Museo Memoria y Tolerancia, na Cidade do México

A palavra humilhação é uma das palavras essenciais para se pensar a vida e a obra de Kafka. Na novela “Metamorfose”, um homem desperta um dia transformado em inseto; em “O Processo”, K é acusado não sabe do que, e “Cartas a meu pai” são cartas de queixas de um filho humilhado. O escritor expressa suas amarguras do quanto foi desprezado pelo pai frio e autoritário. Na verdade, a humilhação faz parte da vida de todos, de cada um de nós, é a expressão do masoquismo que se manifesta na submissão, mortificação, degradação. Um viés das humilhações é a melancolia presente na perda da autoestima, um sentimento de inferioridade que aflige e, às vezes, domina a vida sofrida. O humilhado pode ter no humor um apego pulsional à vida, como ocorreu com Kafka; quando lia suas histórias estranhas aos amigos que se divertiam.

São vários os efeitos da humilhação, e um deles é o ressentimento, um sentimento de raiva. O ressentido busca, muitas vezes, a vingança como forma de recuperar a dignidade. A palavra humilhação pode ser útil a cada um para pensar sua novela familiar, o sentimento de exclusão, sacrifício ou desprezo. E também há estudos sobre as humilhações sociais, como o racismo no Brasil. No livro “O povo brasileiro”, de Darcy Ribeiro, ele constata que os brasileiros são a doçura mais terna e a crueldade mais atroz, gente sofrida e gente insensível e brutal. Conclui com uma frase-chave para hoje: “A mais terrível da nossa herança… é a cicatriz do torturador impressa na alma e pronta a explodir na brutalidade racista e classista”. Essa frase embasa o conceito de racismo estrutural.

O país viveu, recentemente, a maior humilhação já imposta a um presidente na nossa História, quando prenderam Lula. Cada dia é mais evidente que sua prisão foi um ato cruel da renovada Casa Grande para destruir um líder popular. Ao longo da História os povos que perdiam as guerras, eram escravizados ou mortos. Os judeus viveram dois mil anos de humilhações, expulsos de todas as partes, e no nazismo foram humilhados e depois assassinados.

A humilhação é uma experiência de impotência, é um ferimento na autoestima, é uma desvalorização, é não ser respeitado. Muitas vezes os sentimentos de humilhação dos vencidos tardam em ter um reconhecimento histórico e reparatório. Já a luta pela dignidade recompensa, pois é no embate que se abrem espaços para crescer.

Uma novidade atual da humilhação política é analisada no livro “Guerra pela eternidade”, de Benjamin Teitelbaum. É o movimento dos brancos, que defende a necessidade de ter uma pequena elite no topo de uma pirâmide, abaixo do qual estão os guerreiros, comerciantes e, finalmente, a base popular. Tem como objetivo a volta aos valores do passado, e por isso ataca as ciências, as artes, bem como os direitos dos trabalhadores. Buscam a destruição da sociedade atual para retornar a uma escala vertical do valor humano, onde uns podem tudo e a maioria nada. Os líderes desse movimento do retrocesso estão sempre em guerra, alimentam o ódio, humilham os que ousam pensar. A guerra pela eternidade mata o mundo nos ataques à natureza, à cultura e ao humanismo.

A humilhação é aliviada na rebeldia das artes, na leveza das palavras, na graça, nos laços afetivos. A dignidade cresce no sorriso, na luta, nas parcerias que geram entusiasmo. Diante do desânimo de um ano de isolamento social, é preciso buscar os apoios possíveis para diminuir o isolamento. Estimular a imaginação na construção de um sentido, em oposição ao vazio de sentido, são nossos desafios.

(Publicado originalmente em https://www.facebook.com/people/Abrao-Slavutzky/100008438460808)