Um espectro assombra e seduz o mundo capitalista: a emergência de novas formações de direita radical, que lembra a transição para o fascismo nos anos 20 e 30 do século XX.

Após a crise de 2008, com o declínio relativo do modelo neoliberal e as questões recolocadas pela epidemia da Covid-19, surge uma transição ideológica, onde se reorganiza o discurso. Termos como “soberania”, “segurança” e “estabilidade” retornam ao léxico político como demandas políticas às quais se pode dar respostas políticas diferentes.

Para a direita, combina-se proteção dos proprietários, a defesa do nacionalismo e individualismo; para a esquerda, neoestatismo, proteção social com reforço da noção de solidariedade e políticas ambientais. No limite, pode emergir pela direita uma espécie de estado social fascistizante e etnicamente exclusivista, um chauvinismo de bem-estar, como propugnado pelo atual primeiro ministro da Polônia, Mateusz Morawiecki, e pela primeira ministra da Itália, Giorgia Meloni, do partido Fratelli d’Italia. Isso caso se considere a Europa.

Na América Latina, tem-se a “estranha não morte do neoliberalismo”, defendido pelas elites locais e pela alta classe média, com apoio de setores populares e de classe média empobrecidos, capturados pelo individualismo, reforçado pelo conservadorismo moral difundido por igrejas neopentecostais e esferas católicas.

A retomada do progressismo reformista em anos recentes, mais tímido em relação ao dos anos dez desse século, realiza-se em meio à desconfiança das instituições políticas, à fragmentação partidária, ao declínio da direita tradicional e crescimento da ultradireita, que acusa a direita tradicional de tíbia no enfrentamento à esquerda reformista, criminalizada, acusada de comunista e de fraudar eleições, não bastasse a estigmatização, pela extrema direita, de determinados grupos como responsáveis pela crise.

Nesse sentido, há uma “internacional do ódio”, com um discurso unificado em encontros internacionais, elaborados por think-tanks e fundações. A Carta de Madrid é a síntese desse projeto, potencializado pelas redes sociais. Como projeto, está alinhado aos EUA – é também uma crítica à crescente presença chinesa na região – e à ultradireita europeia, em
particular a instituições ligadas ao Partido Vox da Espanha, que articula alianças na Europa e que tem estreitos laços com o trumpismo, com a extrema direita brasileira bolsonarista, a direita peruana e o uribismo na Colômbia.

Mais recentemente, emergiram outras estrelas: José Antônio Kast, um dissidente da direita chilena tradicional que retoma o ideário pinochetista e que perdeu por pouco a eleição presidencial no Chile, um dos responsáveis pelo controle pela direita e ultradireita do Conselho Constituinte recém-eleito no Chile; o economista Javier Milei do partido La Libertad Avanza que alcançou 19% dos votos em Buenos Aires em eleições intermediárias, apontado em pesquisas eleitorais como favorito na próxima eleição presidencial. Milei se autodeclara anarco-capitalista, com discurso messiânico, e se vê como “homem branco, loiro e de olhos azul-claros”. No limiar do rompimento da relação entre capitalismo e democracia liberal, como conhecemos a América Latina? Nossos vizinhos têm algo a nos advertir. (Original publicado no Grifo 35 de junho de 2023)

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Revisão: Celia Bartone 

Leia também “A veia aberta da América Latina“, de Bruno Lima.