Eleições de reitores

Em decisões coletivas que envolvem nomeação de pessoas para um determinado posto é comum que as partes adotem procedimentos bem definidos para a tomada de decisão. Um exemplo desse tipo de procedimento é o sistema de lista tríplice, em tese, esse sistema incentiva a busca por um equilíbrio na decisão, permitindo que múltiplas perspectivas sejam consideradas e contempladas no processo decisório.

A Lei federal nº 9.192 determina que o reitor e o vice-reitor de universidade federal sejam nomeados pelo presidente da República e escolhidos entre professores dos dois níveis mais elevados da carreira ou que possuam título de doutor. Os nomes devem figurar em listas tríplices organizadas pelo respectivo colegiado máximo, ou outro colegiado que o englobe, instituído especificamente para este fim.

Essa lei e o Decreto nº 1.996 obrigam, para composição da lista tríplice, que as votações no colégio eleitoral e na consulta prévia à comunidade universitária devam ser uninominais, devendo a lista ser composta com os três primeiros nomes mais votados em escrutínio único. Nesta lista, cada eleitor vota em apenas um nome para cada cargo a ser preenchido em um único momento.

Esse método de votação permite ao presidente da República precisar apenas de um terço do total de votos para incluir seu candidato favorito na lista. Minha hipótese é que esse seja o principal fator que explica por que é tão comum, quando o presidente da República tem preferências não alinhadas com a comunidade acadêmica, um candidato com poucos votos consiga entrar na lista e, posteriormente, seja nomeado reitor.

Por exemplo, segundo um levantamento realizado pela Folha de São Paulo até o mês de julho de 2021, Bolsonaro tinha nomeado 19 reitores (40% do total das nomeações) que não tinham sido os mais votados nas eleições internas das instituições.

Para apoiar essa hipótese de que isso é consequência da regra de votação para a escolha da lista, utilizarei como referência as nomeações dos membros dos tribunais judiciais brasileiros. Nesse caso, contrastando com a eleição de reitor, o presidente da República precisa de pelo menos o apoio da maioria dos votantes para impor a inclusão do seu candidato favorito na lista.

A Constituição Federal determina que, com exceção do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal Militar, os tribunais utilizem o sistema de lista tríplice para preencher posições vagas. Esse é o caso do Superior Tribunal de Justiça (STJ) em que o plenário do tribunal forma uma lista tríplice e a submete à Presidência da República para indicação, seguida pela aprovação do Senado. O método de votação adotado para a formação da lista tríplice varia de um tribunal para outro, pois são determinados pelos seus regimentos internos. Apesar de variar, todos eles optaram por adotar procedimentos majoritários, o que significa que uma coalizão majoritária de votantes é capaz de impor todos os nomes da lista se agir de forma coordenada. O regimento interno do STJ, por exemplo, prevê no incisos 5º-7º do seu artigo 26:

  • “§ 5º Somente constará da lista tríplice o candidato que obtiver, em primeiro ou subsequente escrutínio, a maioria absoluta dos votos dos membros do Tribunal, observado o disposto no artigo 27, § 3º.
  • § 6º Os candidatos figurarão na lista de acordo com a ordem decrescente dos sufrágios que obtiverem, respeitado, também, o número de ordem do escrutínio. Em caso de empate, terá preferência o mais idoso. (Redação dada pela Emenda Regimental n. 1, de 1991)
  • § 7º A escolha dos nomes que comporão lista tríplice far-se-á em votação secreta, realizando-se tantos escrutínios quantos forem necessários.”

É interessante observar que, pelo ponto de vista de quem faz a indicação final (no caso, o presidente da República), seria mais vantajoso (no sentido de ter mais influência na nomeação) que esse sistema de votação fosse não majoritário como é o da eleição da lista tríplice de reitor. Isso acontece porque, em um sistema majoritário, é mais fácil para uma coalizão majoritária bloquear a inclusão de um candidato favorito do presidente da República na lista.

Uma questão interessante para discussão seria entender o motivo pelo qual o sistema de votação utilizado para a formação da lista tríplice na eleição de reitor é estabelecido por meio de um decreto federal, enquanto no caso da eleição dos membros dos tribunais, é estabelecido pelos regimentos internos.

