que. Fica sendo a luta armada por si só. Os brasileiros que não conhecem a história destes heróis precisam saber que pensavam e queriam um país diferente, e como seria o país que queriam. Por isso lutavam. Se tivesse privilegiado menos as cenas de violência e inserido momentos de reflexão tudo ficaria mais claro.
O filme mostra o racha com o Partido Comunista Brasileiro (PCB) como uma separação de amigos, sem as razões políticas que levaram ao rompimento e à proposta de luta armada. Por que não mostrar o que realmente levou à ruptura? A mídia, à época, tratava os militantes como bandidos comuns. Chamavam-nos de terroristas. Um contraponto a esse tratamento seria exibir seus debates, suas reuniões, sem muito falatório, mas com a exibição dos porquês da luta armada e do que seria o Brasil, caso tivessem ganhado a guerra.
Temos um compromisso com a História, especialmente com a nossa História recente. A História dos vencidos precisa ser contada pela sua perspectiva. O filme do Wagner Moura mostra uma parte, uma pequena parte. É preciso mostrar mais. Mostrar para as novas gerações, aquelas que não sabem que temos heróis anônimos e estão voltadas para seus próprios projetos individuais, que havia gente generosa, gente que tinha anseios coletivos, que entregou a vida às suas ideias e que morreu por elas. Mas é preciso mostrar o que eles pretendiam. Eles não eram apenas armas: eram sonhos, e principalmente, amor.
Aulas para Pensar! Assista nas redes sociais a conversa com a autora, dia 19.11.2021, às 17h.
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Ilustração: Mihai Cauli Revisão: Celia Bartone