Industrialização: voltando à pauta

O lançamento do programa intitulado “Nova Indústria Brasil” e as possibilidades de conclusão do acordo entre o Mercosul e a União Europeia reacenderam uma discussão sobre as possibilidades (o primeiro) e limites (o segundo) de uma retomada do setor industrial no desenvolvimento brasileiro.

O lançamento do programa afirma uma perspectiva industrialista do novo governo, o que é importante. Bem desenhado, embora não detalhado, trabalhando com a ideia de missões e apontando para a frente. Este ponto é importante e significa que não se trata da retomada da industrialização tal qual aparentemente se esgotou como política no Brasil a partir dos anos 1980, mas uma retomada em bases novas, que tenha como referência a transformação estrutural da economia brasileira no sentido de uma nova base tecnológica mais digitalizada (e outros pontos da chamada Indústria 4.0) e a transição energética rumo a uma economia de mais baixo carbono, mais sustentável, portanto. Mas, como diz o próprio programa, muitos de seus objetivos ou metas são “aspiracionais”, como eles mesmos são chamados no programa. Ou seja, se aspira que sejam atingidos, é aparentemente mais intenção do que objetivo.

A sinalização da possibilidade de fechamento do acordo entre o Mercosul e a União Europeia aponta em outro sentido. O acordo é, na sua essência, uma reafirmação de um pacto colonial, onde o Mercosul se assume como fornecedor basicamente de matérias-primas agrícolas, minerais e energéticas, em troca da abertura de seus mercados de produtos industrializados e de serviços, entre outros, para as empresas europeias. Ou seja, um acordo que, na essência, joga contra a indústria e reforça a inserção regressiva do Brasil no cenário internacional, baseada em bens primários e, portanto, a “primarização”  da economia brasileira, com todos os seus efeitos sociais e ambientais perversos.

Vale observar que, do ponto de vista de uma perspectiva nacional de desenvolvimento, a indústria é muito importante. Por isso, há que tomar em consideração a importância do setor industrial como gerador e difusor do progresso técnico, e o papel do progresso técnico no desenvolvimento. A indústria, por um lado, é o setor onde existe a maior possibilidade (e de fato há) de geração de progresso técnico, pela natureza da competição e a diversificação da produção. Por esse mesmo último aspecto, aí também se difunde mais rápido o progresso técnico. Pela diversificação (em analogia à concentração em poucos produtos da agricultura), ou seja, pela ampliação da divisão do trabalho, também são criadas mais possibilidades de geração de progresso técnico, e a pressão dos trabalhadores organizados (em comparação com o excedente de mão de obra no campo) faz com que também seja acelerada a introdução de progresso técnico. Ao reduzir o peso da indústria, por tabela também se perde o dinamismo da geração e difusão de progresso técnico no desenvolvimento econômico. Por isso, também, é na indústria que se criam os empregos de mais alta qualidade. E é um setor estruturante para o crescimento da economia nacional.

Pela sua capacidade de geração e difusão de progresso técnico, a indústria e sua transformação também são fundamentais para uma transição energética e produtiva hoje, no rumo da descarbonização produtiva tão necessária aqui e no resto do mundo. Sem caminhar por aí, o esforço rumo a uma economia mais “verde”, mais sustentável, será inócuo.

Porém, dadas as diferentes posições existentes dentro do próprio governo atual, e dentro da sociedade brasileira como um todo, é importante observar que a definição hoje de um projeto “industrialista” carece do suporte ideológico e político que teve no passado. É fundamental lembrar que entre os anos 1920 e 1970, gerações de brasileiros se moveram com a ideia, certa ou errada, e provavelmente cheia de matizes, que o futuro do país se estruturava sobre dois eixos: urbanização e industrialização. Essa ideia força, independentemente do que se passava no sistema político (e tivemos grandes variedades em todo esse período), alavancou o imaginário de várias gerações no país quanto à construção de um futuro melhor.

Infelizmente esse não é o quadro hoje. Boa parte dos setores dominantes locais crê que a inserção internacional como produtor e exportador de bens primários é o suficiente (ou o possível…) para o país. Parte dos que se viram para viver e/ou sobreviver aposta nas possibilidades no setor de serviços. Há pouca aposta na área da indústria, em geral restrita a alguns poucos industriais e ao que restou da antiga massa de trabalhadores industriais, que vem decrescendo substancialmente com a desindustrialização e com as mudanças tecnológicas daquilo que ainda está operando, além de fortemente atingidos pelos elementos da reforma trabalhista de 2017, que aprofundou a terceirização.

Assim, além de ter um rumo (e o programa “Nova Indústria Brasil” pode apontar nesse sentido), é fundamental ter o suporte político e ideológico para avançar nesse rumo. Uma nova industrialização modernizante e que sirva para fazer a transição produtiva e energética, junto com a modernização e efetivação de um setor funcional de infraestrutura urbana, e o aprofundamento dos elementos de um Estado de Bem-Estar Social no país, especialmente com a melhoria significativa do setor de saúde, podem ser elementos para pensar o futuro. Mas ainda é uma disputa a ser feita na sociedade brasileira.

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Os artigos representam a opinião dos autores e não necessariamente do Conselho Editorial do Terapia Política. 

Ilustração: Mihai Cauli  e  Revisão: Celia Bartone
Leia também “A Nova Política Industrial e suas oportunidades e obstáculos”, de Antonio Prado.