O sentido do artigo. O temário em tela, como escrito acima, sublinha a centralidade dos gastos não-financeiros (Gnf) para a geração/determinação da Renda Nacional (RN) ou Produto Interno Bruto (PIB). Nesses termos, pode-se notar matematicamente essa relação da seguinte maneira: RN (ou PIB) = função f (Gnf). Isto é: quanto mais os agentes econômicos realizarem gastos não financeiros maior será a RN ou PIB – e vice-versa: menos gastos, menos Renda Nacional ou Produto Interno Bruto. De outra forma ainda: o crescimento econômico depende inteiramente dos aludidos gastos não financeiros. Logo, mais Gnf, mais crescimento econômico; e, por conseguinte, menos Gnf, menos crescimento. Um adendo: como a RN e o PIB são identidades contábeis nos referiremos a partir daqui apenas ao PIB, posto que seus valores, apurados ao final de um dado período de tempo, são aproximados.

Os gastos não financeiros. Mas quais são os agentes econômicos e os gastos aludidos? Um desses gastos é o realizado pelos indivíduos com seus Consumos Pessoais (Cp). Tal Cp diz respeito à compra de bens e serviços necessários à manutenção da vida observados os requerimentos protéico-calóricos, o padrão de vida e, sobretudo, o poder aquisitivo de cada pessoa. Sendo assim, agregadamente, o valor em dinheiro do Cp em dado tempo histórico dependerá dos rendimentos acessados pelo conjunto das pessoas lugar a lugar. Logo, pode-se dizer que quanto maior o Cp, dados os tempos e lugares analisados, tudo o mais constante, maior será o PIB (e vice-versa).

Outra modalidade de gasto não financeiro é o realizado pelos entes governamentais. Importante considerar que enquanto o gasto público (GP) injeta dinheiro na economia, o tributo (T) o retira. Notemos essa relação por GP T. Dela resultam dois tipos de saldos: os positivos, quando GP é menor que T; e, os negativos, quando GP é maior que T. Notemos essa relação, independentemente do valor obtido, como SPO (Saldo Público Obtido). Aqui, como antes, tudo o mais constante, ter-se-á um PIB maior se o SPO é negativo e, ao reverso, PIB menor se o SPO é positivo.

O terceiro desses gastos é o dos empresários na compra de máquinas e equipamentos ou bens de capital. Tal tipo de gasto é normalmente notado pela letra I – de Investimento. Claro está que os empresários também gastam seus rendimentos em bens de consumo; porém, para efeito da sua contabilização, evitando-se assim qualquer dupla contagem, inclua-se tal tipo de gasto em Cp (e não no valor apurado de I).

Quem persistiu na leitura deste texto até aqui deve estar se perguntando e o setor externo? Mas ele não deve ser também considerado para efeito da obtenção do PIB? Sem dúvida, deve; melhor, precisa ser considerado. Como segue: notando as exportações por X e as importações por M (ambas levam em conta apenas os chamados bens tangíveis – e não os imateriais), resulta que essa relação tanto pode ser positiva (injetando recursos na economia desde que X seja maior que M) quanto negativa (quando ocorre o contrário). Chegado a esse ponto, pode-se então finalmente escrever a equação completa do PIB: Cp + SPO + I + Saldo de X.

Duas adições metodológicas. O leitor também pode estar perguntando neste momento o seguinte: os empresários não gastam parte dos seus rendimentos na compra de ativos financeiros visando com esse tipo de aplicação obter ganhos nos mercados estritamente especulativos? A resposta é, sem dúvida, afirmativa. Aliás, pessoas físicas com rendimentos superiores às suas necessidades correntes também o fazem; é dizer, aplicam as suas ‘sobras’ buscando pelo menos manter o valor de seus recursos face à inflação ou mesmo suplantando-a. Todavia, como esse tipo de dispêndio não resulta em riqueza real, independentemente do seu emprego ulterior na órbita real, cabe desde logo (e sempre) desconsiderá-la para efeito do cálculo do PIB. Por conseguinte, pode-se asseverar que uma economia que apenas especulasse sem realizar os gastos não financeiros antes assinalados, ‘simplesmente’ geraria um PIB igual a zero. Isso porque as aplicações financeiro-especulativas geram tão somente riqueza fictícia (logo, não-real).

Mas o que é mesmo esse PIB? Ele consiste na soma dos gastos orientados para a geração de riqueza real nova que, por convenção, é medida no período contábil que vai de 01/01 a 31/12. Ou seja, busca-se com essa, digamos, tecnicalidade, medir o que foi agregado à riqueza de tempos pregressos, daí resultando a expressão de que o PIB cresceu ou decresceu na sua relação com eles dados pontos percentuais – comparação essa apenas possível, por suposto, desde que esse exercício seja efetuado em conformidade com uma e mesma metodologia.