Eu sugiro que a lei 9.192 seja modificada de maneira que, para composição da lista tríplice, as regras de votações no colégio eleitoral e na consulta prévia à comunidade universitária devam ser escolhidas pela própria universidade, assim como acontece nos tribunais de justiça. Também sugiro que as universidades estudem a possibilidade de adotar um sistema de votação majoritário no qual a lista seria composta com os três primeiros nomes mais votados em escrutínio único e secreto, na qual cada eleitor votaria em três nomes para cada cargo a ser preenchido em um único momento.

É intrigante analisar e compreender o comportamento estratégico das universidades frente à atual regra de nomeação. Um exemplo bem ilustrativo é descrito pela jornalista Silvana Sá em uma reportagem publicada no dia 17 de maio no jornal do sindicato dos docentes da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Ela descreve a última eleição da lista tríplice para reitor:

  • O Colégio Eleitoral da UFRJ se reuniu nesta terça-feira, 16, para formalizar as eleições para reitor e vice-reitora da UFRJ. As listas tríplices foram formadas com Roberto Medronho, professor titular da Faculdade de Medicina, e Cássia Turci, decana do Centro de Ciências Matemáticas e da Natureza, como primeiros colocados. Eles receberam 87 e 85 votos, respectivamente. A ata da sessão com as listas tríplices foi encaminhada no próprio dia 16 para o Ministério da Educação. Decanos de outros centros completaram as listas para atender à legislação. Foram também candidatos a reitor Walter Suemitsu (CT) e Luiz Eurico Nasciutti (CCS). Para vice-reitor se candidataram Flávio Martins (CCJE) e Afrânio Barbosa (CLA). Os decanos de cada lista decidiram votar uns nos outros para garantir que todos os nomes enviados ao MEC tivessem pelo menos um voto. O professor Vantuil Pereira, decano do CFCH, não apresentou o nome para concorrer no Colégio Eleitoral. Ele perdeu a disputa para Roberto Medronho na consulta feita junto à comunidade acadêmica. No Colégio Eleitoral, o docente votou no professor Medronho.”

Vale destacar que ao contrário da eleição da lista tríplice para os tribunais, a lei 9.192 não exige que a votação para lista tríplice de reitor seja secreta. Dito isso, o colégio eleitoral da UFRJ optou pela votação aberta em que os votantes (conselheiros) foram chamados um a um para anunciar o seu voto.

Suponho que a opção pelo voto aberto foi para facilitar a coordenação das ações de maneira que o professor Roberto Medronho, o mais votado na consulta prévia na comunidade universitária, fosse eleito para lista tríplice com um máximo de apoio possível. Houve duas votações, uma para lista de tríplice de reitor e outra para a de vice-reitor. Segundo a reportagem, aproximadamente 130 conselheiros formam o Colégio Eleitoral e 90 compareceram à votação. A lista tríplice para reitor escolhida foi composta por Roberto Medronho, que recebeu 87 dos 90 votos possíveis, e pelos decanos Walter Suemitsu e Luiz Eurico Nasciutti, que receberam um voto cada.

Surpreendentemente, há poucos estudos sobre o sistema de lista tríplice na economia e ciência política. A origem desse sistema remonta ao século VI, quando os arcebispos na Europa Oriental nomeavam bispos a partir de listas tríplices propostas por clérigos e líderes locais.

Eu, juntamente com Salvador Barberà, professor da Universidade Autônoma de Barcelona, temos pesquisado em coautoria esse procedimento de nomeação há quase 20 anos. Nesses estudos, nos referimos às “Regras dos k Nomes”, em que o sistema de lista tríplice é um membro dessa família de regras. Sob a ótica da Teoria dos Jogos, discutimos métodos alternativos de votação para a composição da lista, o tamanho ótimo da lista capaz de equilibrar os poderes das duas instâncias de decisão, as vantagens e desvantagens de se tomar a decisão final vis-à-vis na escolha da lista, entre outros aspectos.

Essas questões não são apenas possibilidades teóricas, pois várias variantes desse sistema são utilizadas na prática. Por exemplo, no Chile, os membros da Suprema Corte são nomeados pelo presidente da República a partir de uma lista quíntupla, em vez de uma lista tríplice. No México, é o presidente da República quem submete a lista tríplice dos candidatos ao Supremo Tribunal de Justiça, e é o Senado que faz a indicação final.

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Referências:

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Ilustração: Mihai Cauli
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