Se, há dez anos, alguém fizesse a previsão de que o Brasil de 2021 teria Jair Bolsonaro como presidente; Paulo Guedes ministro da Economia; uma penca de militares da reserva e da ativa espalhados por ministérios, autarquias, estatais e agências reguladoras; e ainda figuras como Damares Alves, Mário Frias e outros menos conhecidos fazendo parte do governo, esse alguém seria tachado de louco.
De fato, poucas histórias de ficção superam o enredo no qual os brasileiros estão enfronhados. Para completar o festival de sandices que vivemos desde que o tresloucado ex-capitão do Exército tomou posse, em 1º de janeiro de 2019, só faltava mesmo uma pandemia. Agora realmente não falta mais nada.
Enquanto morremos como moscas – atualmente estamos na casa dos dois mil óbitos diários e caminhando rapidamente para meio milhão de cadáveres – Bolsonaro continua a atacar o isolamento social, a China e todos que o desagradam por algum motivo.
Enquanto ficamos reféns de teorias da conspiração malucas, as vacinas são aplicadas a conta-gotas, por puro negacionismo do presidente, que protelou o quanto pôde a compra das mesmas e contou para isso com a submissão de um general da ativa por ele colocado no ministério da Saúde para distribuir cloroquina a pessoas que precisavam de oxigênio.
Agora, esse mesmo general e a equipe dele no ministério querem ficar em silêncio diante da CPI da Covid. Todos com medo da prisão. Não deveriam ter esse direito. O Brasil exige saber quem deu as ordens para que fosse fabricada cloroquina em quantidades industriais nos laboratórios do Exército, quem mandou distribuir os kits de “tratamento precoce”, quem deixou faltar oxigênio em Manaus. Quem é o responsável pela mortandade que dilacera famílias inteiras.
Como se não bastassem os cadáveres empilhados, estamos assistindo também à destruição da Amazônia e do Pantanal. A Câmara dos Deputados aprovou um projeto que na prática é o fim do licenciamento ambiental. A boiada vai continuar passando, mais forte do que nunca. Mas tudo o que o presidente quer é que se construam resorts de luxo em regiões preservadas. Está bem perto de conseguir.
E não há dúvida de que não desistirá fácil do seu projeto criminoso de poder. Cooptou as forças armadas e as polícias militares nos estados, conta com uma horda de seguidores fanáticos correspondente a uns 15% do eleitorado e tem o beneplácito dos evangélicos e do Centrão. Só o que nos permite vislumbrar uma luz no fim do túnel é, ironicamente, a percepção de uma parcela crescente da população de que ele, Bolsonaro, não só falhou como também se omitiu propositalmente na gestão da pandemia. Uma aposta louca na imunidade de rebanho contra um vírus com enorme capacidade de mutação.
E rebanho continuaremos a ser se aceitarmos pacificamente o destino que Bolsonaro nos reserva. É preciso apeá-lo do poder nas eleições do próximo ano e também eleger um Congresso minimamente decente. Tarefa difícil esta última, mas não impossível.
Caso contrário, continuaremos a viver em uma distopia macabramente real, um caldeirão com terraplanistas alucinados, milicianos sanguinários, generais de pijama que ainda combatem o comunismo e toda uma fauna de aproveitadores e incompetentes que, em um governo minimamente funcional, jamais estaria onde está. Jair Bolsonaro não é apenas reacionário, preconceituoso, tosco e insensível às dores do povo. É um político profissional e há método na sua loucura.
Impedir a reeleição de Bolsonaro é livrar o país das trevas. Ele é pequeno demais para a cadeira que ocupa atualmente. É preciso devolvê-lo à sua insignificância original, deixá-lo falar para os idiotas convertidos à sua seita macabra. E livrar o Brasil, definitivamente, e de uma vez por todas, deste pesadelo pelo qual estamos passando. É hora de acordar.
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