Crítica sobre o filme político La Dictadura Perfecta

O filme “La dictadura Perfecta”, de Luis Estrada -escrachado, burlesco e estereotipado-, começa com uma gafe do presidente do México exibida ao vivo para todo o país pela gigante de comunicação aliada do chefe da nação.

Um dos maiores expoentes do cinema mexicano, Alejandro González Iñárritu ganhou o mundo com obras premiadas como “Amores Brutos” (2000), “Babel” (2006) e “Birdman” (2014). Da mesma forma, seu conterrâneo Alfonso Cuarón se notabilizou com sucessos como “Gravidade” (2013), que abocanhou sete estatuetas no Oscar, e “Roma” (2018), vencedor do Oscar de melhor filme estrangeiro, além de melhor diretor e fotografia. Nessa lista, podemos incluir também Guillermo Del Toro, de “A Forma da Água” (2017), com mais quatro estatuetas. Juntos, os três diretores conquistaram Hollywood e são responsáveis por construir uma nova era de ouro do cinema mexicano.

Não pretendo falar aqui das qualidades desse trio já consagrado no universo cinematográfico internacional. Tampouco das influências externas que foram sendo incorporadas a suas obras ao longo de suas carreiras e que as tornaram mais universais do que propriamente locais. Pelo contrário, volto o olhar aqui para Luis Estrada, um diretor não muito conhecido além das fronteiras mexicanas, mas que sem dúvida é um dos mais celebrados da atualidade em seu país, típico representante do cinema de autor e detentor de vários prêmios nacionais.

Estrada chamou minha atenção depois de assistir a pérolas como “El Infierno” (2010) e “A Lei de Herodes” (1999) e por embalar suas comédias com uma ácida crítica sociopolítica. E ganhou meu respeito por jamais abandonar o posto do que vou chamar de “diretor raiz”. Vista com desdém por alguns, celebrada por outros, sua obra não dá pistas sobre influências externas, como ocorre nas de Iñárritu, Cuarón e Del Toro. Tudo bem que em “El Infierno” não resisti a rotulá-lo de “Tarantino mexicano”. Porém nem tanto, porque Luis Estrada é raiz, é México na veia, no jeito e na forma de fazer cinema.

Um dos filmes de Estrada que retratam essa máxima é “La Dictadura Perfecta” (2014), uma sátira política inspirada no presidente Enrique Peña Nieto, que governou o país de 2012 a 2018, e em suas ligações nebulosas com a mídia, leia-se Televisa. A comédia também se inspirou em toda sorte de negociatas, traições e falcatruas envolvendo secretários de estado, governadores, deputados e cartéis de drogas.

A obra – escrachada, burlesca e estereotipada – começa com uma gafe cometida pelo presidente do México (Sergio Mayer) exibida ao vivo para todo o país pela MX TV, gigante da comunicação aliada do chefe da nação. Para ajudá-lo a salvar sua imagem, a emissora tenta desviar a atenção do povo exibindo em horário nobre um vídeo no qual o governador de um estado dominado pelo cartel de drogas, Carmelo Vargas (Damián Alcázar, impagável), é flagrado num ato corrupção, provocando um escândalo nacional e levando ao esquecimento da gafe presidencial.

O governador Vargas, por sua vez, desesperado para salvar seu futuro político, propõe um acordo de milhões de dólares com a própria emissora que o denunciou em horário nobre. Ao receber a bolada, a MX TV se comprometeu a não apenas limpar sua imagem de forma rápida e cirúrgica, porque Vargas se lançaria à presidência da República, como também a apoiá-lo nesta empreitada. Para isso, usa o mesmo artifício usado contra o próprio governador: a chamada “Operação Caixa Chinesa”, que cria um fato novo potencialmente destrutivo e tão escandaloso quanto o fato que se deseja encobrir. O que a emissora não imaginava era que a situação sairia de controle.

À medida em que a trama se desenrola, fica a sensação de que já vimos esse filme por aqui recentemente, mas fora das telas: o dinheiro como mola propulsora do poder político e um vale-tudo ultrajante, feito de maneira atabalhoada. Estrada também não poupa o mundo midiático e o apresenta como algo sujo, mentiroso, ganancioso e manipulador. Já o governador Carmelo Vargas personifica o que há de pior entre seus pares: é corrupto, autoritário, desonesto, ambicioso, oportunista, desbocado, descompromissado e despreparado para o cargo. Como é descrito nos créditos iniciais do filme, “Qualquer semelhança com a realidade NÃO é mera coincidência.”

Clique aqui para ver “A ditadura perfeita” (Netflix).

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Os artigos representam a opinião dos autores e não necessariamente do Conselho Editorial do Terapia Política. 

Ilustração: Mihai Cauli
Leia também a resenha “Sai da frente, estafermo!“, de Eduardo Scaletsky.