Lázaro morreu. Maria chorou. Marta também. Se Jesus estivesse aqui, meu irmão não teria morrido, pensou uma e outra. Jesus não tinha pressa. Chegou no quarto dia, com o corpo já malcheiroso ao túmulo. Chorou. Rezou. Gritou “Lázaro, vem para fora”. E Lázaro, que estivera morto, saiu. Pés e mão atados, sudário ao rosto. “Soltai-o e deixai-o ir”, disse Jesus. Lázaro foi solto e se foi.

Lázaro Nasceu. Pobre e preto. Estudou pouco porque sentia-se preso na escola. Preferia a rua. Sua mãe, Maria, trabalhava muito. Saía muito cedo e voltava muito tarde. Só vez ou outra, via seu rosto à luz do sol. Nunca quis emprego. Porque quase nunca tem para ele. E, quando tem, paga o suficiente só para sobreviver na miséria. Lázaro quer outra vida. Sua mãe olha compadecida e aflita para os sonhos do filho. Sabe que daquela vida miserável só se escapa por milagre ou antecipando a própria morte.

Lázaro teve um piripaque. Estrebuchou e caiu de repente, bem ali, na frente de todo mundo. Ninguém sabia o que fazer. Acordou no hospital, ainda perdido. A esposa zangada lhe contou que a amante também foi visitá-lo. Sem saber o que dizer, calou-se como um morto. O médico lhe disse que não morreu por milagre. O médico era crente, Lázaro não. Pensou na vida que levava e na que levaria dali para frente. Disse para a esposa, com tristeza e alívio, que a amou um dia, mas não ama mais.

Lázaro adoeceu. Devia ser só uma gripezinha. Não acreditava em pandemia. Mas acreditava em conspirações. Sentia-se atado às máscaras, por isso não as usava. Se álcool matava o vírus, bebendo estaria imune. Com remédios, mais ainda. Em casa, sentia-se sepultado. Precisava sair. Piorou. Os médicos disseram que era por causa dos remédios. “Besteira!”. Piorou mais ainda. Queriam interná-lo. Fugiu do hospital para que nenhum daqueles comunistas de jaleco se metesse na sua vida.

Lázaro quebrou. Não teve jeito. Seriam só uns dias com a loja fechada, depois semanas, meses. Abria, depois fechava. Vai abrir de novo! Comprava estoque. Não vai poder abrir mais. Perdia tudo. Desistiu. Fechou de vez, demitiu, vendeu tudo e pagou dívidas. Ficou zerado. Isolou-se em casa. Não por medo da doença, nem por tristeza, mas para esperar. Seria seu sepulcro até que a oportunidade de uma nova vida lhe chamasse lá do lado de fora.

Lázaro morreu. Com muitos tiros. “Melhor assim, vai que ressuscita!”, brincou um policial. Foi enterrado no quarto dia depois de morto, com corpo já malcheiroso dos dias sem banho e da morte. Não ressuscitou. Nunca. Não quis. Não acreditava em outra vida e viveu sem arrependimentos pelo que fez, atado às suas escolhas perversas. A compaixão dos poucos que acreditam que uma vida pode ser regenerada e, por serem assim, são odiados por quem é incapaz de compaixão, não foi mais forte que a indiferença e o ódio dos muitos que desejaram e aplaudiram sua morte.

O que Lázaro fez da nova vida pouco se sabe. Certo é que sua ressureição irritou o Sinédrio. Jesus acabou supliciado como um condenado e crucificado sob aplausos de uma multidão que assistia a tudo como quem acompanha pela TV a espetacular caçada e morte de um homem perigoso.

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