Recentemente assistimos, em êxtase, as belíssimas e intrigantes imagens do planeta Marte enviadas pelo robô da Nasa. A exuberância das texturas de um solo exótico chama a atenção para as cores e volumes tão diversos dos que encontramos em nosso planetinha azul. Composições surpreendentes de cores numa paleta que vai do cinza passando pelos ocres, amarelos, azuis até os violetas mais sublimes, numa atmosfera sui generis, que nos enche de esperança e fé na ciência. Essas imagens tomaram conta das redes como se fosse a mais recente criação de um novo artista plástico tamanha a beleza de suas formas, cores e composições.

Num ano que entrará para a história por tantas desgraças causadas pela segunda onda da pandemia de Covid-19, também será lembrado pelos inúmeros avanços científicos em relação à própria doença, como a descoberta de pelo menos cinco vacinas contra o vírus, numa corrida mundial bem-sucedida pelo controle e interrupção da infecção mais letal de todos os tempos. Além disso, esse investimento massivo de tempo e dinheiro levou outros pesquisadores a se aproximarem de uma vacina para o vírus da Aids que assola o mundo desde a década de 1980. Realmente temos muito o que comemorar em termos de avanços científicos.

Dia desses outra matéria impressionante chamou a minha atenção, cientistas inventaram uma madeira transparente muito superior à madeira comum em termos de resistência e durabilidade. Esse material revolucionará a construção civil nos próximos anos e promete uma mudança de paradigma na engenharia das cidades. Realmente louvável a quantidade de descobertas e invenções que o gênio humano é capaz de produzir para melhorar a qualidade de vida da nossa civilização.

Me pergunto então, como é possível que diante de tantos avanços que pretendem dirimir as perdas provocadas pelas sucessivas crises, certos países insistem em andar na contramão histórica, submetendo o seu povo a insuportáveis provações que o deixam à mercê da sua incompetência? Esse é o caso do Brasil que desde o início da pandemia tem ficado à margem do que seria oportuno e razoável para controlar a disseminação do vírus e reduzir as altas taxas de mortalidade.

Com seus governantes ignorando a letalidade da pandemia formou-se uma ideia equivocada da sua gravidade que o próprio presidente tratou de propagar diariamente. Através de um comportamento infantil que ironizava a doença, incentivou e promoveu diversas aglomerações, demitiu um ministro da Saúde comprometido e, em seu lugar, colocou um simplório militar veterinário sem experiência nenhuma com a saúde pública e que sequer entende de planejamento e logística para administrar uma crise desta magnitude. Para coroar esse rosário de barbaridades não comprou as vacinas disponíveis no mercado e agora enfrentamos um atraso que já custou a vida de milhares de pessoas.

Resultado: o barco furou e estamos tentando desesperadamente salvar a tripulação agonizante tirando água de balde antes que todos nós afundemos na mortandade galopante. Ultrapassamos a marca dos 300.000 mortos e o sistema de saúde já entrou em colapso no Amazonas e ameaça repetir o estrago no Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Rio de Janeiro e vários outros estados onde não houve fiscalização nem medidas rigorosas de punição para o desrespeito do distanciamento social durante o carnaval.

As imagens das aglomerações no litoral brasileiro não deixam dúvidas de que recém começamos a pagar a conta de mais esta irresponsabilidade.

De que servem a inteligência artificial e a tecnologia de ponta quando temos negacionistas ignorantes no poder? De que servem anos de campanhas de vacinação em massa de referência para o mundo quando temos boçais despreparados para gerenciar a logística da campanha? De que servem as vacinas e os insumos se estes demoram meses para chegar? De que servem o Instituto Butantã e a Fiocruz, reconhecidos mundialmente pela sua excelência científica e competência técnica, se um ministro e um presidente genocidas conseguem atrapalhar as negociações e os protocolos de vacinação?

Não faltam explicações para o naufrágio do Brasil neste momento deprimente, mas precisamos reagir apesar deles, os incompetentes. Precisamos respeitar a quarentena com o distanciamento social e o uso contínuo de máscara para evitarmos o contágio mais veloz de uma cepa ainda mais letal. Fazer uso de álcool gel, ficar recolhidos dentro de casa e sair somente em situações excepcionais. Já que não há vacinas suficientes nem um plano eficaz de vacinação em massa precisamos nos manter vivos até que a fila ande e chegue a nossa vez.

Certamente muitos estão cansados, mas precisamos ser firmes e resistentes. Só assim sairemos vitoriosos desta chacina a céu aberto. O recado é este: As UTIS do país estão lotadas, pessoas têm morrido à espera de leito para internação. Os médicos e enfermeiros estão exaustos e mesmo que você tenha dinheiro e um bom plano de saúde não adiantará nada nesse momento. Se for infectado com sintomas graves, morrerá na praia e sem boia de salva-vidas. Ou pior, amontoado numa sala de espera lotada num hospital.

É preciso que a ficha caia de uma vez: o Brasil está andando para trás numa marcha ré abominável. Somente como anedota desta situação, vivi duas situações de censura pelo Facebook nesta última semana. Repostei uma lembrança de uns quatro anos atrás com uma linda fotografia minha, grávida de oito meses, nua e ao lado do meu marido. Na época foi uma das minhas fotos mais curtidas numa linda demonstração de afeto e delicadeza, passando anos luz de qualquer atentado ao pudor. Mas a suposta inteligência artificial da rede social reconheceu a imagem como uma violação aos princípios normativos de rede e proibiu retirando a fotografia, sumariamente, do ar.

A outra censura foi ainda mais bizarra, postei o link com a minha crônica semanal do jornal online Esquina Democrática, tendo como ilustração uma bela fotografia em preto e branco de Sebastião Salgado. Na foto, um índio está de pé numa canoa junto com a sua família que está sentada atrás dele. Pois o Facebook e sua atual “ignorância artificial” reconheceu a imagem como ofensiva e a retirou imediatamente do ar. Ora, acho que esqueceram de avisar ao robô, que faz a checagem das postagens e imagens, que indígenas costumam andar pelados. A nudez é condição de centenas de povos indígenas ao redor do mundo e esse comportamento não implica em nenhuma ofensa moral.

Apesar de revoltada com essa censura e discrepância perceptiva de um robô mal treinado, achei melhor reproduzir no Facebook o mesmo texto, mas com outra bela imagem de índios brasileiros dentro de canoas feita pelo mesmo artista. A longa distância não permite distinguir se estão nus ou vestidos o que impediu o robô de censurar a imagem.

É simplesmente patético que uma empresa do porte do Facebook não seja capaz de pagar pessoas para essa tarefa ao invés de delegá-las a máquinas sem o mínimo de sensibilidade e bom senso. A menos que a política da empresa também tenha se acovardado e retrocedido em décadas nos seus valores e julgamentos estéticos. O fato é que o retrocesso atingiu a rede social também. Teremos que driblar essa censura nojenta daqui para frente.

Enfim, esta triste realidade se agiganta no país do ex-capitão Bolsonaro que pretende processar e perseguir quem o criticar em rede. Não duvido de que essa medida arbitrária prospere. Com centenas de militares em postos de comando assisto, horrorizada, esse golpe que se torna cada dia mais palpável e de proporções assustadoras.

Este será o deprimente pano de fundo para o imenso cemitério a céu aberto no qual se transformou o nosso Brasil. Afinal, a burrice sem igual começou quando elegeram esse perverso e incompetente deputado.

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