As relações hierárquicas estabelecidas entre as variáveis de gastos. O leitor não especializado e que resistiu à leitura até aqui deve estar, por fim, se perguntando: será que os apontados quatro grandes agregados macroeconômicos possuem a mesma importância para efeito da dinamização da economia? A resposta é não. Vejamos sucintamente um a um.

Comecemos pelo Consumo Pessoal, Cp. Tal variável, embora tenda a representar a parcela mais expressiva do PIB, é completamente determinada. Os trabalhadores, de um lado, consumirão basicamente em função dos rendimentos que auferem (embora possam também aumentar tal Cp pela obtenção de crédito). Por conseguinte, os lugares nos quais o poder de compra do rendimento do trabalho se mostra mais elevado e é socialmente disseminado possuem mercados internos mais robustos/dinâmicos o inverso, claro, acontece quando a massa salarial é mais baixa e concentrada em poucas categorias profissionais. Já o consumo pessoal dos empresários tende a variar em função dos seus lucros, dado certo padrão estável independente da flutuação de seus rendimentos mais recentes no tempo. Logo, em última instância, o Cp se comportará em função da própria dinâmica da economia e da distribuição e disseminação da renda vigente em cada lugar.

E o SPO? Os gastos de governo também podem ativar mais ou menos a economia, dado o seu impacto sobre o próprio Cp quanto sobre o I. Nesses termos, se o governo estimula suas despesas de custeio e capital, bem como dadas políticas de transferência de renda, observados os limites de endividamento público, ele pode se tornar poderoso elemento da dinamização da economia – e, como sempre, freio poderoso quando persegue a todo custo o chamado Ajuste Fiscal.

Vejamos agora o Saldo de Exportação. Tal saldo, quando positivo, como já se anotou, injeta recursos monetários na economia, dada a ‘máquina’ de produção existente internamente ao país (seja ele qual for). Mas essa variável possui dois aspectos restritivos para a dinamização econômica mais ampla: de um lado, ela depende da demanda e dos preços externos que, é trivial, não estão sob o seu controle; e, de outro, com exceções, não possui poder de arrasto sobre o conjunto da economia nacional. Enfim, importante para quem logra exportar e possivelmente para a região que sedia essa mesma exportação, essa variável (ou o saldo em questão) se mostra incapaz de espraiar seus benefícios para os demais espaços e segmentos da economia.

Por fim, não por acaso, temos o I. Essa variável é chave para a dinamização da economia. Todos os grandes teóricos com lugar de destaque na história do pensamento econômico (Keynes, Kaleki, Schumpeter etc.) sublinham sua centralidade. Explicando: o I, como se anotou, a compra de máquinas e equipamentos junto à indústria de bens de capital, é decisivo no entanto, ele é ao mesmo tempo de extrema complexidade.

Em síntese, a tomada de decisão empresarial acerca do I requer a consideração de grandes somas de recursos, a realização de cálculos prospectivos que envolvem tempos mais alongados (do que, por exemplo, as decisões de produção – um ano em média) e, dado o elevado grau de incerteza que lhe é própria (ilustrando, vide os riscos associados a momentos de larga aceleração tecnológica), existe a alternativa de ‘fuga’ para o mercado financeiro/especulação.

Desse modo, quando o empresariado descortina horizontes relativamente seguros, notadamente por conta de uma política econômica pró-crescimento econômico, o I não apenas se verifica como tende a arrastar as demais variáveis de gasto que ‘somam’ para o aumento do PIB. Forma-se aí, enfim, poderoso ciclo econômico virtuoso. E como sempre o reverso também ocorre quando a política em questão atua na contramão desses desideratos.

Concluindo. Infelizmente, no Brasil, as ideias que se tornaram hegemônicas (aliás, não de hoje), as neoliberais, conspiram abertamente contra o crescimento econômico e a geração de empregos (ou seja, elas solapam o aumento dessas variáveis de gasto, com a exceção da exportação que depende em larga medida de outras dinâmicas econômicas). Essa discussão, a de fazer políticas econômicas pró-ativas, parece estranha a muitos economistas, bem como à chamada mídia corporativa. Rejeitam-na, enfim, por profissão de fé ou sei lá porque outra ou outra(s) razão(ões).

Nesse contexto, dentre outras, duas questões chamam atenção, posto constrangerem o mercado interno e em simultâneo ‘passarem’ para os agentes econômicos a certeza de que o governo joga o jogo da recessão e não o da ativação da economia: a) uma delas concerne ao desprezo pela temática da industrialização, sem a qual não há qualquer possibilidade de crescimento econômico sustentado no tempo (…); e, b) a outra consiste no ataque sistemático aos gastos públicos de custeio e capital (com preservação do rentismo que solapa as contas públicas). Resumo da ópera: penalização quer da imensa maioria da sociedade quer da dinâmica da economia em termos de geração de renda e emprego.