Feliz ano novo, Brasil!

“2023 foi melhor que o esperado e o crescimento do país surpreendeu”
Campos Neto, presidente do Banco Central do Brasil

Este sucinto artigo examina a economia brasileira do governo Lula III – que se encontra sob a batuta direta do ministro Fernando Haddad, secundado principalmente pelas áreas do planejamento (Simone Tebet), do desenvolvimento, indústria, comércio e serviços (Alckmin), do BNDES (Mercadante) e, de alguma maneira, conta com o apoio da presença da senhora Dilma Rousseff na presidência do BRICS.

Numa primeira aproximação, sublinhe-se a herança eivada de problemas deixada pelo governo anterior. É dizer: ela se explica pela sua praxis canhestra/limitada imbricada com notável falta de visão estratégica de desenvolvimento econômico, de país, de sociedade. Ilustra essa assertiva, dentre outras menções: a gastança irresponsável efetuada às vésperas da última eleição presidencial (fala-se em algo da ordem de 300 bilhões de reais); a manutenção impávida de elevadas taxas Selic (pelo Banco Central), que corrói as contas públicas e desestimula o crescimento da renda e do emprego; o arrocho das aposentadorias e pensões do INSS, situação essa agravada pela reforma previdenciária então aprovada; o total desapreço pelo setor produtivo aqui sediado e pelas diferenciações socioeconômicas regionais; a leniência (quando não estímulo mesmo) às aplicações financeiras em paraísos fiscais etc.

Nesses termos, é trivial dizer que o presidente Lula e seu ministro Fernando Haddad herdaram muitos e graves problemas e que, por causa deles, precisaram destravar de pronto terríveis ‘bombas’ para governar; em especial, nesse ponto, sublinho o fim do chamado Teto de Gasto (com a aprovação do que foi denominado de Arcabouço Fiscal) e a adoção (negociada com sucesso) da chamada PEC da Transição para, em seguida: colocar o Brasil no rumo do crescimento econômico mais sustentado e da geração de maiores volumes de emprego; reduzir a flagrante e perversa desigualdade social, que se não fora bastante, obsta(va) o fortalecimento do mercado interno; retomar uma inserção internacional consequente e soberana, que permita a atração de investimentos estrangeiros; empreender esforços qualificados e contemporâneos no sentido da reindustrialização do país etc.

Isto posto, pode-se dizer que o balanço que faço é positivo. Para tal, ademais, considere- se: a) que as reservas cambiais voltaram a aumentar (o governo anterior, do valor recebido quando da posse do ex-presidente, as reduziu em US$ 65,8 bilhões). Em 21.07.2023, lia-se na imprensa que o novo governo estava aumentando essas reservas a uma média diária de US$ 113,6 milhões, tendo totalizado em novembro último cerca de US$ 350 bilhões (contra US$ 324 bilhões em 31.12.2022); b) que a balança comercial registrou um superávit de US$ 8 bilhões, também em novembro, sendo que esse saldo é 41,5% maior que o alcançado no mesmo mês de 2022 (que foi

de US$ 6,2 bilhões); c) que as notícias desses últimos dias apontam para um crescimento do Produto Interno Bruto da ordem de 3% (a 3,3%) – podendo inclusive aumentar por conta dos gastos inerentes aos festejos de final de ano; d) que a inflação, tomada a partir do Índice Nacional de Preço ao Consumidor Amplo (IPCA), acumulou no ano alta de 3,75% e nos últimos doze meses de 4,82%, que é uma performance excelente (vale destacar que a média da década é de 5,48%); e e) que o emprego também vem apresentando desempenho positivo, com recorde de pessoas trabalhando (quase 100 milhões se encontram empregadas no país). Em setembro, por exemplo, o desemprego recuou 7,7%, que é o menor patamar desde 2014, quando a economia brasileira entrou em crise.

Além do que veio de ser alinhado, pode-se dizer que iniciativas outras, afora afirmarem o compromisso do presidente Lula com a redução das terríveis iniquidades sociais vigentes, elas também ‘somam’ para o fortalecimento do mercado interno, como exemplificado (dentre outras ações tomadas pelo governo): a) pela retomada do Programa Minha Casa, Minha Vida, que impacta expressivamente sobre o setor da construção civil; b) pela correção das aposentadorias e pensões do INSS acima da taxa de inflação, o que não ocorreu nos seis anos anteriores; c) pela correção dos salários e aposentadorias dos servidores públicos do Poder Executivo, que sequer foram corrigidos pela inflação passada nos mesmos últimos seis anos; d) pelo reajuste das bolsas de estudo e pesquisa universitárias, também congeladas por seis anos; e) pela volta do Programa Farmácia Popular, tão importante para os setores mais vulneráveis da sociedade brasileira e que estava praticamente abandonado; e f) pela volta do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), que deverá gerar efeitos macroeconômicos mais visíveis nos próximos anos (mais de quatro mil obras estavam paralisadas no país desde o governo Temer). Afinal, como ensina a boa teoria econômica, é o aumento dos gastos reais que impulsiona a renda nacional.

