Cada um tem suas alegrias e sofrimentos. Alguns íntimos, outros, compartilhados com os que se afetam com semelhantes alegramentos e entristecimentos. Ter quem compartilhe conosco e poder compartilhar com outros nossas emoções é o que nos faz nos sentirmos participantes de algo maior que nós mesmos. Emoções coletivas são sempre um transbordamento que nos acalma pela certeza de não estarmos sozinhos à deriva emocional dos acontecimentos. Já as emoções privadas, estas nos alegram ou entristecem de sua forma singular e solitária. Diferenciar as duas é uma arte de rara sabedoria.
O sofrimento é menos sofrido para cada um quando cada um percebe o mesmo sofrimento em outro. Mostrar o grotesco, o assustador e o incomensurávelmente entristecedor a outro é convite ao sofrimento coletivo. Daí a primeira dificuldade em distinguir o que é emoção solitária e coletiva. O solitário, com o tempo, passa a ser coletivo porque na solidão a alegria alegra menos e a tristeza entristece mais.
Ah, se fosse só questão de tempo! Um timing dos afetos que nos tornasse sábios das emoções. Há mais que isso. Compartilhar a emoção não é apenas distribuir o que emociona, é, efetivamente, emocionar outro com aquilo que se compartilha. Não compartilhamos propriamente alegrias e tristezas, mas as coisas que provocaram em nós as nossas alegrias e tristezas, na esperança de que provoquem em outros semelhantes alegrias e tristezas e não nos sintamos tão sozinhos com nossas emoções.
Está menos no que provoca os sentimentos e mais nos espíritos provocados à chave das emoções compartilhadas. Um meme não é alegrador, nem uma notícia é chocante. Cada um de nós é que é, pelos motivos que são seus, alegrado ou chocado por memes ou notícias. Nada garante que aquilo que me alegra ou choca alegrará ou chocará também aos outros. Está no destinatário e não na mensagem a chave das emoções.
Eis o ponto! Chocados, espalhamos o chocante esperando chocar mais gente, mas chocamos apenas aqueles que sentem como nós sentimos. Emocionamos os semelhantes, os que já são a parte do mar de gente que nos faz nos sentirmos num mar calmo e não numa tempestade de intolerância e desencaixe. Os que pouco tem a ver conosco recebem a mensagem como nada ou provocação. Emociona de outro jeito. Às vezes, do jeito contrário.
Muitos acham que as mensagens falam por si só. Que uma imagem vale por mil palavras. Só vale quando as mil palavras não ditas já estavam escritas no espírito de quem as recebe. Ser sábio das emoções é ser sábio dos outros, do que os emociona, mas estamos emocionados demais para prestarmos atenção aos outros.
O presidente chocou espíritos transformando o bicentenário da independência em comício chulo. Proclamou-se imbroxável. Comentou-se muito. Espalhou-se na esperança do chocante chocar a outros. De ser elemento do discurso político. Funcionou para aqueles que já se chocaram antes com outros grotescos. Mas há outros tantos para quem o imbroxável, o hediondo, o ridículo, o grosseiro e o obsceno para outros são, para eles, o imponente, o desejável, o alegrador, o libertador, o corajoso.
Emoções apenas emocionam. Não dialogam. Não convencem. Atiçam os semelhantes. Provocam os dessemelhantes. No momento da história de um país sem espaço para ideias, o jogo político é o de atiçamentos. União afetiva dos iguais e afastamento dos desiguais para contabilizar o tamanho de cada grupo afetivo no dia da eleição. Afetos unem por amor os iguais, mas separam por ódio os desiguais. Viver numa coletividade sem ideias, na intimidade dos meus sentimentos, é broxante.
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Ilustração por Di Fêrra.