Após quatro anos do golpe de Estado que encerrou o ciclo político da Nova República (1985-2016), as interpretações acerca do Brasil atual seguem incertas. O esquerdismo parece iludir-se com narrativas incompreensíveis e questionadoras a respeito da dominância ideológica da direita no país, superior à que sustentou o neoliberalismo da “era dos fernandos” (Collor, 1990-1992, e Cardoso, 1995-2002).

Neste ano de 2020, a vitória das candidaturas de esquerda no pleito municipal parece ameaçada frente à dispersão e polarização no interior do mesmo campo político-ideológico. As derrotas colhidas nas eleições municipais de 2016 e presidencial de 2018 deveriam estimular a reflexão mais aprofundada sobre a hegemonia da economia política do golpe na governança do país.

Diferentemente dos governos da Nova República, os mandatos presidenciais desde o golpe em 2016 não mais se dedicaram, necessariamente, a busca de maioria na sociedade para governar, tanto é assim que Temer e Bolsonaro conduzem a administração federal com apoio minoritário em termos de aprovação popular. Na perspectiva da nova direita tornou-se fundamental ter uma base social de novo tipo que sustente o próprio governo, conforme vem fazendo Bolsonaro que governa para parcelas determinadas da população.

Como se sabe, a sua vitória em 2018 somente ocorreu com a atração daqueles que eram contrários diretos aos seus adversários, sem que isso indicasse apoio ao bolsonarismo, muito pelo contrário. A perda de apoio desde 2019 refletiu justamente isso, sem significar, necessariamente, o enfraquecimento governamental.

As alterações no grau de aprovação tendem a revelar mudanças na composição política no interior da base social que o apoia. Assim, a perda de sustentação entre as classes médias lavajatistas, após a saída de Moro do governo, por exemplo, passou a ser reconstituída pela aproximação com o segmento social empobrecido que os presidentes Collor e Dilma definiam, respectivamente, por “descamisados” e “nova classe média”.

Com a pandemia da Covid-19, o bolsonarismo tratou de reorganizar o seu governo para não ser derrotado nas eleições de 2020 mirando sua reeleição. Ao descartar personagens que o vinculavam com vitória passada (Bebianno, Moro, Mandetta, Weintraub e outros), optou pelo estabelecimento de outra “ponte para o futuro” (militares, protestantes não necessariamente neopentecostais, artistas e outros).

Também organizou o maior programa de transferência de renda, por hora temporário, aos segmentos da base da pirâmide social e garantiu proteção aos bancos e uma espécie de PAC (Plano de Aceleração do Crescimento) ao andar de cima da sociedade envolvendo a quantia total de cerca de 2 trilhões de reais (¼ do PIB). Enquanto a garantia de renda aproxima-se do repasse de cerca de 300 bilhões de reais aos empobrecidos, o Banco Central disponibilizou R$ 1,2 trilhão ao sistema financeiro e o governo anunciou o Pró-Brasil com cinco eixos (1- telecomunicações, energia e mineração, transporte e logística, desenvolvimento regional e cidades; 2- indústria, agronegócio, serviços e turismo; 3- saúde, capacitação de profissionais, cidadania, controle da corrupção e defesa, inteligência e segurança pública; 4- cadeias digitais, indústria criativa e ciência; e 5- finanças e tributação, legislação e controle, meio ambiente e questões institucionais e internacionais) no montante indicado de 460 bilhões de reais para estimular os investimentos no pós-pandemia de coronavírus.

Por outro lado, após o fracasso na obtenção dos bancos de dados com as carteiras de motorista e telefones das operadoras ao IBGE, o governo construiu o seu cadastro próprio através da Caixa com cerca de 100 milhões de inscritos nos programas sociais. Imediatamente recriou o Ministério das Comunicações que agrega a Secom, EBC, TV Brasil e outros veículos desde junho para reorganizar a propaganda bolsonarista e sua melhor articulação com segmentos selecionados.

Dessa forma, pretende superar o baque sofrido pela incapacidade de organizar o seu novo partido (Aliança pelo Brasil), conforme enunciado ao final de 2019. Sendo assim, a economia política do golpe poderá seguir adiante, a despeito de o ilusionismo esquerdista apontar o contrário.