Vivemos neste momento um calvário econômico, no qual o aumento dos preços (especialmente para os mais pobres, mas não só) e a falta de perspectiva do crescimento econômico são dois dos piores indicadores.
A política econômica levada adiante pelo atual governo, continuidade da iniciada a partir da gestão de Joaquim Levy no governo Dilma e passando pela gestão Meirelles no governo Temer não aponta perspectivas de crescimento. É o ajuste pelo ajuste, que vem causando recessão e estagnação econômica. O crescimento estatístico desse ano não vai ser mais do que um efeito do “buraco” causado pela Covid no ano passado, com a funda recessão, e talvez nem isso, pois as estimativas de crescimento do PIB já vão baixando de 5% para este ano, taxa que representaria apenas a reposição do “tombo” do ano passado. Ou seja, a esta altura o mais provável é que não recuperemos nem o valor do tombo do ano passado.
Por outro lado, temos uma aceleração recente da taxa de inflação, causada fundamentalmente pela indexação ao dólar de importantes preços internos, como os das commodities exportadas (minerais, agrícolas e energéticas), e pelos preços dos metais, alimentos e petróleo; pelos preços dos derivados do petróleo (pela política de preços adotada pela Petrobras com a sanção do governo federal, acionista majoritário da empresa, desde o governo Temer); pelos preços de energia (também por conta da crise hídrica) e pelos preços indexados ao IGPM, o mais dolarizado dos índices de preços (inclusive vários contratos de concessões e os preços dos aluguéis). Também concorre nesse sentido a forte abertura comercial iniciada nos anos 1990, e que leva ao crescimento do conteúdo importado da produção nacional, levando a vinculação dos preços nacionais aos internacionais. Os preços internacionais vêm subindo, e o real se desvalorizando frente ao dólar estadunidense aqui dentro, fazendo com que esse efeito de conexão entre preços dolarizados e aumento da inflação se potencialize.
Este movimento é essencialmente negativo? No curto prazo, sim, no médio e longo prazos não necessariamente. Já vimos esse movimento em momentos anteriores. Em 1998/1999, no processo de saída da chamada “âncora cambial”, primeira âncora do Plano Real, tivemos esse problema. A especulação contra o real jogou a política de âncora cambial que prevalecia desde 1994 contra as cordas, forçando o abandono do mecanismo assim que se teve o desenlace do ciclo eleitoral. O resultado foi queimar reservas, ter de fazer um acordo com o Fundo Monetário Internacional (FMI), com todas as suas consequências que dizem respeito à imposição de políticas aqui dentro, e um repique inflacionário. Em 2002, tivemos o mesmo problema de fuga de capitais e disparada do dólar, afetando novamente os preços internos. Projetada a inflação dos últimos três meses do governo Fernando Henrique para um ano, alavancada pela disparada do dólar e o novo acordo com o FMI, teríamos uma inflação anual de 30% – e isso em um ambiente em que ainda administrávamos a chamada “crise do apagão”, uma crise aguda de falta de energia.
Entretanto, nos dois momentos, a disparada do dólar e a inflação de preços internos e a dificuldade de importações (pela escassez de dólares) abriu espaço para uma certa recomposição da produção interna, defendida por esses mecanismos dos produtos importados, que ficavam mais caros ou não podiam ser importados. Ou seja, nestes momentos, existe um espaço para um ajuste da produção doméstica, que pode alavancar o crescimento econômico.
Isso aconteceu em parte no segundo governo Fernando Henrique, mas o processo de retomada do crescimento foi abortado pela “crise do apagão”, em 2001, e aconteceu especialmente após 2002, com o governo Lula aproveitando o espaço para políticas internas de crescimento. O “ajuste” de preços internos-dólar também acaba produzindo folga na balança comercial e, por tabela, no balanço de pagamentos, gerando alguma possibilidade para aumento de importações de máquinas e equipamentos, produtos básicos (como trigo e petróleo) e também possibilitando que o valor do dólar volte a recuar, desacelerando a inflação interna.
Mas isso implica políticas de crescimento da produção doméstica, e o atual governo parece não ter qualquer interesse em se mexer para que isso aconteça. O que é fundamental para isso acontecer? Primeiro, aumentar o financiamento da produção doméstica e sinalizar aumento da renda interna (por exemplo, no governo Lula, a pactuação de uma política de aumentos do salário mínimo operou nesse sentido), garantindo de certa forma ao empresariado que topar investir no aumento da produção que estará “amparado” pela política pública. Esse aumento da produção interna inclui também a retomada dos investimentos públicos em derivados de petróleo (ou seja, ampliação das refinarias da Petrobras e aumento da produção) e produção de energia, de modo a baratear os custos de derivados de petróleo e energia. De outro, o financiamento e incentivos à produção da agricultura familiar, capaz de gerar renda importante para um setor no campo e aumento da produção de alimentos (com a queda desses preços) – esses incentivos incluem a retomada efetiva da politica de compras de produtos e estoques reguladores, que podem ajudar no controle dos preços dos alimentos.
Ou seja, a crise abre algum caminho também para a retomada do crescimento logo à frente, mas é fundamental operar a política econômica para isso. Essa é uma decisão que deve ficar para depois do processo eleitoral.
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