Não obstante os dados positivos listados até aqui, cumpre não perder de vista os obstáculos a serem ainda transpostos. A esse respeito, vide particularmente a Balança Comercial brasileira: a) seu exame mais detido evidencia que apesar do relativo sucesso das exportações, as importações declinaram em relação ao ano de 2022 em 11,2% e que, posto serem elas função matemática do crescimento da renda (Y), sinaliza a existência de travas atinentes à expansão mais robusta dessa mesma variável (a Y); e b) o que veio de ser sugerido assume nitidez quando se observa que os valores exportados cresceram, apesar da queda experimentada pela indústria da transformação (-14,4%), pela indústria de bens de capital (-7,2%) e pela de bens intermediários (-15,4%). Ou seja: a primarização da pauta exportadora continua sendo nevrálgica, e isso não é bom nem econômica nem politicamente (…). Nessa mesma linha de preocupações, mencione-se que o BNDES, Banco fundamental para a promoção do desenvolvimento, está passando por constrangimentos para efeito da ampliação do financiamento dos tantos e necessários projetos que a ele são submetidos (neste caso, no entanto, a depender do TCU, é possível que a renegociação com o Tesouro Nacional venha a ser resolvida a contento logo adiante).

Todavia, o que me parece mais urgente e desafiador diz respeito às dimensões tributária e monetário-financeira. No primeiro caso, apesar do importante apoio recebido da sociedade em geral e do meio empresarial em particular, a proposta de reforma tributária que tramita no parlamento brasileiro, além de ainda não ter sido inteiramente aprovada, vem sofrendo emendas que prejudicam a formulação original (especialmente por causa das muitas isenções tributárias que vêm sendo sugeridas pelo Congresso). De qualquer modo, ainda assim, ela tende a reduzir a marcada natureza regressiva da estrutura atual e, por isso, aliviar a sua congênita iniquidade tributária, bem como ampliar a arrecadação ao lograr tributar mais quem pode pagar mais. Uma vez aprovada tal reforma, apesar dos referidos senões, o governo federal terá cruzado um dos mais importantes rubicões que a ele se antepunha – e que se não fora bastante, conspirava contra a sua própria governabilidade.

No segundo caso, o da dimensão monetário-financeira, as últimas reduções da Taxa Selic aliviaram um pouco as contas públicas, pois cada ponto percentual dessa taxa implica em uma economia de cerca de R$ 40 bilhões para os cofres públicos. Ou seja, as últimas três reduções de meio ponto percentual já equivaleram a um corte nas despesas financeiras da ordem de aproximados R$ 60 bilhões; e, confirmando-se nova queda de 0,5% em dezembro deste ano (12 ou 13/12/2023), essa economia seria de cerca de R$ 80 bilhões.

Além disso, no segundo semestre do próximo ano caberá ao governo indicar o novo presidente do Banco Central, esperando-se que essa pessoa possua uma visão ampla do papel desse tipo de banco e que conjugue efetivamente a preocupação do controle da inflação com a da geração de emprego e renda. Mais precisamente: espera-se que esse novo presidente seja alguém que entenda que o fenômeno inflacionário não se explica univocamente pela dimensão crédito e juros imbricada a corte de gastos públicos de custeio e investimento. Afinal, esse “background” teórico e prático é tanto insubsistente teoricamente quanto claramente classial, posto interessar apenas ao um por cento mais ‘rico’ da sociedade brasileira (a turma que vive apenas do rentismo).

Entendo, em suma, que ultrapassados os aludidos óbices tributário e monetário- financeiro, bem como se avançando na pauta da reindustrialização nacional (“pari passu” com a retomada de um amplo leque de decisões de investimento, posto ser esse tipo de gasto a variável por excelência da dinâmica econômica), a economia brasileira poderá lograr maior estabilidade, gerar mais renda e emprego e, ao mesmo tempo, enfrentar para valer a ‘nossa’ perversa e iniqua estrutura social; e tudo isso, suponho, deverá fortalecer a participação política do Brasil na escala-mundo.

Isto posto, concluindo, não há mais qualquer razão para surpresas por parte dos agentes do mercado que, aliás, frequentemente erram, por subestimarem o potencial de crescimento da economia brasileira. O fato é que o país está fadado ao crescimento da renda e do emprego, apenas não o conseguindo por conta das receitas liberais vetustas e antipopulares aviadas pelos economistas liberais volta e meia instados no poder. Receitas essas, vale a adição, que nada possuem de modernas, posto serem essencialmente pré-keynesianas (ou seja, pré-1930)!

Enfim, as dificuldades, como apontamos, estão postas, mas o balanço geral é positivo e as perspectivas – contidos os arroubos destrutivos de dados agentes políticos e econômicos – são boas para 2024. Que assim seja!

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Os artigos representam a opinião dos autores e não necessariamente do Conselho Editorial do Terapia Política. 

Ilustração: Mihai Cauli  e  Revisão: Celia Bartone
Leia também “Pensando o crescimento para 2024“, de Flavio Figenspan.