A lição positiva que fica dos jogos olímpicos 2021

Ilustração: Mihai Cauli

Em 1996 nos Jogos Olímpicos de Atlanta o Reino Unido ganhou uma única medalha de ouro, sendo colocado em 36º lugar no ranking informal de países, o que foi considerado uma grande humilhação. O então primeiro ministro, John Major determinou a criação de um programa de incentivo financiado por uma loteria nacional para melhorar os resultados nas competições. Em Tóquio, a poucas semanas atrás ficou posicionada em quarto, atrás apenas das potências Estados Unidos e China e os anfitriões, o Japão.

O fato de que, diferentemente de outras competições, como nos mundiais de Futebol da FIFA, em que cada uma das nações que compõem o Reino Unido competem com sua própria bandeira, nos Jogos Olímpicos o “Team GB”, como foi denominado, utiliza a Union Jack, facilita a soma de resultados de ingleses, galeses, escoceses e norte–irlandeses.

Este é apenas um indicativo que não apenas na guerra fria, a antiga ou a sua nova versão, a obtenção de medalhas se trata da parte de um jogo geopolítico de conquista de prestígio no cenário internacional e de fomento do nacionalismo na política interna. O cerimonial utilizado, com o hasteamento de bandeiras acompanhado do hino nacional do país vencedor reforça a noção de “´só pode haver um”, mesmo com a existência das medalhas de prata e bronze para indicar que as vitórias são relativas e não é vergonhoso ser o segundo ou terceiro em um esporte altamente competitivo.

Que não se trata apenas da valorização do esporte entre as novas gerações fica escancarado quando se discute que o extremo sucesso do programa britânico não se deve apenas ao investimento. Deve-se também a estratégias como apoiar esportes individuais, que têm o potencial de conquista de múltiplas medalhas por um único atleta e menor investimento que o necessário em esportes coletivos. Não se trata de aproximar novas gerações do esporte pelo seu valor formativo, trata-se de ganhar o maior número de medalhas, parte da diplomacia do soft power. E não estamos falando, como é comum ser denunciado pela imprensa esportiva quando se trata de Cuba ou China, de um governo socialista utilizando do esporte para promover seus objetivos políticos, mas do berço do liberalismo.

E o que sobra para o Brasil, neste jogo de pódios? A cada quatro anos somos bombardeados pela promessa de sucesso, com a expectativa de múltiplas medalhas, que quando conquistadas os atletas são enaltecidos como heróis do povo e orgulho da nação. A derrota é punida com o ostracismo. O futuro campeão que acaba chegando em quarto lugar, por melhor que tenha sido este resultado, merece uma menção de 10 segundos, em tom de reprovação, enquanto as entrevistas ao vivo e sua repetição ad infinitum nos telejornais é exclusividade dos medalhistas.

No caso de Tóquio, um elemento chamou a atenção. Falhamos na maioria dos esportes coletivos em que temos algum domínio tradicional, com a exceção do futebol masculino. Entre os vencedores, esportes individuais como boxe, natação e os recém incluídos skate e surfe. E uma narrativa é comum em grande parte dos casos. A origem humilde dos atletas, as dificuldades para se dedicar à carreira, a falta de investimento (exceção feita à vela, onde o Brasil tem uma posição histórica garantida pela sua elite econômica).

Este não é um fato novo. Estamos acostumados a estes relatos de superação, do menino ou da menina pobre, que pela dedicação na maioria dos casos das mães, cozinheiras, faxineiras, doceiras, lavadeiras e seria possível continuar desfilando as profissões informais e sub-remuneradas da nossa economia, fizeram um esforço para garantir o acesso ao transporte, ao material esportivo, à matrícula em um projeto social que permitiu sonhar com algo mais.

A questão é que o que deveria ser estranho é não nos surpreendermos com isto. É não fazer as contas que estes jovens atletas que estão competindo nestes Jogos de Tóquio, na maioria dos casos nasceram depois do ano 2000. Cresceram em um país em que a desigualdade de renda e de oportunidades não pode mais ser atribuída nem à instabilidade da moeda, com mais de 25 anos de inflação relativamente baixa e bandas cambiais relativamente controladas pela existência de reservas. Nem à falta de recursos públicos, turbinados pelo crescimento do valor das commodities e pela descoberta do pré-sal na primeira década deste século.

O escândalo que o esporte escancara é que continuamos sendo uma sociedade desigual, com características que parecem não ter mudado o suficiente entre os Jogos de Tóquio 1964 e Tóquio 2021.

Nossos atletas são o espelho da sociedade brasileira. São verdadeiros heróis, mas não por terem ou não ganhado medalhas, mas por enfrentarem as barreiras da exclusão, do preconceito, da desigualdade. Importa menos a cor da medalha ou da bandeira e o hino tocado no pódio. A presença das peles dos diferentes tons que compõem a população brasileira, o orgulho de homenagear publicamente o apoio do companheiro ou companheira, independente de que sexo seja o atleta são o que faz a diferença em termos de transformação de nossa sociedade.

Ao final dos Jogos de Tóquio já começaram as especulações de quem vai e quais são as chances de vitória nos jogos de Paris. Em tempos da exploração de discursos nacionalistas, do Brasil acima de tudo, sabe-se lá o que isto quer dizer, o que menos precisamos é de um programa de apoio ao esporte nos moldes britânicos, para fomentar vitórias e tremular de bandeiras.

Se os Jogos Olímpicos ainda têm um sentido no século XXI não é pelo arcaico desfile de bandeiras e uniformes, não é pela competição de quem é mais forte, vai mais alto ou mais longe. A lição vem dos atletas do skate. Independentemente dos resultados, torciam uns pelos outros, comemoravam com o adversário o bom resultado das manobras, ainda que isto significasse que este ganharia. Não eram inimigos sub-rogados em um jogo das nações, mas amigos fazendo o que gostam. Este é o exemplo positivo que deve ficar destes Jogos.

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Sobre o mesmo tema, leia também “Medalhas olímpicas, apesar do governo“, de Barbara Cobo.